Cena externa, um mendigo passa por dois jovens parrudos vestidos com
camisas pretas e calças de látex azuis. O primeiro observa. O mendigo estaca em
meio ao lixo reciclado, era no dia da coleta. Um lusco fusco, e uma mulher
passa apressada em meio ao jogging, são oito horas e a noite começa a ferver
naquele tipo de istmo ladeado pelo mar. Os jovens parrudos, com o nome: Grupo
Alpha, inscrito nas blusas, aproximam-se do mendigo, lançando mão de um diálogo
insolente. Surge de um banco próximo um homem com uma jaqueta de nylon laranja
terra e faz sinal a uma viatura da Guarda Municipal que, de um azul petróleo e
de faróis desligados, fazia a ronda de abertura daquela noite de sábado. Fachos
de lanterna escapam insanos e oscilantes à procura dos dois que, assustados,
deixam o mendicante em paz, sentando-se em um banco, à beira de seu colapso
moral... Olham atravessado para os lados, meio que reinventam modos, teclam
profusamente seus celulares e saem do carro duas mulheres, vestidas com calças
cinzas e pretas blusas apenas com a letra grega alfa desenhada atrás das
camisetas.
O homem de laranja, beirando os cinquenta, mas de ágil estatura, pega de
uma pequena máquina e fotografa o grupo, tirando fotos com alta resolução, no
que faria o mesmo processo, ampliaria os rostos e guardaria para possíveis
reconhecimentos posteriores, caso houvesse tentativa de reincidirem os homens
no que qualificava de premeditação de desrespeito e atitude hostil ou violenta
contra os direitos de cidadania. Era um homem quieto e discreto e se portava
naquilo que pensava justo, quando percebia algum surgimento da truculência
civil nas cidades, e Florianópolis não escapava a isso. Cedo ou tarde esse
cometimento da brutalidade contra os vulneráveis ficaria mais exposto na carne
das estruturas sociais. Seu nome era Paulo Salim, e trabalhava por conta com
sua própria metodologia. A fim de apaziguar um pouco a situação, ofereceu um
cigarro ao homem, que por sinal trabalhava para ele por conta de risco baixo,
pois para dirimir esse tipo de crime estariam sempre juntos e tantos outros, de
boa índole e de boa fé. Sandro era o nome do “mendigo”. Efetivamente dormia na
rua, mas, como estava em condicional, ajudava a polícia. Dentro de seu trânsito
limitado, voltava o olhar para a triangulação de um agente oficial, ele (um “soldado”)
e a patrulha. Às vezes quando havia um risco maior a algum desses homens, as
câmeras entravam em ação acionando o tático, ou mapeamentos maiores. Na
verdade, o crime tentava se instalar, mas o que pegava muito forte já eram as gangues,
muitas vezes armadas, por vezes indivíduos que pegavam as armas dos pais, ou
apenas lutadores fortes e treinados para “praticar” em negros ou pobres. Muitos
delimitavam essa questão do comportamento como algum ismo: fascismo, etc.
Talvez se explicasse melhor a explicação da exposição da violência e do sexo
nas mídias fechadas, principalmente, e questões de ordem religiosa que nas
aparências justificariam a violência pela violência, conforme um versículo ou
as histórias de conflitos do Velho Testamento com outras religiões, principalmente
as de matrizes africanas. Foi para isso que escolhera como seu agente um negro,
com cabelo rastafári, não muito forte, pois esse grupinho alpha tinha sempre um
perfil covarde. Esteve a ponto de dispensá-lo, mas dirigiu-se a ele como quem
vai oferecer um cigarro, efetivamente.
- Você está um pouco magro ultimamente. Quer um cigarro?
- Eu os tenho por aqui, chefe. Aliás, que carrapatos incômodos, não?
- Você está com a arma que eu lhe cedi?
- Sim, anda comigo por onde eu vou... Mas aquele grupelho era de
bananas, não viu?
- Veja, Sandro, tem-se que tomar cuidado com os mais velhos. Você viu
que havia um terceiro encostado em um jaguar branco, atrás do poste?
- Nisso eu não reparei. Parecia que descansava, e não vi os seus olhos.
Parece-me que notei um bigode...?
- Aquele é o Nestor, pai das garotas e de um dos dois rapazes. Elas
saltaram de seu carro. É um homem importante, e dizem que tem muitas armas,
além de qualquer conta vulgar. Ele estaciona aqui todos os sábados neste
horário e logo sai, deixa as garotas e vai embora, como um padrão. Mas por
vezes pega um pacote ou outro dentro de uma sacola na cervejaria Crystal. Por
vezes uma das filhas deixa uma mochilinha e seu pai entra e pega um pacote. Eu
anotei a placa...
- Sim? – Sandro meio que exultava pela experiência de seu inspetor.
- Anote: LXY 2341. Fixe na placa, pode ser clonada. Lembre-se, Jaguar
branco. Se vier em outro carro autue-o e me ligue, caso ele queira sair do
lugar. Agora veremos a origem das coisas: os rapazes saem, tentam armar uma
confusão, desviam o foco, usam uma camiseta de ensaio.
- Parece um clã de criminosos. – Sandro juntava peças.
- Peça para o “nosso pescador Orides”, na outra ponta, que vigie para
onde a gangue foi, e se houver drogas é motivo para que os prendamos para
averiguação. Temos que chegar no Nestor, para saber como ele lava tanto
dinheiro, pois seu escritório de contabilidade com três funcionários não deve
ser lá muito lucrativo.
Dito isso, Salim passou mais algumas ordens para seus companheiros,
esteve na delegacia para verificar as fotos, botou no painel sua linha
investigativa e, um mês depois conseguiu colocar Nestor atrás das grades por
corrupção de menores, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas. Seus filhos
tiveram que cumprir serviços à comunidade e foram morar com a mãe, que não os
recebera tão bem quanto o esperado, pois seu atual marido não tinha a mesma
posição de classe de Nestor.
Visto tudo isso, Salim continuou sempre naquele istmo, meio terra meio
mar, ou por vezes só terra e mar, quando mais conformado com a ronda que lhe
dava uma segurança algo circunspecta de saber que, se fosse um dia um artista,
seria um fotógrafo de paisagens.
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