sábado, 29 de agosto de 2015

ESCREVER SEM FERRUGEM...

            Por vezes escrevemos sem referências, do modo oposto do que fazia Borges, quando se utilizava de citações ou mesmo no fantástico mundo do que existe. O fato é que escrevo agora um pouco olhando para uma garrafa de azeite de oliva, algumas garrafas de plástico, uma carranca colorida em epóxi, como que passando o olhar, como me situando no agora, o que tenho em minha frente, se adornos, quiçá sem qualquer estilo ou padrão literário. As letras correm com o tempo, como se esse tempo fosse marcado pelos segundos do quase sem pausas, mas quando há um ponto, estas também. Não é que haja uma ferrugem no escrito de qualquer, mas que cada qual possa se valer do exercício de encontrar na expressão escrita algo de maior substância, algo como um que de acordo, um paulatino significado que toma forma ao desenferrujarmos nossos traços perante o papel...
            Um pensamento começa a se tornar fonte, algo que não se apalpa no tato, meio que uma vertigem de fortes alicerces, uma estruturação simbólica quando olho mais acuradamente para a carranca; os dentes, os olhos: um dia foi manufaturada, e está presente ao lado de um cortinado preto como se houvesse o tempo em que montei um laboratório de revelação serigráfica – e houve –, tornando-se depois um espaço onde cultivo uma Olivetti com boa luz e mantenho boas fitas de tinta. As ferrugens são um processo salutar quando apontam onde devemos reabilitar nossas arquiteturas, usando o alumínio, reinventando o plástico, ou galvanizando os varais... Um quadro pintado com giz, de Cristo, uma cabeça pintada, me conforta e nos mostra que por vezes em um esboço de arte de dez minutos em um cartão, com três cores, podemos decorar o ambiente, tornando uma parede uma companheira, se temos um pouco de fé, que sempre ajuda, ou que seja, compõe-nos um recurso nada caro para que nossos espaços reencontrem sua natureza dinâmica. Para quem está em um espaço qualquer, seja uma casa  ou mesmo sob uma árvore, é mister se esforçar para melhorar, que seja, uma parede, uma rede, um desenho, uma cerâmica, partindo de uma ideia de dentro para fora, como pensaria um arquiteto que não se formou e tende a redescobrir os nichos, e amparar seus ninhos.
            Assim, a meu ver, se processa a escrita, ou qualquer manifesto que remeta a algo de se construir, de se trabalhar, desde lavar uma louça, como preparar um canto de terra a se plantar, virar a massa do pedreiro, educar um povo de qualquer modo, não importando quanto o que se deseja aprender. No entanto, creio que o bom dos livros é pausarmos concretamente a leitura, e retomarmos nas letras, pesquisarmos seus índices, contarmos a mais gente a história. Acredito que isso já está sendo feito em muitos lugares do país, mas o que vemos parece a muitos – do que vemos nos meios de comunicação convencionais – apenas a negatividade, a imprensa marrom, o que dá audiência, não apenas em seus níveis de violência generalizada, como em um tipo de erotismo que vem através de conflitos, injúrias, e as plataformas de poder, que ensaiam o erro do humanismo faltante que dá lucros e manipula, através de recursos escusos ao público que não encontra tempo nem condições – quando volta exausto de seus trabalhos – para se entreter com mais qualidade. Por vezes nosso discurso emperra em uma ferrugem que se dilata no mesmo assunto, mas esta serve para travar um pouco as peças a que pensemos o que fazer para melhorar o funcionamento de quaisquer motores que possam inibir o comportamento de nossos trens. Precisamos caminhar, e caminhar sempre! Para tal, é necessário revisar os processos mesmos de uma civilização que nos leva – quando ocorre – ao atraso, pois justamente a contemplação nos dois sentidos reitera a possibilidade da existência do negativo e do polo positivo, mas que a positividade enquanto assertiva de progresso encaminhe melhor as proposições negativistas, conduzindo-as para um senso comum de debate, pois estas são apenas as contradições inerentes a tudo, mas igualmente a objetiva ou subjetividade de opiniões que sempre vão fazer parte do arcabouço histórico e cultural do mundo em que vivemos. Principalmente agora que as fronteiras evanescem como pétalas de uma rosa que sempre estará brotando, para que se guarneça o mesmo mundo de um padrão de solidariedade inequívoca: importante e essencial.

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