Todos
a conheciam por Cláudia, sem meio termo, em que Ana nem parecia
fazer parte de seu nome. Podia ser Clô, e por esse nome a
reconheciam igualmente… Portanto, que seja: Cláudia, sem Ana.
Namorava o suficiente para ser feliz, e tantas eram as invejosas que
a colocavam em xeque ao menor sinal de fraqueza, dessa mulher que
vivia além de seu tempo, libertária, feminista e independente,
razões pelas quais os homens não a compreendiam muito nos seus
trejeitos de menina em uma mente e corpo maduros, pois contava com 42
anos. Não seria justo afirmar que ela era mais madura do que tantas
outras, pois essa questão não parecia tão genérica se não fosse
algo pontual, diminuto, relativo. O que seria a maturidade, se não
saber ao menos que se vive um tempo em que não se sabe o que há
realmente, ou se tem a certeza de que algo vem com o mesmo tempo, ou
mesmo o afã de ser feliz possa ser a maturidade de ser quase
infantil? Cria a mulher em um tipo de conduta onde se requer certa
prudência, pois sempre afirmava categórica o que pensava ser
verdadeiro, e levava uma vida sob a sombra brilhante de uma
autenticidade cabal. Visto ser sombra, ao que a outros parecesse, mas
respirava sempre o ar magnífico da discrição e da sinceridade. Por
vezes franzia o sobrecenho, meio que ao respirar algum outro ar que
fosse amargo, mas relutava ao não consentir que o fosse sempre, pois
era acima de tudo uma buscadora, uma mulher mais da luta, não se
abandonava a questões de adaptações forçadas, pois que fosse, e
lhe bastava ser…
Em
um dia que não apontava para a sensatez, fugia por outros cantos e
encontrava uma planta, em um vaso, de repente, a firmar o olhar, como
quem redescobre ao menos um capim, a ver que a planta mesma possuísse
o triunfo de também existir, e lhe bastava derivar para esse simples
lado, mesmo que a princípio recusasse a oferta generosa que por
vezes o prazer se nos apresenta em uma bandeja de ouro, e que por
vezes vira um engradado de lata. Gostaria de pensar de outro modo,
como lhe falavam para ser, mas o viés de sua personalidade era da
derivação, não muito do cálculo, apesar de amar os números. No
entanto, viera a seu mundo o dilema do céu e da terra. Esse dilema
de saber-se fixa no chão e querer voar como um animal, querer
construir suas asas… Pensava mesmo que poderia voar mais alto de um
modo filosófico, como se o pensamento lhe trouxesse o azul, as
nuvens, a chuva e o sol. No céu encontrava seus escapes, e na terra
deitava-se por vezes para sentir as texturas da Natureza e por ela
acreditava que estaria talvez até mesmo encanecendo seus cabelos.
Seus brancos, seus volantes de pelos, sua idade que crescia e
irradiava experiência, na vida isolada e não necessariamente
solitária, pois tinha a dimensão da Criação como aliada fiel de
seus braços, ombros e coração. No que tocasse já se refazia, na
veste de uma alfombra de ervas, ao acariciar seu gato, nas vertentes
do querer não mais do que o simples, do que o básico, que tomava
por seu lado a dimensão de importância capital em sua vida. O seu
querer não era tanto, não desejava homens muito belos, não era
rica e nem gostaria de viagens e gostava de uma vida simples, e de
seu elevado pensamento. As paixões pelas quais vivia era a sua arte
do desenho, no que transcrevesse o painel irrequieto, mesmo que sua
capacidade para tal fosse limitada, posto saber profundamente que a
poética fazia parte de seus signos, de maneira apropriada, no que se
conhecesse, mesmo que não houvesse em seu diletantismo saltos
maiores da qualidade esperada do tal mercado, que tanto lhe falavam
sobre e, ela, meio que o desconhecia.
Sabia
Cláudia de suas compras, que a reconheciam, sabia o que era o
comércio, mas as leis que regem um futuro equidistante do passado
não lhe diziam muito a respeito da engrenagem por vezes necessária
em que os sistemas contemporâneos nos colocam termos, nos impõem
certas condições. A isso a proposta de sua vida lhe antepunha as
barreiras que a separavam da existência da maior parte das gentes
que passava a conhecer, quando passeava com seu cão, quando via os
trajes, vivenciava circunstâncias, sedava seu comportar-se no
detrimento de outros que exerciam um certo fascínio por existirem
nos seus passos, por se ver e presenciar os modos, e a diferença
bárbara entre várias gentes, mesmos estas com roupas parecidas,
algo turvas, algo cinzas, de se rir deslocada, posto algo tristes.
Talvez os carros lhe falassem mais na mesmice da velocidade, do
ímpeto, de uma máquina que a ela lhe parecia girante sobre um mundo
bem plano: na rótula, nas faixas dos pedestres, nos estacionamentos,
em uma luta de carros vazios, de latas coloridas, no negrume de sua
aparência, nos carros brancos, nas placas e nos sinais. Meio que
ignorassem sua presença, e ela permanecia fiel a essa felicidade do
anonimato que desconhecia, por estar alheia à fama ou ao
desconhecimento das regras que pungentemente abraçam esses veículos.
Seus ritmos eram o andamento dos ruídos, dos sons que lhe chegavam
pelas portas da percepção, uma sirene, um rangido, uma música, uma
frase solta, um latido, este que lhe parecia sempre mais sensato, por
mais ruidoso, pela ansiedade canina, pelos versos de rimas que
soletrassem por fim esse modo de existência. Uma vez alguém
apareceu para ela empunhando um celular, já na onda 7G, e lhe falou
com um capacete digital porque ela andara tanto por suas próprias
pernas, e ela veio a se mostrar ignorante dessa condição, começou
a perceber que estar conectada à Natureza começava a esfriar o
temperamento de sua independência… Jamais pensara que estivesse
tão desconectada à natureza material: do objeto construído, o sim
e o não, do que talvez não existisse porventura na sua clemência
em pedir algo maior ao que houvesse em uma gôndola de supermercado.
Esse super mercado que vinha para ficar, e ela pensava que a
industriosa forma da ilusão participava de alguns caminhos, e o
dilema crucial para ela seria pensar que o céu e a terra finalmente
estariam conectados, ou as conexões capitais para os que estavam com
certas maquininhas seriam a face deslumbrante de finalmente separarem
céu e terra, mesmo que no ar o voo de uma andorinha fosse mais
silenciosa do que o de um drone verticalizado pela ausência
do fator humano que jamais conhecera em sua integralidade…
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