quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

DO FARDO E DAS SOBRAS


            O que nos espera – de tanto se esperar – por sobre quase o dilúvio de nossas atmosferas? Talvez não se devesse pensar a tanto, mas o que suporta a vida é justamente – a cada qual – sua percepção, seu entendimento. Cabe a uma formiga pensar de seu próprio lado, algo coletivo, mas a nós essa acepção não é concreta... Se o ser caminha, se organiza, carrega imensos fardos, salva um parceiro ferido, reproduz-se sabendo o que faz, a seu modo, quem somos nós a parecermos mais inteligentes como espécie nesse estranho ninho que é o planeta? Por vezes parecemos que somos sobras, que uma imensa massa humana vive nas ruas, sem fardos valiosos para carregar, garimpando latinhas de alumínio, adoecendo, mendigando, vivendo em meio às drogas, vendendo seu corpo ou para modais sexuais ou para trabalhos insanos. O que seria melhor para essa verdadeira massa de população? Viver com sua memória indígena em camas de cimento para a colheita da cana perto da aldeia invadida, vendo a irmã prostituída, vendo o pai, cacique, ser assassinado, sabendo de outras vidas totalmente díspares, dentro de uma cidade com sinais diametralmente opostos à própria cultura? Ou saber que um carro com etanol significaria uma transição a um mundo mais rico dentro das salas de exibição e estratégias empresariais, salas com todos os confortos, com todas as gomas nos ternos, com salas alternas para se praticar o prazer do encontro vitorioso, hedonista, poderoso? Com direito a “camisas” mais caras e mais sensíveis.
            Talvez as formigas, os insetos não poupem tanto tempo para esse tipo de diversão, no que saibamos: nada sabemos, a não ser da ingerência de uma ciência que ainda está nos modais de antanho, quando apenas observa o comportamento dos hormônios e da química em geral, e não sabe da alma sagrada que vive em cada ser, este que vem no mundo a cumprir um ciclo, mas que, na condição humana, em que poderia ser melhor, se degrada mais do que um cão, que não possui o arbítrio a nós concedido. A questão não é afirmar que somos como cães e gatos, mas que estamos copiando nossos próprios erros e os reafirmando, sendo pior do que eles, no ciclo da evolução. Talvez não propriamente no ciclo da evolução material, corpórea, mas sim na questão da existência da vida como milagre de sustentação de todo um mundo. Seremos mais do que os antigos habitantes de cavernas, ou temos, como dizia Alvin Toffler, uma cabana digital, mas só que dentro de nossos próprios celulares, em uma versão transcendente à profética imagem do pensador? Como se diria, se um homem deposite seu afeto às aves, às borboletas, à existência do prazer da expressão artística, a não ser tão sociável por opção, a crer por convicção realista de que a espécie humana por vezes comete gafes intraduzíveis e longe de ser compreendidas pelo mínimo da sensatez! Erros crassos e caros para a própria condição de sobrevivência na Terra, por isso sempre o índio, sempre o índio nos ensine... Não será jamais o romântico modo indigenista, mas a voz antropológica das civilizações que sempre respeitaram a Natureza em seus processos de vida. E agora nos assombramos quando se permite a destruição de algo sem que necessariamente não usemos da força para impedir, pois a força só é utilizada contra interesses que saem do escopo da sustentabilidade da farsa em que este mundo está se tornando. Fale-se em planeta Terra, e a menina pirralha tem razão e sempre terá, posto ser uma luz que ilumina a treva dos erros de outras gerações que a precederam, na falta e no despreparo de prestar atenção aos níveis do problema que poderiam já terem sido evitados há muito mais tempo, desde a emissão dos gases, quando se iniciou a destruição da camada de ozônio na atmosfera planetária. Em decorrência da barbárie cometida contra o meio ambiente em que todos os seres coabitam, notemos a transformação em que o mundo se apresenta na nova modalidade do egoísmo humano: é importante se avaliar os prognósticos globais se não detivermos a ganância do excesso e das faltas que só geram desequilíbrio nos direitos que tão duramente a humanidade conquistou... A preeminência da ausência de bondade e generosidade de cada indivíduo, espelhada no coletivo gera um reducionismo existencial sem precedentes, quando muitos depositam agora a sua fé no final dos tempos, ou seja, no que não é, posto apenas um começo de não fincarmos o pé dentro da desesperança, já que a bendição não é ficar rico, mas ser um espécime consciente, apenas isso.

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