sábado, 25 de julho de 2015

PAULA E ROBERTO – Um diálogo

            De tanto Roberto, de mais de quarenta anos, percorrer o olhar sobre o mar, de tanto amar o mar, conhecia sua companheira... Os olhos dela sorviam os dele como um oceano sem volta, daqueles que não terminam ao navegarmos com uma breve canoa, que seja, ou um barco que traga fartura em nossa mesa. Ambos de olhar profundo, experiente, raro na complexidade da alma humana, que havia tanto a se dizer, talvez não em muitas palavras, mas com o diálogo sincero que nos anima o corpo. Seria suficiente, já haviam se passado anos e anos, mas que pontuassem seu valor intrínseco no que conversavam abertamente, escusando quaisquer interesses... Paula falou-lhe em um breve silêncio em cada vírgula, titubeante:
            - Você esteve na cidade, não? Aliás, não precisa responder, bem, que o sei... Sempre mudas algo, que me digo, nunca se muda a merda toda, querido. Você sabe que corre perigo, e eu cá estou a ver se unimos os recortes de nossa vida.
            Silencioso, Roberto a olhou com um misto de espanto controlado, como quando estava no terminal de ônibus, esperando por um que já não sabia se conseguiria pegar ou não, pois já articulavam um impeachment sujo contra a sua Presidenta. E que a considerasse sua, pois também este passara maus bocados, e os insumos externos eram grandes contra a maré favorável à consonância de manter o Estado, a Nação, livre como prosseguia, e não haveria um país de juventude, mas um arremedo de palha da pior espécie, do pior que seria. Sabia que corria perigo, era estrangeiro em seu próprio país, e lutava para se manter acordado ante todas as frentes que quase o estouravam de rancores. Seus escritos estavam sendo usados como frentes de coisas inócuas, arremedos de algo que sequer sabia onde estavam agora. Ao olhar dela no seu, prosseguiu.
            - Veja, Paula. O que significa a palavra liberdade, se vamos e não sabemos se voltaremos, se não queremos lutar e acham que assim será melhor derrotar-nos, se falam de amor quase sempre e planejam jogos e contendas, se entregam o nosso país, ou nos agridem com ofensas brutais?
            - Você sempre volta assim, ligado em proposições de fantasia, do que lhe colocam...
            - Há que se ter uma postura!
            - À merda a tua postura, caro cidadão! Sua perna já está começando a travar e você com essas de moleque. Com quarenta e três anos no focinho e daqui a pouco está de focinheira, ou camisa de força, ou sei lá o que... Que podem te pegar por uma falta de zelo no comportamento, bem sabes.
            - Bem, minha cara, como se diz: eu fico imóvel esperando o monstro da lagoa. Quem sabe eu cheiro fumaça de óleo diesel ou me embriago até que alguém me esqueça. Não, apenas quero ver um pouco da arquitetura que tanto amo, e as gentes que trançam por ela quais almas que ainda considero boas, e nunca deixarão de sê-lo.
            - Bom, se é só isso, me contento um pouco, pois o que se há de muito fazer é que retornes para mim, pois há muito trabalho por em cima das nossas testas, e saibamos que, ao menos teoricamente, os cornos não nos nasceram, pois, creio que estares a tomar um ar na cidade te fará sempre bem, já que antes paravas de bar em bar para uma lata...
            - Deixei, minha cara, não há mais disso, e se há de escrever, escrevamos, que tudo é do pensar, do pausar, do consentimento em nos sabermos atuantes dentro de nossos limites, nem que exijam nada, para mim é quase tudo. Viver, não mais.
            - Sem tomar as dores por um mar de aborrecimentos...
            - Querida, isso é de um poeta já morto que a história deu um jeito de ocultar nos cemitérios que querem erguer para as artes e a história, pois desconhece-se até mesmo Cervantes e a nulificação da existência está passando por isso.
            - Liderança é liderança, meu caro. Se você está passando por isso, obviamente teria que começar estaqueando o número zero, mas que lhe sirva sua bagagem para o propósito das humanidades, unindo-se a essa questão. Mas de peleia, meu caro, baste-se um pouco, que dá na vista. Se a arte é seu sacrário, escreva, pinte e frua um pouco, senão endureces como um tronco seco e para te quebrar bastam segundos...
            - Sigo meio bambu de caniço, linda, não te preocupes jamais!
            - Ok, então, Roberto, vamos comer algo... Re bien?
            - Re bien, princesa, assim está bom... Continuo com o meu ir e vir, pode ser? Lembro sempre de Mandela... Um verdadeiro homem. Não chaleirar, mas aquele foi grande.
            - Nada se compara ou se repete neste mundo, meu caro, pois de sofrer-se, muitos já sofreram, existem muitos homens e mulheres neste mundo enfrentando péssimas situações. Esperemos que todos acordem, pois um apenas não pode mudar do jeito que queremos, do justo, entende? É a união de todos que faz de um país cada vez com mais liberdade, e é neste panorama que entenderemos melhor os outros, conversando, escutando, propondo e debatendo. Em nossos comércios, nossas experiências profissionais, em um templo, nas ruas, mas sempre cuidando para que não extrapolemos nossas limitações, pois senão as perdas são por vezes quase inevitáveis. E no seu caso, meu amigo, já sabes que estas demorariam muito para restabelecer sua própria lucidez. Por isso, lhe digo que não beba, se cuide, e olhe sempre para o alto quando parar, e sigas caminhando por onde as rochas não te impeçam, pois esta é a caminhada da vida mesma, como ela É.
            - Guardo com carinho tuas palavras, minha cara... Sigamos eu e você, assim, de proximidade, de às vezes não se ter, mas que já o tempo prediz que estaremos sempre alinhados em nossas condutas e, se é de ser patriota, deixe-me sê-lo, ao pensar em meu país como algo melhor sempre, assim como o mundo, assim como todos..
            - Atalhando você, meu querido, sei que o que irás me dizer é exatamente o que penso: que se apoie as medidas positivas do Governo, pois gostar de ver defeitos no país para imputar culpas quaisquer na condução da administração da Presidenta, é no mínimo ser extremamente antipatriota.

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