quinta-feira, 6 de junho de 2019

MONOLOGIA



         Eu te falaria, minha querida Amália, que essa pequena carta preza a que nos unamos, você e eu, para uma vida melhor… Não que seja alguma receita de milagrosos consertos, que houvesse um segredo qualquer neste mundo corrido de informações, algo de projeções e muitos e contínuos disparates. Quem sabe o discurso não possua métodos – quando de duas pessoas que se comunicam, mas se passa que não sei a questão tão inapropriada de me dirigir a você sem as reservas de quem comete o bem a si, mas gostaria de que se compartisse a outro, nem que seja a outro leitor, pois porventura podemos não partir de certo princípio cabal desse encontro teu com as letras, mas reservemos o direito de ao menos manter certo sigilo.
         Amália, você tem falado de tantas coisas que quando tomamos aquele café naquela tarde saberíamos ao menos que havia surgido uma ponta de amor. Você possui o mistério das mulheres, é digna de que um rei a adore, e que falemos dos reis, posto quem sabe nosso amor é absolutista! Não te fies no que dizem sobre mim, que as águas que passam por minha consciência são maiores. Nem que seria tanto, pois sou apenas um comum cidadão, e no que se versa venha à tona alguma qualidade, quem sabe… É para mim que lhe digo, mesmo a nossa efêmera intimidade não parece maior do que poder escrever algo e, se estas letras te encontrarem, talvez fique mais feliz e mais amoroso, pois as letras sempre serão meu amor maior! Pode ser um fato desencontrado e, no entanto, é como prediz-se: o poeta nunca está sozinho, nem em uma cela em que tenha que escrever com seu sangue. Posto a poesia chega sempre algo nas mãos de um verdugo, algo que apenas lhe escrevo para tornar sucinta a minha estada neste mundo coberto de fumaça.
         Amália, que tal seria se andássemos por um jardim recoberto de flores, na verve que a flor consinta, e que não valeria se não tivesse a rosa para lhe dar uma de presente, que não queira, tudo bem, afinal as flores não deveriam ser colhidas. Talvez eu minta um pouco antes de dizer a si, mas é que tudo não é muito real, e ao mesmo tempo é uma realidade aumentada. Seria pouco dizer que te amo e, no entanto, a sinceridade do amor parece um alvo inconsútil! Na verdade, querida, a carta que lhe endereço poderia ser submetida a um crivo, a quase uma censura de teus olhos, mas não vejo que já estejas assim, no modal subtraído.
          Fica o recado, na verdade não sei de seu paradeiro, e essas linhas que te encontrem melhor sempre, no progressivo de se ser feliz, posto já não seres mais uma moça, e não que eu não queira algo a mais do que um olhar. Passo a monologar se isto não lhe alcance, mulher, e que não desatines com algo que jamais esperaríamos que pudesse acontecer, pois ao menos esse meu monólogo encerre o cantar distante de um sabiá com a gaiola aberta, pois a porta se perdeu e me alimento de grãos nas árvores e, tão logo porventura alcance alguma resposta tua, sigo com as letras que me dão a companhia talvez maior do que o passo de encontrarmo-nos. Fica, no entanto, a esperança do encontro, a todas que se encontrem consigo mesmas e a outras que, apesar de terem se encontrado, muitas vezes não sabem quem são...

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