quinta-feira, 14 de setembro de 2017

PERFUME DE QUASE PRIMAVERA

            Seria o suficiente, mesmo que nossa personagem não o sentisse, um clima das flores, ao menos que as procurasse nas lojas, ao menos que tomasse um café antes para fumar, que fumava um tanto não de se preocupar muito. Mas as gentes não fumavam mais quase e ela – Emília – tentara várias vezes suprimir o vício do cigarro. Estava se aproximando a primavera, e quando houvesse alguma mudança no clima talvez saberia, ou estaria resgatando ilusoriamente uma impressão quase daltônica que o aquecimento solar talvez não existisse como alguém por ventura citasse nas entrelinhas algo trágicas o tempo de nosso planeta. Mesmos que se soubesse muito, esse trágico para ela não significaria o tudo, algo que fosse sua própria totalidade, visto um ser vivo carregar consigo tamanhas verdades que – como um bioma particular – se reveste de uma esperança pétrea e a gana de viver como ninguém. Ou como não saber, pois nada sabemos de outras espécies além de nossa percepção do bicho, externa, que no todo jamais a humanidade saberá da riqueza da vida. Mas ao menos Emília, a anônima mulher, não buscava qualquer fama, apenas seu modo de coadjuvar com as miríades que encontrava na cidade, nos lugares onde sustinha suas fortes pernas quando de ver uma vitrine que fascinava, ou em uma questão de descansar onde outros apenas cumpriam mecanicamente suas pausas. O perfume das flores, o desempenho de um computador, um homem que lhe consertava a casa, vivia uma parecença a que muitos não se atinham, mas que era conforme, como o indivíduo que passa pela primavera sem esta ter chegado. Se é que logicamente fosse necessário, a própria lógica, pois esta não passava muito por Emília... Em um arremedo de pensamento ela saíra com suas conjecturas, pensante, não em modos cartesianos, mas no fluir de sentimentos que afloravam através do que percebia em cada passada, em cada folha no chão, no rutilar inquieto dos insetos, e nos pássaros que lhe teciam companhia assaz sagrada para ela, sem o saber muito, pois não era sequer do vernáculo usual. Quem dera não fosse ausente da normalidade, mas não devia nada por ser autêntica, mesmo em um mundo onde a quebra da autenticidade fosse um ensaio de orquestra.
            Em uma verdade, aliás, pudessem ser as verdades apenas uma, na razão que assombrava outros que tentavam saber de muito, e Emília navegava nada contraditória quando não se acredita que tudo o seja, pois a vida encerrada em cartilha soçobra algo de suas próprias contradições no fato do ser humano, com seus sentidos imperfeitos, navega de verdade outra – de muitas – sabendo sobre o que acontece em seu entorno. Emília não pensava em questões finitas, posto quando via acontecia o rumor pouco solitário de estar familiarizada com o próprio vento. De uma vida pungente, meio que esperava a primavera depois de longa separação em si mesma... Esperava a primavera pelo nome, mas sentia no perfume das flores da loja Casa das Begônias os cheiros que a aproximavam da estação. Da grande estação. Seria razoável para ela que o movimento das pessoas, seus carros, suas bicicletas e motos pareciam um incerto rufar de asas, uma mania em sua mente que escondia, talvez por ver por essa dimensão, já que o vulgo não costuma delongar muito o se curtir a rua, as pedras, as águas, o chá ou o café. Ou poderia ser de certo modo uma ingenuidade de ela pensar assim, pois seu assombro com a animada sensibilidade vertia em seu moto próprio mais entusiasmo. Fascinada, percorreu a época de mais daqueles dias que antecedem não propriamente a esperança, mas o encontro diário com o que há de real e algo ilusório do sem tempo...

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