Havia um tabuleiro como tantos, no claro
escuro das casas, em que o campo não seria exato, pois o homem jogava também
com as peças derrubadas. Levantava-as, o glabro, de uma barba de prestobarba asseado, e o sangue que por
vezes brotava da acne sem sulfa, esta que não havia. Pequenas gotas estancadas
pelo papel do banheiro público. Levantava as peças de jogo alheio e pensava:
como irei jogar com os relógios que os contendores batem nervosamente a cada
movimento rápido e preciso? A cada tilintar da pequena sineta... A princípio os
peões que abriam caminho para o centro do tabuleiro. Emprestavam-se a ele, e a
algaravia de tocar as peças transformava-se em silêncio.
Olhava meticulosamente o “ele” dos
cavalos e sorria na aproximação das damas! Deixavam-no brincar com aquele
mosaico – grande para Joaquim – em preto e branco, na extensão exata da
quadratura dos limites, principalmente quando observava o xadrez jogado por
bons adversários. Por que tal a importância dos peões, se os seus movimentos
configuravam geometrias tais que o sacrifício de um permitia um xeque de dentro
do centro do tabuleiro? Permitindo a algumas peças a semântica dos números em
um tempo em que sempre haveria um desfecho... Esse tempo dos jogos antigos, onde
havia a conclusão de um bom desafio, seja ele matemático ou lógico, não a
sincronização absurda de uma vida na virtualidade de uma máquina, porém
fascinante.
Para Joaquim – o velho Joaquim – em
síntese, jogava na perda: sempre, para ver a velocidade dos xeques e permitia
óbvios xeques-mates... Via por através, os vincos cerrados de seus oponentes,
as mãos crispadas segurando a rainha, os ventres gordos por vezes ou, o que o
assustava, grossas lentes por vezes em fracas estratégias, as lentes... Os
olhos, o orgulho de um término de alguns minutos. Porém, no que diziam de sua
parca inteligência até então entornou em seu íntimo um universo na lógica das
peças nas laterais da mesa, que erguia, uma a uma quando o oponente invectivo
as deitava na mesa da praça, onde Joaquim – bancário aposentado – vivia seus
dias na posição simples e digna sob a real companhia dos pombos.
“Eh, Joaquim”, diziam. Sorria feliz
quando o convidavam para uma conversa a respeito das últimas notícias nos
pasquins populares, ou da televisão dos bares, estes que se recusava a
freqüentar. Em sua soberana inteligência havia muito que não abusava da bebida.
Solitário, em sua casa, pulsava de felicidade em beber em seu estúdio por vezes
um copo de vinho. Uma mulher o ajudava a manter-se e a um filho que trabalhava
no Consulado. Criava também brinquedos de madeira para os pobres que não
possuíam o computador. Seguia a sua vida... Era divorciado, tinha dois filhos,
a filha era advogada e solteira.
Fizera em seu estúdio uma marcenaria
improvisada e era assim que trabalhava um pouco em casa. A sua maior criação
fora um jogo de xadrez, com peças torneadas e silenciosas na posição estática
de suas formas. Fizera um tabuleiro de plástico com recortes em vinil. Ficara
dissonante a madeira em cima do plástico, porém as cores isoladamente eram
ricas em seu desenho. O que não resolvera a contento nas peças Joaquim
remodelou alguns acertos com massa epóxi, como os rostos da dama, dos bispos e
dos reis, além, obviamente, do corpo dos cavalos em seu desenho inevitavelmente
belo. Gostava de misturar materiais e a cabeça dos peões manufaturara com bolas
de gude metálicas da coleção que seu filho mantivera até então.
De manhã cedo se barbeava, se banhava,
vestia uma de suas peças de roupa e seguia para a cidade onde conhecidos
antigos jogavam com toda a experiência o jogo maravilhoso... Nunca havia uma
repetição, nunca as mãos posicionavam-se de outros modos, mesmo nas clássicas
aberturas, como na giocco piano, tão
antiga e reflexa nos tempos atuais para quem – como Joaquim – desconhecia os
vocabulários da lógica. Essa pura raiz que faz um movimento de um bispo cobrir
com atenção um peão que protege a dama que, por sua vez, corre em sua própria
semântica em defender o rei. No roque, a dama torna-se ciumenta ao ver seu rei
mudar para os flancos da torre. Essa era a grande viagem de Joaquim em seus
labirintos da vida. A fantasia! O sonho!
