Entraram meio tristes na sala, vindo
das compras em um supermercado. Ana consentia com sorrisos meio amargos, e Cláudio
a observava fixamente.
- Engraçado, querido, veja como ali
dentro as pessoas são estranhamente civilizadas... – Seus olhos se turvavam,
inquietos.
- Parecem que vão apenas fazer as
compras, meio que sinto apenas um tipo de termômetro por ali. Algo que passa
por nossa cabeça, que os mais toscos talvez não compreendam, mas o que me
assusta se passa ser talvez o oposto. – Cláudio se mantinha firme como sempre,
esportivo, guardando as frutas.
- Não sei, mas sinto uma sensação de
ausência. Parece a existência de um grande motor, algo que corre com os
movimentos, percebe? A caixa muito discreta... Talvez dependa dos dias, quem
sabe?
- Ana, não temos que nos preocupar
com andarmos conscientes o tempo todo. Mas erro, pois se não for assim,
tropeçamos na gôndola de maracujás, ou deixamos uma melancia desabar, em sua
carne de suco.
- É verdade, meu caro. Na verdade,
creio que estamos em um século quase dissolvido por um número exato em lindos
algarismos, e uma porção de códigos pendurados, como uma árvore genealógica de
etiquetas.
- O tempo vai passando, querida, e a
gente se suprime, qualquer lugar é uma hora, por vezes mais tensa, por vezes
mais feliz, mais festiva, me entendes? Me parece um jogo de Cortázar, mesmo
como no livro, e nos enchemos e esvaziamos o carro, assentimos assim, com esses
duplos, viajamos na embalagem do mel orgânico e muitas vezes não reservamos
tempo pragmático para verificar os preços.
Para muito além daquele tempo, havia
reminiscências nos dois, quando chegavam à casa, esta que dava no fundo do
terreno, o cão aguardando, um carro meio
a meio na lataria, de motor mil. A semana fora puxada até aquela
segunda, e havia o que pressentir de mais uma jornada dura, pois seus trabalhos
eram honestos, de uma espécie rara, como com todos os trabalhadores... Pegaram
de uma garrafa de vinho e ritualisticamente beberam alguns goles, foram para a
cama e sortearam uma página de Cortázar, no jogo, ao que Cláudio abriu de sua
bolsa e categoricamente afirmou que leria outro do mesmo autor: As Armas
Secretas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário