sábado, 1 de agosto de 2015

O JOGO DE JOAQUIM

Havia um tabuleiro como tantos, no claro escuro das casas, em que o campo não seria exato, pois o homem jogava também com as peças derrubadas. Levantava-as, o glabro, de uma barba de prestobarba asseado, e o sangue que por vezes brotava da acne sem sulfa, esta que não havia. Pequenas gotas estancadas pelo papel do banheiro público. Levantava as peças de jogo alheio e pensava: como irei jogar com os relógios que os contendores batem nervosamente a cada movimento rápido e preciso? A cada tilintar da pequena sineta... A princípio os peões que abriam caminho para o centro do tabuleiro. Emprestavam-se a ele, e a algaravia de tocar as peças transformava-se em silêncio.
Olhava meticulosamente o “ele” dos cavalos e sorria na aproximação das damas! Deixavam-no brincar com aquele mosaico – grande para Joaquim – em preto e branco, na extensão exata da quadratura dos limites, principalmente quando observava o xadrez jogado por bons adversários. Por que tal a importância dos peões, se os seus movimentos configuravam geometrias tais que o sacrifício de um permitia um xeque de dentro do centro do tabuleiro? Permitindo a algumas peças a semântica dos números em um tempo em que sempre haveria um desfecho... Esse tempo dos jogos antigos, onde havia a conclusão de um bom desafio, seja ele matemático ou lógico, não a sincronização absurda de uma vida na virtualidade de uma máquina, porém fascinante.
Para Joaquim – o velho Joaquim – em síntese, jogava na perda: sempre, para ver a velocidade dos xeques e permitia óbvios xeques-mates... Via por através, os vincos cerrados de seus oponentes, as mãos crispadas segurando a rainha, os ventres gordos por vezes ou, o que o assustava, grossas lentes por vezes em fracas estratégias, as lentes... Os olhos, o orgulho de um término de alguns minutos. Porém, no que diziam de sua parca inteligência até então entornou em seu íntimo um universo na lógica das peças nas laterais da mesa, que erguia, uma a uma quando o oponente invectivo as deitava na mesa da praça, onde Joaquim – bancário aposentado – vivia seus dias na posição simples e digna sob a real companhia dos pombos.
“Eh, Joaquim”, diziam. Sorria feliz quando o convidavam para uma conversa a respeito das últimas notícias nos pasquins populares, ou da televisão dos bares, estes que se recusava a freqüentar. Em sua soberana inteligência havia muito que não abusava da bebida. Solitário, em sua casa, pulsava de felicidade em beber em seu estúdio por vezes um copo de vinho. Uma mulher o ajudava a manter-se e a um filho que trabalhava no Consulado. Criava também brinquedos de madeira para os pobres que não possuíam o computador. Seguia a sua vida... Era divorciado, tinha dois filhos, a filha era advogada e solteira.
Fizera em seu estúdio uma marcenaria improvisada e era assim que trabalhava um pouco em casa. A sua maior criação fora um jogo de xadrez, com peças torneadas e silenciosas na posição estática de suas formas. Fizera um tabuleiro de plástico com recortes em vinil. Ficara dissonante a madeira em cima do plástico, porém as cores isoladamente eram ricas em seu desenho. O que não resolvera a contento nas peças Joaquim remodelou alguns acertos com massa epóxi, como os rostos da dama, dos bispos e dos reis, além, obviamente, do corpo dos cavalos em seu desenho inevitavelmente belo. Gostava de misturar materiais e a cabeça dos peões manufaturara com bolas de gude metálicas da coleção que seu filho mantivera até então.
De manhã cedo se barbeava, se banhava, vestia uma de suas peças de roupa e seguia para a cidade onde conhecidos antigos jogavam com toda a experiência o jogo maravilhoso... Nunca havia uma repetição, nunca as mãos posicionavam-se de outros modos, mesmo nas clássicas aberturas, como na giocco piano, tão antiga e reflexa nos tempos atuais para quem – como Joaquim – desconhecia os vocabulários da lógica. Essa pura raiz que faz um movimento de um bispo cobrir com atenção um peão que protege a dama que, por sua vez, corre em sua própria semântica em defender o rei. No roque, a dama torna-se ciumenta ao ver seu rei mudar para os flancos da torre. Essa era a grande viagem de Joaquim em seus labirintos da vida. A fantasia! O sonho!