No critério da lógica há a fragmentada
porém coesa estrutura do pensamento, de como descobrir as premissas se o cavalo
ora galopa nos vários semi quadrantes, obviamente sabendo que a haste maior
vale três e a menor pula dois. Por cima até do rei quando o iniciante tem a mal
fadada pressa em avançar na direção frontal, ou mesmo em recuos distraídos.
Porém, o iniciante possui a correção da humildade quanto enfrenta a proposta
quase inverossímil de fatalmente perder para um contendor extremamente
experiente.
Joaquim – o velho – era eternamente um
iniciante; um aprendiz. Talvez por isso sabia tanto do jogo, suas variantes
incontornáveis, peças mistas, o “ser” do jogo, as idiossincrasias... Enfim:
tanto era a se aprender que a sua distração e imediatismo nunca o fariam ser um
bom enxadrista, na acepção padrão do termo, nas regras estritas desse antigo
jogo, misto de entreter-se e exercitar-se intelectualmente. Paradigma da
estratégia de dois pensamentos digladiando-se saudavelmente.
Joaquim não pensava em fronts reais, visto que colocara em suas
próprias mãos a vertente da própria existência. O calor em compreender como o
peão consegue chegar ao outro lado do tabuleiro o fazia pensar no que haveria
no outro lado da lua: e quantos peões enfrentariam tal temperatura... Não sabia
ao certo o que era a ciência apesar de viver muito perto dela, em brio e
atitudes. Sabia que a torre valeria quase tanto quanto um cavalo, ou muito
mais, quando sua posição em defesa fosse assaz importante. O que via e
pressentia nas ruas era por vezes uma brisa tépida que perpassava os corações
repletos de esperança, nas vitrines via boas promoções e em mesas percebia refeições
condignas, misto de conquista diária na luta vencedora do povo de sua nação. A
comida a se bastar. Sem a origem costumeira dos que não dizem, mas a condição
dos que se expressam tangenciando suas próprias raízes com a fecundidade do bom
alimento e a resposta dos frutos brotados das mãos camponesas em comunhão com a
terra.
Em sua estreiteza em vislumbrar uma
compreensão mais panorâmica do planeta pensava: “por que as guerras? Por que as
mortandades no mundo? Será que também é algo de um jogo? Não creio, seria uma
idéia a respeito de tudo muito triste... Por que os opositores não se reúnem
para jogar xadrez...? Ou mesmo damas... Será que toda a riqueza do planeta já
tem donos?” Pensamentos fabulosos o cercavam... Um Quixote por vezes, por vezes
Sancho. O mundo se afigurava a Joaquim a um moinho, mas com pás redobradas em
força nas vertigens dos séculos... Um barril de vinho não seria suficiente para
dirimir essa certeza. Um odre que fosse, mas se esquecia de beber que não fora
por vezes algo, mas que mais um cigarro, depois do café, lhe aprazia. Era assim
de seus prazeres em que não havia algum mistério, pois a Joaquim – o velho –
lhe amava a própria vida, essa gênese de onde, somente dela, brota a vida. O
mundo para tantos se afigura por vezes claudicante nos reveses que encontramos
nos caminhos (por vezes veredas trançadas com farpas de arame), mas em outras –
e quase sempre mais longas – os jardins, a preservação, o amor, o querer-se.
Caminhos difíceis por vezes, mas que se nos apresentam com as luzes das
descobertas, do se compartir, o punho sólido quebrando a hipocrisia, que não há
trevas que não sucumbam; pois, para essas veredas o clarão da coragem e da fé
nos faz prosseguir cumprindo alegremente a nossa missão por aqui onde
estivermos, mesmo que para isso tenhamos que enfrentar um mar de
idiossincrasias nefastas, que nos impeçam de sermos humanos nesse dever sobre a
Terra. Pois que estamos com o egoísmo aflorado na superfície já não tão crespa
do planeta, de suas florestas à parte do ideal preservacionista. Egoísmo por
vezes formal na busca insana do nada, a se tentar apagar da história
verdadeiros homens e mulheres que lutam ou lutaram, antes que a ignorância tente
descartá-los, como em uma roupa em que não se vê mais o clarão da verdade, mas
apenas o significado que insinua tristemente a boataria.
A se aferrar em lógicas rudimentares e
ignoradas pelos que se acreditam em consciência desperta, mas que apenas
despertam de um sonho para entrar na ilusão... Como se manter alheio a tudo, se
até as máquinas são fabricadas nas esteiras da divulgação e do controle quase
absoluto? Os aparelhos televisivos e seu mote tranqüilo dos padrões
sincronizados pelas programações da hipnose no inconsciente.
