sexta-feira, 15 de setembro de 2017

EMÍLIA COM SORTE

           Mais um dia de transições, ao menos na aparente mania de se pensar que assim fosse… Havia no jardim de Emília um arbusto que dera sinais de vida depois de uma poda sem freios, que ela empreendera no sentido de fazê-lo crescer rapidamente, a pensar que as flores logo surgiriam. Esse logo que era o problema, uma lógica que espera resultados, e que estes só se dão com a intermitente palavra final do clima, da natureza, da planta. Tantos foram os ramos de um universo particular que a palavra lógica não traduziria o trabalho para cada planta outra: seus nós, suas folhas, suas páginas a respeito, pois se fosse uma questão de registro manual algum poderia ajudar. Dependia sempre da água, da terra, e lidar com ramos era para ela tão grande trabalho quanto uma reação nuclear, em si ramificada, ou uma estrutura de diretórios ou pastas em um computador, remontando a que isso fosse tão importante quanto o conhecimento mesmo em que por exemplo – em uma questão mais inteligente – uma palavra pode assumir diferentes significados, dependendo do contexto, que seja, uma poesia a milhões de formas: a verdadeira poesia, em que não há necessidade de ficarmos remendando sonetos.
          Outros vasos de Emília, outras flores e tonalidades, e a sorte lhe beirava ao precipício existencial como um bom parapeito de onde vemos se descortinar por cima as montanhas, e não as vertentes de algum enfado ou sensaboria que nos faça pular para o infinito. Não damos esse salto, isso é vertigem, um tipo de alucinação existencial, se é que poderia se chamar assim travarmos embates que não existem. A verve dos discursos fatídicos ficara na imprensa gigantesca, que ela via, no entorno de suas miragens, no discurso da tela. Fosse a tela que fosse, notícias girantes, nada que fizesse recrudescer mais do que a mesma mesmice. E que não ligasse, realmente não importava a Emília que se dissesse mais do que o próprio nada para não se contaminar de ovos podres tão largamente enfeixados pela tele-visão. Mas era de importância capital, se assim não fosse não estaria vivendo, como tantos outros que colocam tatuagens inapagáveis e tortuosas em si próprios, deixando para um tempo de codinomes a lição do que criam ser liberdade!
          Em sua própria realidade, Emília tinha lá suas manias – como todo bom cidadão que graças a deus as tenha – de cruzar com a caneta de modo vibrante, sobre contas e mais contas, exercícios numéricos, equações que continuavam a inquirir seu espírito investigativo pela simples noção de que uma mulher já aposentada tinha que aproveitar melhor seu tempo corrigindo a si mesma no padrão vigente e cartesiano quando o panorama é o julgar-se ou traçar caminhos pela vereda da inteligência. Que daria no mesmo, a pressuposição da intel era justamente formar pensadores que compreendessem seu funcionamento, com a experiência cabal que não se trocasse em miúdos toda uma conquista eternamente frutificadora e latente em potencial de expansão a um indivíduo que fosse, junto com suas noções de planeta Terra. Se fosse de coisificar, dir-se-ia que a coisa era e seria rápida, mas as estatísticas não devem convencer mais do que um texto que explique melhor certas questões de ordem mundial… Os maiores estudiosos do mundo viram que sempre existiram os estudos, e que estes – assim como na boa medicina – nunca concluem carreira, a não ser que os trabalhos sejam estanques na progressão de atualização para exercê-la em missões humanitárias, em que o Criador agradece a esses braços gigantescamente generosos. Esse fascínio que se chama ciência, em diminuta escala em equações de primeiro grau e noções de lógica, exerciam em Emília algo de poder em que ela gostava a ponto de amar quando encontrava uma resposta através de utensílios ainda frequentes como a própria caneta, seus lápis e as borrachas, estas que preferia fossem de silicone, o que a tecnologia as trouxe no reboque na novidade de materiais concretos. Seguia calculando, o número acima com significados, o número abaixo igualmente com a sua semântica, e as palavras com suas sílabas e ritmos que regulassem o aprendizado coerente e contínuo da nossa estudante celibatária de mais de cinquenta. A sorte lhe fervia o Animus, e o pressuposto da compreensão agora quase numérica de uma abertura de xadrez lhe empurrava questões tão nobres ao espírito quanto de mergulhar de cabeça a ver que ainda possuímos corais no caribe! Isso era rico, realmente, justo quando descobrimos onde e quando, em que momento encontrar uma informação que não é apenas um soletrar de significados, mas um conhecimento espesso que nos reduza um pouco a um platô mais conforme não de certezas, mas de como construirmos as dúvidas, e como aprender a elucidar alguma de suas partes, em um diálogo de construção interno que porventura possa depender de auxílio: do outro, daquele que dialoga com mais experiência, com a sinceridade não dos sábios de virtudes acadêmicas, mas apenas um perscrutador das coisas da alma que traduzam a matéria que a sustenta tão maravilhosamente em nossas veias.

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