Era uma quinta-feira. Despertei às
dez para as cinco, conforme o relógio de pulso digital que nunca tirava de meu
braço, nem para dormir. Era um dia a mim de chuva contínua, fraca, mas que
incomodava para quem caminhava naquele bairro de orlas do mar... Um escape
condigno, à apreciação contemplativa das rochas e suas aves. Comi algo e, quase
na mesma hora de sempre, fui ao mar, teci exercícios de pernas e cerzi o
alhear-se dentro de minhas supostas limitações, pois já contava com sessenta
primaveras duras. A arte era a minha vida, mas não encontrava mais tempo em que
nela aquela coubesse, a não ser em rabiscos rápidos e fragmentados e anotações
de textos quase indeléveis para mim, e efêmeros para um irrisório leitor, de
outros quaisquer. Por esse caminho da arte me parecia que andava por um foco, e
a expressão escrita era a consonância desse mesmo focar-se em algo, pois havia
para mim ter sido longa a vereda da pintura e agora me faltava a prata para
comprar bons materiais, visto agora tê-la mais no entendimento digital, como as
imagens em seu todo nos novos tempos de roupagens antigas como sombras que
desprezamos no sol inclemente. Por estranho que parecesse, a arte se tornava um
papel esboçado, e as palavras expressas um punhado de equações estatísticas, como
um mapeamento de não encontrar-se, mas que as folhas que balançavam na árvore
de minha fé supunham aproveitáveis para algo como acréscimo, uma tentativa de
positividade... Dylan por tantas vezes em sua música falara dos ventos nas
folhas, e eu apenas queria entender mais o assunto, como um sioux perdido na
floresta de concreto!
Quando, depois de alguns exercício
de um tai chi personalizado, voltava para o meu quarto, encontrava a companhia
de uma pintura, um telefonema dado em um dia anterior, um panorama de uma
história que havia esquecido de escrever, tantos os amigos que eu não possuía e
que jamais procuravam saber se ao menos eu vivia, mas que talvez vissem por
outros cantos apenas mais um pássaro que se encontra no pano de fundo de um
selfie. Eu gostava de meu quarto oculto de mim mesmo, mas que se tornava um
lugar rico de existência, por onde sempre pensava a relação da liberdade com os
espaços. Se me era concedido o direito cidadão, eu via a real dimensão desse
contexto e desejava que todos compreendessem a importância disso em um mundo
como o nosso, em um século como o nosso, nas relações entre seres que ao menos
se pretendessem, como as nossas.
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