Joaquim residia na geometria do jogo de
xadrez. Permanecia atento às organelas da grande história recriada pela grande
citologia do corpo enfermo da crítica digital, dentro do que percebia ser
injusto quando – às vezes inevitavelmente – se expunha sob a influência dos
programas absolutamente ensaiados e parciais das grandes televisões do país. O
mito do grande irmão – falso e nocivo – era como um lazer estúpido e negociado
pelos atores... Por isso o nosso herói encontrava mais conforto intelectual no
jogo dos peões, nos movimentos dos bispos, na flexibilidade da dama e na defesa
do rei; em seus cavalos por vezes e nas torres que se erguiam na grande
metrópole: tabuleiro de suas caminhadas. Por ali continuava as jornadas, bem
envolvido na grande lógica dos espaços, das áreas, dos campos, tanto na visão
das conquistas territoriais quanto na idiossincrasia dos contendores. Não
possuía perfil... A síntese de seu comportamento navegava na textura tépida da
selva urbana. Tépida, pois onde residia o mar se fazia presente à brisa que
trepida o consentimento... E o mar comungava com famílias que buscavam o seu
sustento nos peixes, nas algas e nos moluscos. O mar fazia da Natureza o outro
lado de Joaquim. Nele reverberavam a pureza do horizonte, a existência das aves
e o recrudescer do sentimento marinho na vista dos barcos que saíam em busca de
vertentes maiores do alimento. No entanto, mal sabia o velho Joaquim, que saíam
com estranhas missões a serem cumpridas na vastidão de um tabuleiro – este sim
– inexpugnável a quem dentro de sua vastidão ousasse mais do que os limites
toscos do ferro das embarcações.
Havia as horas em que o homem despertava
na amplitude marinha, o vôo dos pássaros, a profusão da areia sob o sólido
manto das águas, das nuvens que retratam as reverberações do Criador e o sol
que é a própria visão de Deus. Nessas horas Joaquim evitava que o
importunassem, nas frações de seu tempo, de um tempo que o fazia pensar mas que
a ele não importava: ou o tempo absoluto que passa pelos ponteiros ou o
verdadeiro tempo das reminiscências, sejam elas de todas as cores do mundo e
suas infinitas mesclas, como em um óleo impressionista de onde o olhar do
artista tangenciou os tons amalgamados na origem de sua palheta. O tempo
relativo quando não é contado, como quando o escritor vence mais um parágrafo
na sua independência de simplesmente fazer chegar ao leitor um passado
realizado no presente e remetido ao futuro, num ciclo em que torna imortal a
sua obra, o seu espírito, mas não as complexas engrenagens da carne. Ou o tempo
de se dar em um trabalho solidário onde o relógio que marca o ingresso de um
operário mostra a ele – no tempo de sua saída – a importância concreta do
trabalho realizado por vezes em um clima de solidariedade, esta mesma referida
e tão necessária. Na verdade – pensava o nosso herói – o que será o tempo? Algo
de uma abstração ímpar que gera a fama e por vezes a própria infâmia, e apenas
aqueles que se despem desse significado contornam – nas labutas e sacrifícios –
as barreiras de vidas difíceis no caudal da esperança consagradora.
Os horizontes em dias de chuva o faziam
se preocupar com os moradores de rua que habitavam a cidade, os bairros, os
nichos de guarida e abrigo improvisados. Não havia como resolver certas
equações complicadas, quase insolúveis... Pensava que os ministérios que
defendiam os direitos humanos ajudariam, mas seria preciso ações estruturadas
nas raízes da cultura do país. Os povos indígenas ficavam restritos à
ignorância – no de se ignorar – em certas regiões, no que versa em sua própria
existência e manutenção intacta de seus territórios. Os negros por vezes eram
massivamente levados a acreditar que a sua cor da pele era uma questão de raça,
mal sabendo que esse conceito não admite uma sociedade plural, pois leva a
questões mais profundas onde as plutocracias apostam que há alguma diferença em
ser ou não, em ser negro, em ser branco, se há sanidades, se há pessoas
“resolvidas”, plutocracias hipócritas, mal sabendo que é ao uso que o uso
pertence, e que os preconceitos permanecem quando se separa as aparências e
comportamentos em fórmulas divisionais. Se um usa ao outro fecha um ciclo
incoerente como um peão que vai em frente apenas para ser trocado por outro, na
antiga movimentação das peças. Não se faz o uso das gentes, pois que isto põe à
prova a aceitação de verdades disfarçadas. Como as cores em seus padrões sem
modulação. Há que se mesclar, as cores são sentidas em sua inocência pelos que
delas esperam apenas a fruição necessária e encontram as representações no
léxico interminável das vertentes...
