quarta-feira, 7 de outubro de 2015

UM QUARTO OCULTO DE SI MESMO

            Era uma quinta-feira. Despertei às dez para as cinco, conforme o relógio de pulso digital que nunca tirava de meu braço, nem para dormir. Era um dia a mim de chuva contínua, fraca, mas que incomodava para quem caminhava naquele bairro de orlas do mar... Um escape condigno, à apreciação contemplativa das rochas e suas aves. Comi algo e, quase na mesma hora de sempre, fui ao mar, teci exercícios de pernas e cerzi o alhear-se dentro de minhas supostas limitações, pois já contava com sessenta primaveras duras. A arte era a minha vida, mas não encontrava mais tempo em que nela aquela coubesse, a não ser em rabiscos rápidos e fragmentados e anotações de textos quase indeléveis para mim, e efêmeros para um irrisório leitor, de outros quaisquer. Por esse caminho da arte me parecia que andava por um foco, e a expressão escrita era a consonância desse mesmo focar-se em algo, pois havia para mim ter sido longa a vereda da pintura e agora me faltava a prata para comprar bons materiais, visto agora tê-la mais no entendimento digital, como as imagens em seu todo nos novos tempos de roupagens antigas como sombras que desprezamos no sol inclemente. Por estranho que parecesse, a arte se tornava um papel esboçado, e as palavras expressas um punhado de equações estatísticas, como um mapeamento de não encontrar-se, mas que as folhas que balançavam na árvore de minha fé supunham aproveitáveis para algo como acréscimo, uma tentativa de positividade... Dylan por tantas vezes em sua música falara dos ventos nas folhas, e eu apenas queria entender mais o assunto, como um sioux perdido na floresta de concreto!
            Quando, depois de alguns exercício de um tai chi personalizado, voltava para o meu quarto, encontrava a companhia de uma pintura, um telefonema dado em um dia anterior, um panorama de uma história que havia esquecido de escrever, tantos os amigos que eu não possuía e que jamais procuravam saber se ao menos eu vivia, mas que talvez vissem por outros cantos apenas mais um pássaro que se encontra no pano de fundo de um selfie. Eu gostava de meu quarto oculto de mim mesmo, mas que se tornava um lugar rico de existência, por onde sempre pensava a relação da liberdade com os espaços. Se me era concedido o direito cidadão, eu via a real dimensão desse contexto e desejava que todos compreendessem a importância disso em um mundo como o nosso, em um século como o nosso, nas relações entre seres que ao menos se pretendessem, como as nossas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário