Seria o
suficiente, mesmo que nossa personagem não o sentisse, um clima das flores, ao
menos que as procurasse nas lojas, ao menos que tomasse um café antes para fumar,
que fumava um tanto não de se preocupar muito. Mas as gentes não fumavam mais
quase e ela – Emília – tentara várias vezes suprimir o vício do cigarro. Estava
se aproximando a primavera, e quando houvesse alguma mudança no clima talvez
saberia, ou estaria resgatando ilusoriamente uma impressão quase daltônica que o
aquecimento solar talvez não existisse como alguém por ventura citasse nas
entrelinhas algo trágicas o tempo de nosso planeta. Mesmos que se soubesse
muito, esse trágico para ela não significaria o tudo, algo que fosse sua
própria totalidade, visto um ser vivo carregar consigo tamanhas verdades que –
como um bioma particular – se reveste de uma esperança pétrea e a gana de viver
como ninguém. Ou como não saber, pois nada sabemos de outras espécies além de
nossa percepção do bicho, externa, que no todo jamais a humanidade saberá da
riqueza da vida. Mas ao menos Emília, a anônima mulher, não buscava qualquer
fama, apenas seu modo de coadjuvar com as miríades que encontrava na cidade,
nos lugares onde sustinha suas fortes pernas quando de ver uma vitrine que fascinava,
ou em uma questão de descansar onde outros apenas cumpriam mecanicamente suas
pausas. O perfume das flores, o desempenho de um computador, um homem que lhe
consertava a casa, vivia uma parecença a que muitos não se atinham, mas que era
conforme, como o indivíduo que passa pela primavera sem esta ter chegado. Se é
que logicamente fosse necessário, a própria lógica, pois esta não passava muito
por Emília... Em um arremedo de pensamento ela saíra com suas conjecturas,
pensante, não em modos cartesianos, mas no fluir de sentimentos que afloravam
através do que percebia em cada passada, em cada folha no chão, no rutilar
inquieto dos insetos, e nos pássaros que lhe teciam companhia assaz sagrada para
ela, sem o saber muito, pois não era sequer do vernáculo usual. Quem dera não
fosse ausente da normalidade, mas não devia nada por ser autêntica, mesmo em um
mundo onde a quebra da autenticidade fosse um ensaio de orquestra.
Em uma
verdade, aliás, pudessem ser as verdades apenas uma, na razão que assombrava
outros que tentavam saber de muito, e Emília navegava nada contraditória quando
não se acredita que tudo o seja, pois a vida encerrada em cartilha soçobra algo
de suas próprias contradições no fato do ser humano, com seus sentidos
imperfeitos, navega de verdade outra – de muitas – sabendo sobre o que acontece
em seu entorno. Emília não pensava em questões finitas, posto quando via
acontecia o rumor pouco solitário de estar familiarizada com o próprio vento.
De uma vida pungente, meio que esperava a primavera depois de longa separação
em si mesma... Esperava a primavera pelo nome, mas sentia no perfume das flores
da loja Casa das Begônias os cheiros que a aproximavam da estação. Da grande
estação. Seria razoável para ela que o movimento das pessoas, seus carros, suas
bicicletas e motos pareciam um incerto rufar de asas, uma mania em sua mente
que escondia, talvez por ver por essa dimensão, já que o vulgo não costuma
delongar muito o se curtir a rua, as pedras, as águas, o chá ou o café. Ou
poderia ser de certo modo uma ingenuidade de ela pensar assim, pois seu
assombro com a animada sensibilidade vertia em seu moto próprio mais
entusiasmo. Fascinada, percorreu a época de mais daqueles dias que antecedem
não propriamente a esperança, mas o encontro diário com o que há de real e algo
ilusório do sem tempo...
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