As cachoeiras rugem mais do que certos
trovões em que as tempestades os cabem no mar ou na selva, distantes das
arquiteturas planejadas no caos organizado que sopra apenas como uma doce brisa
em contraste com a fulgurante Natureza. Zangões são tão necessários como as
abelhas dentro do espectro de sua maneira de ser: insetos, pois aos insetos
cabe a sua própria lógica de serem livres também, apesar de outros atrasarem um
pouco a vida dos camponeses. Mas sempre há, na biologia coerente e humana,
modos e mais modos... Os pesticidas acabam por matar o que existe na terra
envenenando o húmus que é o seu bem mais sagrado. Há que se plantar da aveia
para que a vegetação travosa não impeça o florescimento de um bom pasto, a que
se retirar do leite e dos frutos germinados na mesma terra, pasto e horta.
A cada família uma terra boa: A TERRA
BOA! Não claudiquem as terras, pois é da terra que tudo há e é na Terra que
tudo É. As vertentes clamam pela mãe Gaya, subtraindo Maya de seus alicerces.
Assentar-se no planeta é tão evidentemente necessário que o é muito mais do que
deitar-se sob um dossel nas carícias por vezes infiéis do prazer apenas, por
dito e conforme. Pois do que se diz pouco realmente se escuta: de um velho
homem em sua jornada maravilhosamente dura pelo mundo há que se prover da sua
própria experiência na Angola que não se renuncia dentro de nós mesmos... Os
velhos de Angola, os experientes da China, os sobreviventes do sudeste
asiático, os Sioux ou seus
descendentes, ao menos. Os Vedas, a Índia, os indígenas, os olhos d’água
brotando incandescentes sob argila fecunda, o obreiro assentando a crueza do
cimento para fazer adormecer mais um tijolo na construção da vida! Isso é e
continua sendo o verdadeiro milagre que consagra a libertação de qualquer jugo,
tanto colonial quanto imperialista, pois é apenas a noção exata e clara da
evidência de sermos coerentes e humanos ao que nos cerca. O caminho da
violência é a pátria de uma “laranja mecânica”, a não ser na própria coerência
da defesa que se faz tanto no plano humano quanto existencial, quando algum dito
sapiens “evoluído” se volta contra um
ser lúcido na tentativa de impor restrições quaisquer que tente impedi-lo de
seguir no embate saudável da existência. Há que se aceitar o humanismo também
como um respeito à Natureza, pois não adianta erguer uma grande obra sem pensar
na história do lugar onde se pretende erigir, pois esse erro torna-se por vezes
o claustro uma arquitetura de viseiras. Diga-se de passagem, a história de onde
colocar os dejetos sanitários, ou mesmo tentar ao menos preservar ou recriar o
paisagismo necessário, mantendo-se justamente a história da vegetação original.
De se ler qualquer, de se ouvir músicas
quaisquer, de fazer crescerem as raízes sem esquecer-se de regá-las, pois só à
Natureza cabe regar por inteiro tanto a planta quanto a dar o alimento ao
estômago do homem, ou ao molhar os cabelos da mulher na semântica cristalina
dos mares, ou mesmo quando a própria Natureza ensina às gentes os perfis
intemporais da poesia vertida sobre a flâmula dos papéis, pois empresta a
madeira para tanto. E os papéis da caligrafia o sabem! De tal monta que o
saberiam menos se não fora a verdadeira poesia que floresce no gesto de uma mão
companheira... De suas latitudes inquietas, no portar-se a prosseguir em
trabalhos sem desnudar os troncos que escondem a seiva, sem permitir aos homens
funestos que decepem os seringais e derrubem as florestas, pois a fibra do
madeiro singra pelo mar da compreensão da lógica existente em se preservar o
que possuímos, tanto a selva como a faculdade de unir as idiossincrasias
pessoais dentro da aurora da sincera e solidária coletividade, sem senão ou
porquês desnecessários, pois as palavras ditas hão de ser ditas em seu
significado primeiro, não no berço hipócrita das ofensas ensaiadas na
eletrônica ou no jargão ignorante dos instintos da crueldade da patologia
social, geralmente originários de manuais escusos e externos.