No critério da lógica há a fragmentada porém coesa estrutura do pensamento, de como descobrir as premissas se o cavalo ora galopa nos vários semi quadrantes, obviamente sabendo que a haste maior vale três e a menor pula dois. Por cima até do rei quando o iniciante tem a mal fadada pressa em avançar na direção frontal, ou mesmo em recuos distraídos. Porém, o iniciante possui a correção da humildade quanto enfrenta a proposta quase inverossímil de fatalmente perder para um contendor extremamente experiente.
Joaquim – o velho – era eternamente um iniciante; um aprendiz. Talvez por isso sabia tanto do jogo, suas variantes incontornáveis, peças mistas, o “ser” do jogo, as idiossincrasias... Enfim: tanto era a se aprender que a sua distração e imediatismo nunca o fariam ser um bom enxadrista, na acepção padrão do termo, nas regras estritas desse antigo jogo, misto de entreter-se e exercitar-se intelectualmente. Paradigma da estratégia de dois pensamentos digladiando-se saudavelmente.
Joaquim não pensava em fronts reais, visto que colocara em suas próprias mãos a vertente da própria existência. O calor em compreender como o peão consegue chegar ao outro lado do tabuleiro o fazia pensar no que haveria no outro lado da lua: e quantos peões enfrentariam tal temperatura... Não sabia ao certo o que era a ciência apesar de viver muito perto dela, em brio e atitudes. Sabia que a torre valeria quase tanto quanto um cavalo, ou muito mais, quando sua posição em defesa fosse assaz importante. O que via e pressentia nas ruas era por vezes uma brisa tépida que perpassava os corações repletos de esperança, nas vitrines via boas promoções e em mesas percebia refeições condignas, misto de conquista diária na luta vencedora do povo de sua nação. A comida a se bastar. Sem a origem costumeira dos que não dizem, mas a condição dos que se expressam tangenciando suas próprias raízes com a fecundidade do bom alimento e a resposta dos frutos brotados das mãos camponesas em comunhão com a terra.
Em sua estreiteza em vislumbrar uma compreensão mais panorâmica do planeta pensava: “por que as guerras? Por que as mortandades no mundo? Será que também é algo de um jogo? Não creio, seria uma idéia a respeito de tudo muito triste... Por que os opositores não se reúnem para jogar xadrez...? Ou mesmo damas... Será que toda a riqueza do planeta já tem donos?” Pensamentos fabulosos o cercavam... Um Quixote por vezes, por vezes Sancho. O mundo se afigurava a Joaquim a um moinho, mas com pás redobradas em força nas vertigens dos séculos... Um barril de vinho não seria suficiente para dirimir essa certeza. Um odre que fosse, mas se esquecia de beber que não fora por vezes algo, mas que mais um cigarro, depois do café, lhe aprazia. Era assim de seus prazeres em que não havia algum mistério, pois a Joaquim – o velho – lhe amava a própria vida, essa gênese de onde, somente dela, brota a vida. O mundo para tantos se afigura por vezes claudicante nos reveses que encontramos nos caminhos (por vezes veredas trançadas com farpas de arame), mas em outras – e quase sempre mais longas – os jardins, a preservação, o amor, o querer-se. Caminhos difíceis por vezes, mas que se nos apresentam com as luzes das descobertas, do se compartir, o punho sólido quebrando a hipocrisia, que não há trevas que não sucumbam; pois, para essas veredas o clarão da coragem e da fé nos faz prosseguir cumprindo alegremente a nossa missão por aqui onde estivermos, mesmo que para isso tenhamos que enfrentar um mar de idiossincrasias nefastas, que nos impeçam de sermos humanos nesse dever sobre a Terra. Pois que estamos com o egoísmo aflorado na superfície já não tão crespa do planeta, de suas florestas à parte do ideal preservacionista. Egoísmo por vezes formal na busca insana do nada, a se tentar apagar da história verdadeiros homens e mulheres que lutam ou lutaram, antes que a ignorância tente descartá-los, como em uma roupa em que não se vê mais o clarão da verdade, mas apenas o significado que insinua tristemente a boataria.
A se aferrar em lógicas rudimentares e ignoradas pelos que se acreditam em consciência desperta, mas que apenas despertam de um sonho para entrar na ilusão... Como se manter alheio a tudo, se até as máquinas são fabricadas nas esteiras da divulgação e do controle quase absoluto? Os aparelhos televisivos e seu mote tranqüilo dos padrões sincronizados pelas programações da hipnose no inconsciente.
