Foi
em uma tarde de início de primavera, mais precisamente nos últimos
dias de setembro, naquele Sul, de um inverno não mais paradoxal em
seu calor, por saber bastante sobre as aberrativas variantes
climáticas. Pois sim que essa jaça nos faz regredir até mesmo em
linhas que deveriam ser mais da esperança em termos cuidados
necessários. Passam as gentes a refletir. É hora… No entanto,
naquele dia especial de 25 de setembro Emília conseguira um emprego
de balconista em uma padaria. Estivera lendo muito desde dezembro,
suas inquietações a respeito davam margem a apenas usufruir, que
tanto admirava, o talento dos escritores, a Era Vitoriana, histórias
de reis e rainhas, lendas, livros de comércio… A propósito,
revelava-se muito boa comerciante, e seu emprego na padaria fora
resultado dessa fama conquistada sem muito esforço, mas com muita
intuição. Trabalharia servindo os fregueses, e nisso contava com
certa inibição, assim, de uma exposição, mas pagariam mil e
quatrocentos, o que daria para pagar o aluguel de trezentos e
setenta, comprar o gás de sessenta e cinco, comer, enfim, com os
dividendos de sua poupança que somava mais de cinquenta mil viveria
mais garantida, principalmente naqueles tempos difíceis para quem
tinha que ser funcionário. Começaria na outra semana, assinaria um
contrato de três meses de experiência e, enquanto isso, navegaria
por seus sonhos de um contato mais humano. Sempre conhecera na
padaria Vittore o caixa Emiliano, que pegava o que seria seu
mesmo turno: das três às nove. Vittore, o proprietário, era um
italiano atarracado, sanguíneo, com cara de poucos amigos, mas muito
gentil no trato com os clientes e fornecedores. De certa forma era um
bom homem, fervoroso em sua fé, decente em seus arcabouços morais,
fiel à esposa, bom gestor, atualizado, contemporâneo e ciente das
mudanças em seu mundo. Que todos seriam do mesmo mundo, mas não,
sabia ele que as diferentes manias… Bem, que não fossem manias,
mas que haviam diferenças… Na Carta Magna, que todos fossem
iguais, mas era também diferente a própria Carta que muitos lhe
diziam, que diziam que lançavam fora, rota, sem sentido! Vittore não
se preocupava com novos quadros na sua padaria, de aparência ou tal
de tais critérios, mas não suportava a incompetência e primava por
bons reflexos humanos, assim, na atitude e nos gestos, reflexos
motores igualmente. Naquilo de se pretender certa etiqueta, o modo de
bem servir os pratos de salgados e doces, o café e porventura, não
que fosse muita, a cerveja. Mas o café era seu forte, servia-o com
os melhores grãos da cidade, indiscutivelmente, naquele bairro ainda
cravejado pela poeira das lajotas recém calçadas. O mutirão dera
certo em muitas ruas, e o barro cedera lugar ao areião.
Emília
estava contente, esse era seu sentimento maior, de mudança, de um
painel em sua consciência mais aflorado, onde parecia que suas
rédeas domavam dois puros sangues que a puxavam, mas não de maneira
inconforme, porém refreando-se com a serenidade típica de uma
mulher mais madura. Não que não fossem os cavalos assaltados por
uma performance do tempo, mas levava a vida com dedicação, isso
sim, dedicada como quando tinha aulas de piano com Cláudia. Nessas
horas brotava-se-lhe a paixão pela vida, a música como outro lado
do sentimento, sentindo fremir o pulsar de um reflexo que sentia, a
cada corda tocada, uma própria vértebra adormecida do conhecimento
e da arte. De sua maturidade neste pequeno trecho, digamos, que a
remontasse aos 38 anos – estudados – sobre a latitude da
existência. Seu ser individual era compreendido dentro de si mesmo,
e seria alheio a que outros coletivizassem o não coletivo, o não
controle, posto seus pensamentos mais secretos não dispunha que se
fossem escoar pelas bravatas que outros sequer pudessem confirmar
ainda que, no pretenso justo coletivo, fossem de firmar pé. Alheia a
qualquer aventura externa, sua intimidade como mulher independente
mostraria sempre ao padrão coletivizante chauvinista seus olhos de
mulher e seu corpo de rainha. Nada se sabia da existência,
escravizavam artistas enquanto no poder: no empoderamento tão
cobiçado. Mas não: existia Emília, seu novo emprego, seus modos de
atuar, sua sagrada arte da poesia que tanto lera e lia, e via, nos
seus arremedos de eterna iniciante no amor, o verdadeiro sufrágio
que demanda o tempo da atualidade e suas correntes atitudes
solidárias consigo e com o próximo.
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