Sim, quem diria ou dirá algo que não
seja o avesso da própria e extenuante realidade? Por vezes a dúvida permanece
como em um jogo de xadrez em que as peças vencidas ainda participam do ritmo
andante do mesmo jogo. Em ritmo andante como o Rocinante a suportar o peso do
Quixote, revirando os olhos ao observar a lança no seu prolongamento cavaleiro.
Das desditas que consagrou a loucura do velho fidalgo; de um próprio moto a ver
com o cavalo peão da órbita geométrica das linhas e do caudaloso saber das
colunas: torre. Antes fosse um peão a buscar a dama em sua saída do
quadriculado do bom mármore. De como a se saber da contenda e dos contendores!
Medalha olímpica. O enxadrista cessa o
esforço. Anoitece o seu ímpeto de prosseguir a mais uma contenda. Ficara em
terceiro. Tudo isso lia Joaquim no jornal. Este Joaquim prosseguia em seus
caminhos de aprendiz, as suas referências na verdade de fatos e status da realidade, sem a forja quase
inverossímil de certa estupidez acadêmica em talhar a ferro mentes
orgulhosamente obtusas.
Para Joaquim – o velho – a circunscrição
do xadrez e seu tabuleiro era o próprio mistério... Apenas aplainava a sua
paixão intelectual, mas até certo ponto ingênua em decifrar – não os movimentos
das peças sempre iguais – mas a própria expressão que se fazia presente nos
rivais. Via por vezes de cima e as peças tornavam-se botões no claro escuro,
quando de um estar em uma casa branca, ou um círculo de mesma cor que
confundia, ou não se sabia que peça: preto no preto, preto no branco, branco no
branco, branco no preto, sem distinção de rei ou de peão. Era a sua fremente
necessidade, de se saber, de se aprender com a sua própria idiossincrasia, de
se tornar consciente de qualquer movimento, qualquer mirada, qualquer
expressão. Via, tornava-se homem, cristal mineral, rocha plúmbea, alquimia de
sua própria vida, tocava... Sentia! A sentir-se no caudal afã da própria
respiração, da veia latejante, da vertente dos olhos de uma mulher, curiosa
como tantas em tal velho, em tal tema, em tal latitude desse autêntico homem.
Por vezes escarneciam os seus modos e
quereres que transpareciam no seu olhar por dentro das ávidas pestanas. O
bigode meio franzino auscultava o toque de seus lábios em um cigarro, que por
vezes o mantinha apagado para não perder o rebuliço do jogo. E fumava na
companhia dos pombos, estes ausentes de qualquer reclame, qualquer foto
compartida na mesa cruenta de quem está por detrás de “outros” tabuleiros, pois
a mesma crueza mostra a covardia dos impérios em suscitarem antigos fantoches,
querelas: quirelas perdidas em capim, sem ser do bom limão! Alto teriam a dizer
os que estavam olhando taciturnamente os comportamentos das gentes, com os seus
binóculos do oculto guarnecidos, como rege a sintaxe fria dos opositores ao
progresso e desenvolvimento coerente ante a pluralidade social e o assentamento
tácito da comunhão do povo e todos os habitantes do planeta. Há que se fazer da
defesa uma grande morada e que tépidos lençóis sejam encontrados e fornecidos –
de irmanada construção – abrigos de sólidos alicerces a quem queira... Por
direito. O método de abraçar o mundo com as costas, como Cristo, como tantos os
de obra. Vigamentos, colunas, janelas e portas, estas que abram na cunha das
possibilidades, no alvorecer cigano de mais um acampamento em terra consagrada.
Há que se pretender mais do que uma casa
sob o azul peremptório do céu... À noite, por sua vez, se tatua de estrelas
como em um braço camponês há a sombra do húmus frutificado em trabalho. Da
semeadura, das mãos pousadas sobre os labirintos da Terra... Pois que há muitas
mãos e muita terra. Muitas máquinas também, em grandes lençóis que não são os
de cetim, mas de um grânulo raivoso em fabricar rações em gigantescos
latifúndios, porém fabricadas aquelas em outros países. Longe do quintal de
Joaquim – o velho – pois em sua casa o terreno (feito jardim) resumia-se em uma
pequena mas profícua horta de onde abastecia dois pratos em cada refeição. De
boa monta que houvesse o de se plantar, pois se quer e é o desejado, em justo e
sincero querer.
As palmas de uma palmeira diziam a si
mesmas a riqueza de observarem de sua posição os laivos de uma pequena e justa
fartura, pois a terra se doa a quem a semeia com carinho e colhe com a atenção
e o amor bastantes...
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