Joaquim residia na geometria do jogo de xadrez. Permanecia atento às organelas da grande história recriada pela grande citologia do corpo enfermo da crítica digital, dentro do que percebia ser injusto quando – às vezes inevitavelmente – se expunha sob a influência dos programas absolutamente ensaiados e parciais das grandes televisões do país. O mito do grande irmão – falso e nocivo – era como um lazer estúpido e negociado pelos atores... Por isso o nosso herói encontrava mais conforto intelectual no jogo dos peões, nos movimentos dos bispos, na flexibilidade da dama e na defesa do rei; em seus cavalos por vezes e nas torres que se erguiam na grande metrópole: tabuleiro de suas caminhadas. Por ali continuava as jornadas, bem envolvido na grande lógica dos espaços, das áreas, dos campos, tanto na visão das conquistas territoriais quanto na idiossincrasia dos contendores. Não possuía perfil... A síntese de seu comportamento navegava na textura tépida da selva urbana. Tépida, pois onde residia o mar se fazia presente à brisa que trepida o consentimento... E o mar comungava com famílias que buscavam o seu sustento nos peixes, nas algas e nos moluscos. O mar fazia da Natureza o outro lado de Joaquim. Nele reverberavam a pureza do horizonte, a existência das aves e o recrudescer do sentimento marinho na vista dos barcos que saíam em busca de vertentes maiores do alimento. No entanto, mal sabia o velho Joaquim, que saíam com estranhas missões a serem cumpridas na vastidão de um tabuleiro – este sim – inexpugnável a quem dentro de sua vastidão ousasse mais do que os limites toscos do ferro das embarcações.
Havia as horas em que o homem despertava na amplitude marinha, o vôo dos pássaros, a profusão da areia sob o sólido manto das águas, das nuvens que retratam as reverberações do Criador e o sol que é a própria visão de Deus. Nessas horas Joaquim evitava que o importunassem, nas frações de seu tempo, de um tempo que o fazia pensar mas que a ele não importava: ou o tempo absoluto que passa pelos ponteiros ou o verdadeiro tempo das reminiscências, sejam elas de todas as cores do mundo e suas infinitas mesclas, como em um óleo impressionista de onde o olhar do artista tangenciou os tons amalgamados na origem de sua palheta. O tempo relativo quando não é contado, como quando o escritor vence mais um parágrafo na sua independência de simplesmente fazer chegar ao leitor um passado realizado no presente e remetido ao futuro, num ciclo em que torna imortal a sua obra, o seu espírito, mas não as complexas engrenagens da carne. Ou o tempo de se dar em um trabalho solidário onde o relógio que marca o ingresso de um operário mostra a ele – no tempo de sua saída – a importância concreta do trabalho realizado por vezes em um clima de solidariedade, esta mesma referida e tão necessária. Na verdade – pensava o nosso herói – o que será o tempo? Algo de uma abstração ímpar que gera a fama e por vezes a própria infâmia, e apenas aqueles que se despem desse significado contornam – nas labutas e sacrifícios – as barreiras de vidas difíceis no caudal da esperança consagradora.
Os horizontes em dias de chuva o faziam se preocupar com os moradores de rua que habitavam a cidade, os bairros, os nichos de guarida e abrigo improvisados. Não havia como resolver certas equações complicadas, quase insolúveis... Pensava que os ministérios que defendiam os direitos humanos ajudariam, mas seria preciso ações estruturadas nas raízes da cultura do país. Os povos indígenas ficavam restritos à ignorância – no de se ignorar – em certas regiões, no que versa em sua própria existência e manutenção intacta de seus territórios. Os negros por vezes eram massivamente levados a acreditar que a sua cor da pele era uma questão de raça, mal sabendo que esse conceito não admite uma sociedade plural, pois leva a questões mais profundas onde as plutocracias apostam que há alguma diferença em ser ou não, em ser negro, em ser branco, se há sanidades, se há pessoas “resolvidas”, plutocracias hipócritas, mal sabendo que é ao uso que o uso pertence, e que os preconceitos permanecem quando se separa as aparências e comportamentos em fórmulas divisionais. Se um usa ao outro fecha um ciclo incoerente como um peão que vai em frente apenas para ser trocado por outro, na antiga movimentação das peças. Não se faz o uso das gentes, pois que isto põe à prova a aceitação de verdades disfarçadas. Como as cores em seus padrões sem modulação. Há que se mesclar, as cores são sentidas em sua inocência pelos que delas esperam apenas a fruição necessária e encontram as representações no léxico interminável das vertentes...
