segunda-feira, 14 de setembro de 2015

ANA E CLÁUDIO

            Entraram meio tristes na sala, vindo das compras em um supermercado. Ana consentia com sorrisos meio amargos, e Cláudio a observava fixamente.
            - Engraçado, querido, veja como ali dentro as pessoas são estranhamente civilizadas... – Seus olhos se turvavam, inquietos.
            - Parecem que vão apenas fazer as compras, meio que sinto apenas um tipo de termômetro por ali. Algo que passa por nossa cabeça, que os mais toscos talvez não compreendam, mas o que me assusta se passa ser talvez o oposto. – Cláudio se mantinha firme como sempre, esportivo, guardando as frutas.
            - Não sei, mas sinto uma sensação de ausência. Parece a existência de um grande motor, algo que corre com os movimentos, percebe? A caixa muito discreta... Talvez dependa dos dias, quem sabe?
            - Ana, não temos que nos preocupar com andarmos conscientes o tempo todo. Mas erro, pois se não for assim, tropeçamos na gôndola de maracujás, ou deixamos uma melancia desabar, em sua carne de suco.
            - É verdade, meu caro. Na verdade, creio que estamos em um século quase dissolvido por um número exato em lindos algarismos, e uma porção de códigos pendurados, como uma árvore genealógica de etiquetas.
            - O tempo vai passando, querida, e a gente se suprime, qualquer lugar é uma hora, por vezes mais tensa, por vezes mais feliz, mais festiva, me entendes? Me parece um jogo de Cortázar, mesmo como no livro, e nos enchemos e esvaziamos o carro, assentimos assim, com esses duplos, viajamos na embalagem do mel orgânico e muitas vezes não reservamos tempo pragmático para verificar os preços.
            Para muito além daquele tempo, havia reminiscências nos dois, quando chegavam à casa, esta que dava no fundo do terreno, o cão aguardando, um carro meio  a meio na lataria, de motor mil. A semana fora puxada até aquela segunda, e havia o que pressentir de mais uma jornada dura, pois seus trabalhos eram honestos, de uma espécie rara, como com todos os trabalhadores... Pegaram de uma garrafa de vinho e ritualisticamente beberam alguns goles, foram para a cama e sortearam uma página de Cortázar, no jogo, ao que Cláudio abriu de sua bolsa e categoricamente afirmou que leria outro do mesmo autor: As Armas Secretas. 

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