De tanto Roberto, de mais de
quarenta anos, percorrer o olhar sobre o mar, de tanto amar o mar, conhecia sua
companheira... Os olhos dela sorviam os dele como um oceano sem volta, daqueles
que não terminam ao navegarmos com uma breve canoa, que seja, ou um barco que
traga fartura em nossa mesa. Ambos de olhar profundo, experiente, raro na
complexidade da alma humana, que havia tanto a se dizer, talvez não em muitas
palavras, mas com o diálogo sincero que nos anima o corpo. Seria suficiente, já
haviam se passado anos e anos, mas que pontuassem seu valor intrínseco no que
conversavam abertamente, escusando quaisquer interesses... Paula falou-lhe em
um breve silêncio em cada vírgula, titubeante:
- Você esteve na cidade, não? Aliás,
não precisa responder, bem, que o sei... Sempre mudas algo, que me digo, nunca
se muda a merda toda, querido. Você sabe que corre perigo, e eu cá estou a ver
se unimos os recortes de nossa vida.
Silencioso, Roberto a olhou com um
misto de espanto controlado, como quando estava no terminal de ônibus,
esperando por um que já não sabia se conseguiria pegar ou não, pois já
articulavam um impeachment sujo contra a sua Presidenta. E que a considerasse
sua, pois também este passara maus bocados, e os insumos externos eram grandes
contra a maré favorável à consonância de manter o Estado, a Nação, livre como
prosseguia, e não haveria um país de juventude, mas um arremedo de palha da
pior espécie, do pior que seria. Sabia que corria perigo, era estrangeiro em
seu próprio país, e lutava para se manter acordado ante todas as frentes que
quase o estouravam de rancores. Seus escritos estavam sendo usados como frentes
de coisas inócuas, arremedos de algo que sequer sabia onde estavam agora. Ao
olhar dela no seu, prosseguiu.
- Veja, Paula. O que significa a
palavra liberdade, se vamos e não sabemos se voltaremos, se não queremos lutar
e acham que assim será melhor derrotar-nos, se falam de amor quase sempre e
planejam jogos e contendas, se entregam o nosso país, ou nos agridem com
ofensas brutais?
- Você sempre volta assim, ligado em
proposições de fantasia, do que lhe colocam...
- Há que se ter uma postura!
- À merda a tua postura, caro cidadão!
Sua perna já está começando a travar e você com essas de moleque. Com quarenta
e três anos no focinho e daqui a pouco está de focinheira, ou camisa de força,
ou sei lá o que... Que podem te pegar por uma falta de zelo no comportamento,
bem sabes.
- Bem, minha cara, como se diz: eu
fico imóvel esperando o monstro da lagoa. Quem sabe eu cheiro fumaça de óleo
diesel ou me embriago até que alguém me esqueça. Não, apenas quero ver um pouco
da arquitetura que tanto amo, e as gentes que trançam por ela quais almas que
ainda considero boas, e nunca deixarão de sê-lo.
- Bom, se é só isso, me contento um
pouco, pois o que se há de muito fazer é que retornes para mim, pois há muito
trabalho por em cima das nossas testas, e saibamos que, ao menos teoricamente,
os cornos não nos nasceram, pois, creio que estares a tomar um ar na cidade te
fará sempre bem, já que antes paravas de bar em bar para uma lata...
- Deixei, minha cara, não há mais
disso, e se há de escrever, escrevamos, que tudo é do pensar, do pausar, do
consentimento em nos sabermos atuantes dentro de nossos limites, nem que exijam
nada, para mim é quase tudo. Viver, não mais.
- Sem tomar as dores por um mar de
aborrecimentos...
- Querida, isso é de um poeta já
morto que a história deu um jeito de ocultar nos cemitérios que querem erguer
para as artes e a história, pois desconhece-se até mesmo Cervantes e a
nulificação da existência está passando por isso.
- Liderança é liderança, meu caro.
Se você está passando por isso, obviamente teria que começar estaqueando o número
zero, mas que lhe sirva sua bagagem para o propósito das humanidades, unindo-se
a essa questão. Mas de peleia, meu caro, baste-se um pouco, que dá na vista. Se
a arte é seu sacrário, escreva, pinte e frua um pouco, senão endureces como um
tronco seco e para te quebrar bastam segundos...
- Sigo meio bambu de caniço, linda,
não te preocupes jamais!
- Ok, então, Roberto, vamos comer
algo... Re bien?
- Re bien, princesa, assim está
bom... Continuo com o meu ir e vir, pode ser? Lembro sempre de Mandela... Um
verdadeiro homem. Não chaleirar, mas aquele foi grande.
- Nada se compara ou se repete neste
mundo, meu caro, pois de sofrer-se, muitos já sofreram, existem muitos homens e
mulheres neste mundo enfrentando péssimas situações. Esperemos que todos
acordem, pois um apenas não pode mudar do jeito que queremos, do justo,
entende? É a união de todos que faz de um país cada vez com mais liberdade, e é
neste panorama que entenderemos melhor os outros, conversando, escutando,
propondo e debatendo. Em nossos comércios, nossas experiências profissionais,
em um templo, nas ruas, mas sempre cuidando para que não extrapolemos nossas
limitações, pois senão as perdas são por vezes quase inevitáveis. E no seu
caso, meu amigo, já sabes que estas demorariam muito para restabelecer sua própria
lucidez. Por isso, lhe digo que não beba, se cuide, e olhe sempre para o alto
quando parar, e sigas caminhando por onde as rochas não te impeçam, pois esta é
a caminhada da vida mesma, como ela É.
- Guardo com carinho tuas palavras,
minha cara... Sigamos eu e você, assim, de proximidade, de às vezes não se ter,
mas que já o tempo prediz que estaremos sempre alinhados em nossas condutas e,
se é de ser patriota, deixe-me sê-lo, ao pensar em meu país como algo melhor
sempre, assim como o mundo, assim como todos..
- Atalhando você, meu querido, sei
que o que irás me dizer é exatamente o que penso: que se apoie as medidas
positivas do Governo, pois gostar de ver defeitos no país para imputar culpas
quaisquer na condução da administração da Presidenta, é no mínimo ser
extremamente antipatriota.
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