As cachoeiras rugem mais do que certos trovões em que as tempestades os cabem no mar ou na selva, distantes das arquiteturas planejadas no caos organizado que sopra apenas como uma doce brisa em contraste com a fulgurante Natureza. Zangões são tão necessários como as abelhas dentro do espectro de sua maneira de ser: insetos, pois aos insetos cabe a sua própria lógica de serem livres também, apesar de outros atrasarem um pouco a vida dos camponeses. Mas sempre há, na biologia coerente e humana, modos e mais modos... Os pesticidas acabam por matar o que existe na terra envenenando o húmus que é o seu bem mais sagrado. Há que se plantar da aveia para que a vegetação travosa não impeça o florescimento de um bom pasto, a que se retirar do leite e dos frutos germinados na mesma terra, pasto e horta.
A cada família uma terra boa: A TERRA BOA! Não claudiquem as terras, pois é da terra que tudo há e é na Terra que tudo É. As vertentes clamam pela mãe Gaya, subtraindo Maya de seus alicerces. Assentar-se no planeta é tão evidentemente necessário que o é muito mais do que deitar-se sob um dossel nas carícias por vezes infiéis do prazer apenas, por dito e conforme. Pois do que se diz pouco realmente se escuta: de um velho homem em sua jornada maravilhosamente dura pelo mundo há que se prover da sua própria experiência na Angola que não se renuncia dentro de nós mesmos... Os velhos de Angola, os experientes da China, os sobreviventes do sudeste asiático, os Sioux ou seus descendentes, ao menos. Os Vedas, a Índia, os indígenas, os olhos d’água brotando incandescentes sob argila fecunda, o obreiro assentando a crueza do cimento para fazer adormecer mais um tijolo na construção da vida! Isso é e continua sendo o verdadeiro milagre que consagra a libertação de qualquer jugo, tanto colonial quanto imperialista, pois é apenas a noção exata e clara da evidência de sermos coerentes e humanos ao que nos cerca. O caminho da violência é a pátria de uma “laranja mecânica”, a não ser na própria coerência da defesa que se faz tanto no plano humano quanto existencial, quando algum dito sapiens “evoluído” se volta contra um ser lúcido na tentativa de impor restrições quaisquer que tente impedi-lo de seguir no embate saudável da existência. Há que se aceitar o humanismo também como um respeito à Natureza, pois não adianta erguer uma grande obra sem pensar na história do lugar onde se pretende erigir, pois esse erro torna-se por vezes o claustro uma arquitetura de viseiras. Diga-se de passagem, a história de onde colocar os dejetos sanitários, ou mesmo tentar ao menos preservar ou recriar o paisagismo necessário, mantendo-se justamente a história da vegetação original.
De se ler qualquer, de se ouvir músicas quaisquer, de fazer crescerem as raízes sem esquecer-se de regá-las, pois só à Natureza cabe regar por inteiro tanto a planta quanto a dar o alimento ao estômago do homem, ou ao molhar os cabelos da mulher na semântica cristalina dos mares, ou mesmo quando a própria Natureza ensina às gentes os perfis intemporais da poesia vertida sobre a flâmula dos papéis, pois empresta a madeira para tanto. E os papéis da caligrafia o sabem! De tal monta que o saberiam menos se não fora a verdadeira poesia que floresce no gesto de uma mão companheira... De suas latitudes inquietas, no portar-se a prosseguir em trabalhos sem desnudar os troncos que escondem a seiva, sem permitir aos homens funestos que decepem os seringais e derrubem as florestas, pois a fibra do madeiro singra pelo mar da compreensão da lógica existente em se preservar o que possuímos, tanto a selva como a faculdade de unir as idiossincrasias pessoais dentro da aurora da sincera e solidária coletividade, sem senão ou porquês desnecessários, pois as palavras ditas hão de ser ditas em seu significado primeiro, não no berço hipócrita das ofensas ensaiadas na eletrônica ou no jargão ignorante dos instintos da crueldade da patologia social, geralmente originários de manuais escusos e externos.
