sexta-feira, 17 de agosto de 2018

A PSIQUE SEM O REAL


            Nada é muito parecido com a circunstância daqueles que sofrem males mentais. O sofrimento não possui tradução verbal, não se caracteriza como dor física, mas talvez com um embate em que muitos tentam manter-se – mesmo que silenciosamente – sobrevivendo aos aspectos internos do sofrimento que lhes acomete, como ao estigma que a sociedade impõe desde os que estejam mais vulneráveis ou extremamente medicados àqueles que aparentemente estão mais despertos, com razão mais sólida. A versão que passa na cabeça dos que estão normais nos seios da sociedade é de que os enfermos dessa natureza são peças inúteis ou refugo existencial, onde só os familiares arcam com os óbices que impedem de modo previsível que haja um encaixe dessa gente no mercado, posto este já coloca as barreiras contra a contratação dessa gente. A realidade em certas nações enfrenta a si própria, espelhando o significado autofágico de si em gentes que vivem à margem da normalidade citada acima. O que leva a tangenciar a discriminação contra as enfermidades psíquicas, mesmo quando sabemos que a incidência destas ocorre cada vez mais amiúde, tendo em vista o distanciamento do ser com relação ao real; a ilusão passa a ser cada vez mais presente no cotidiano da vida neste novo século, de profundas transformações tecnológicas. Procedem estudos cada vez mais fragmentários em especializações e a profunda queda do humanismo como pilar fundamental necessário a que se reduza o conflito, não apenas ao ego particular e coletivo, como à automatização do indivíduo em saberes que levam apenas a um treinar excessivo como prática ou preparação a algo que em síntese não existe concretamente, posto invenção sistêmica. Esse algo pertence a um status quo que muitos incorporaram como um tipo de existência ou modo de vida que não necessariamente seja o mais correto, mas a coisificação, ou uma sociedade de objetos está cada vez mais presente, onde o real passa a estar do outro lado dos gadgets, na forma do encontro pontuado pela aceitabilidade ou o antigo conceito de popularidade, sempre atual, pois sempre viveremos em sociedade.
            Em questões da dissociação que dão origem a enfermidades de ordem psíquica, certamente os tempos em que vivemos fazem do acúmulo de informação e da ordem algo ilusória na mecanicidade do funcionamento de grupamentos sociais, esta que pode incluso ser mensurada e igualmente “coisificada”, torna qualquer agente do sistema apenas um ponto que se torna vulnerável enquanto ação parcial ou filtrada por critérios de hierarquias sociais, ou mesmo colocações de mercado. A questão da permuta em que se pretende a sociedade atual, seja de ordem financeira, afetiva ou de aceitabilidade, dando jus a uma frieza sem medida quando se torna um ser nada parecido mais com qualquer laivo de humanidade, mas sim pronto ao ataque, deixando a atitude pacífica alicerçada sobre as questões de segurança, que são na verdade necessárias mas não o suficiente para que outros modos culturais nos aproxime do viver mais saudável e independente. Essa medida criteriosa para que façamos de um lugar, um modo de nos portarmos, um encontro espontâneo, e a experiência de nos tornarmos independentes dos objetos eletrônicos, e uma vida com harmonia passa pela consciência de cada habitante do planeta, e quem sabe a consciência de que ao menos que prossigamos em um mundo onde já erramos o suficiente ao ponto de destruir o que deveríamos ter preservado com prejuízos graves e agora inevitáveis, então que façamos desse caminhar sobre nossos erros a comunhão que nos esquecemos de encontrar quando ainda tínhamos chance para isso. Nunca será tarde para isso, mas o agora urge pelo suficiente... Esse tempo do já seria apenas a compreensão dilatada para aquilo que desconhecemos no próximo, e a luta que devemos empreender, com seres sociais gregários, para desmitificar certos estigmas que podem nos levar a uma sectária forma de nos portar, levando a um preconceito e permitindo mais e mais o surgimento do totalitarismo, seja ele aberto ou silencioso nos seios de nossas já tão enfermiças sociedades.

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