terça-feira, 12 de setembro de 2017

O QUE SERÁ A PRIMAVERA...

            Tantas as estações que passavam por Emília, com tantos erros, o aquecimento que ignorava, as coifas nas cozinhas, as calhas que via soltando águas pelas correntes, que o espectro de sua vida não rondara mais o azinhavre de sua pretensa consciência. Buscava, como uma verdadeira buscadora, mas ao mesmo tempo ia comprar as flores de Virgínia Wolf, a senhora que muitas possuíam no imantado espírito perscrutador. De uma idade sem porquês, de uma história narrada, de uma descrição subatômica e perene, efêmera quanto o vento que sempre existe, mesmo em suas ausências. Não que se lembrasse da poesia, mas a literatura a bebia de fontes que não secavam, aliás, a não ser naquele ensolarado dia muito mais solar do que a normalidade da primavera que rescendia a começar. Esse preparatório emblema... Tantos ícones, a semiologia não se cuidara de estudar, não possuíra tempo para as questões, e a intelectualidade também parecia uma efemeridade, posto a chuva deixar nos rastros por onde tocava a independência de suas outras flores. Talvez houvesse cansado a razão, mas que por ela passasse, na cumplicidade era. Remontava episódios, ou os vivia intensamente qual não fossem, mas que não permitia a palavra: realidade. Florescia por si essa palavra, e a ilusão de permeio era o fato mais concorrente daqueles profusos dias em que via mulheres caindo de seu feminismo em outras e mais silenciosas ciladas do chauvinismo. A pátria era algo faltante, mas ao mesmo tempo uma flor que mesmo murcha exigia mais cuidados. Não que se dissesse por dizer, mas os dias de primavera prometiam ser um bom banho naquele entardecer onde os passantes do continente se regozijavam de estar, quiçá em pontes mais perfumadas, quem sabe em terra se falaria melhor dos casos e ocasos raros da Ilha... A ilha poderá ser um, mas que o seja com toda a ilha de si mesmo, no olhar sobre o que há além ou em suas próprias cercanias. Como não pensar na ilha de outros, como no continente sólido, da lembrança, mesmo em que os barcos atraquem, mesmo no realismo algo fantástico que se possa sempre e sempre. Emília pensava em profusões, no interlúdio com a natureza das coisas, na tradução do movimento dos carros, nos passantes algo iguais e no entanto tão diversos em suas roupas, em seu modo de caminhar, em suas plataformas de existência e invejava os pensadores, mas que mesmo assim quase não era de ficar pensando: colhia, buscava, confiava, tecia, urdia, tramava, não no modo ausente, mas para sentir a vida, esta que não precisasse ferir a si mesma, nem a qualquer ser, pois amava tanto o burburinho como o silêncio, e sobretudo a ilusão de estar em dia com alguma comunicação, um tanto do raro carinho, um muito das cabeças turronas, a ver em um animalzinho algo lindo como a poesia em que jamais imaginara que um dia fosse encaixar em sua vida de mulher de mais de cinquenta. Assim continuava a vida, e seria para Emília mais uma primavera de uma luz que jamais se extinguia, pois como nunca ela estivera tão apaixonada por aquela!

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