Sim, quem diria ou dirá algo que não seja o avesso da própria e extenuante realidade? Por vezes a dúvida permanece como em um jogo de xadrez em que as peças vencidas ainda participam do ritmo andante do mesmo jogo. Em ritmo andante como o Rocinante a suportar o peso do Quixote, revirando os olhos ao observar a lança no seu prolongamento cavaleiro. Das desditas que consagrou a loucura do velho fidalgo; de um próprio moto a ver com o cavalo peão da órbita geométrica das linhas e do caudaloso saber das colunas: torre. Antes fosse um peão a buscar a dama em sua saída do quadriculado do bom mármore. De como a se saber da contenda e dos contendores!
Medalha olímpica. O enxadrista cessa o esforço. Anoitece o seu ímpeto de prosseguir a mais uma contenda. Ficara em terceiro. Tudo isso lia Joaquim no jornal. Este Joaquim prosseguia em seus caminhos de aprendiz, as suas referências na verdade de fatos e status da realidade, sem a forja quase inverossímil de certa estupidez acadêmica em talhar a ferro mentes orgulhosamente obtusas.
Para Joaquim – o velho – a circunscrição do xadrez e seu tabuleiro era o próprio mistério... Apenas aplainava a sua paixão intelectual, mas até certo ponto ingênua em decifrar – não os movimentos das peças sempre iguais – mas a própria expressão que se fazia presente nos rivais. Via por vezes de cima e as peças tornavam-se botões no claro escuro, quando de um estar em uma casa branca, ou um círculo de mesma cor que confundia, ou não se sabia que peça: preto no preto, preto no branco, branco no branco, branco no preto, sem distinção de rei ou de peão. Era a sua fremente necessidade, de se saber, de se aprender com a sua própria idiossincrasia, de se tornar consciente de qualquer movimento, qualquer mirada, qualquer expressão. Via, tornava-se homem, cristal mineral, rocha plúmbea, alquimia de sua própria vida, tocava... Sentia! A sentir-se no caudal afã da própria respiração, da veia latejante, da vertente dos olhos de uma mulher, curiosa como tantas em tal velho, em tal tema, em tal latitude desse autêntico homem.
Por vezes escarneciam os seus modos e quereres que transpareciam no seu olhar por dentro das ávidas pestanas. O bigode meio franzino auscultava o toque de seus lábios em um cigarro, que por vezes o mantinha apagado para não perder o rebuliço do jogo. E fumava na companhia dos pombos, estes ausentes de qualquer reclame, qualquer foto compartida na mesa cruenta de quem está por detrás de “outros” tabuleiros, pois a mesma crueza mostra a covardia dos impérios em suscitarem antigos fantoches, querelas: quirelas perdidas em capim, sem ser do bom limão! Alto teriam a dizer os que estavam olhando taciturnamente os comportamentos das gentes, com os seus binóculos do oculto guarnecidos, como rege a sintaxe fria dos opositores ao progresso e desenvolvimento coerente ante a pluralidade social e o assentamento tácito da comunhão do povo e todos os habitantes do planeta. Há que se fazer da defesa uma grande morada e que tépidos lençóis sejam encontrados e fornecidos – de irmanada construção – abrigos de sólidos alicerces a quem queira... Por direito. O método de abraçar o mundo com as costas, como Cristo, como tantos os de obra. Vigamentos, colunas, janelas e portas, estas que abram na cunha das possibilidades, no alvorecer cigano de mais um acampamento em terra consagrada.
Há que se pretender mais do que uma casa sob o azul peremptório do céu... À noite, por sua vez, se tatua de estrelas como em um braço camponês há a sombra do húmus frutificado em trabalho. Da semeadura, das mãos pousadas sobre os labirintos da Terra... Pois que há muitas mãos e muita terra. Muitas máquinas também, em grandes lençóis que não são os de cetim, mas de um grânulo raivoso em fabricar rações em gigantescos latifúndios, porém fabricadas aquelas em outros países. Longe do quintal de Joaquim – o velho – pois em sua casa o terreno (feito jardim) resumia-se em uma pequena mas profícua horta de onde abastecia dois pratos em cada refeição. De boa monta que houvesse o de se plantar, pois se quer e é o desejado, em justo e sincero querer.

As palmas de uma palmeira diziam a si mesmas a riqueza de observarem de sua posição os laivos de uma pequena e justa fartura, pois a terra se doa a quem a semeia com carinho e colhe com a atenção e o amor bastantes...

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