segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

MARTA, A MENTIRA E O TRÂNSITO


          Não haveria como nem porque fazer funcionar a Marta, um novo robô que talvez fosse inventado, se não houvesse uma pontinha de mentira. Mas seu trânsito navegaria bem não fosse a falta de contato orgânico com a terra. O sal que faz o nosso contato com a terra em nossos meridianos, bem dito. O robô estava em projeto na Índia, e os matemáticos exemplares tentavam um algoritmo de inteligência artificial, na expressão da língua inglesa, algo equivalente a tentar-se formular um tipo de função inespecífica mas, ao mesmo tempo, com utilidades, como a tarefa de recepcionar uma classe de gente em um gesto impessoal, mas com o látex similar à textura da pele e a organicidade da ilusão como ferramental primoroso e ao mesmo tempo secundário. Tamanha é a tecnologia que o propósito de se fazer um objeto quase vivo transcende à acepção mesma da ciência e seus experimentos. Uma deliberação mecanicista entre tecnologia e sociedade dispõe de vieses que podem interromper o processo mesmo da criação onde a ruptura entre um robô e um gadget portátil torna-se o irromper da alavanca ou do osso feito arma – rudimentar em nosso processo evolucionário – para uma nave espacial um reducionismo onde as coisas em seu espaço onde o humano passa a ser rudimento, e a nave um tipo de ídolo dentro de um totem interminável do consumo enquanto técnica considerada um meio de libertação, ou fuga de uma realidade regressiva que se escreve dia a dia como inercialmente irreversível.
          Marta era um contraponto, uma conquista, não precisaria alimentar-se do ar irrespirável de Delhi ou Beijim, nem disfarçar-se no meio das caravanas de imigrantes… Seria apenas uma instalação, como algo de arte tornado substrato, o suprassumo da realidade ausente do ícone, uma abstração quase sem o necessário nexo que nos transforma em seres, no que do ser não fosse, no diálogo constante com o tempo que vai conquistando as irrefreáveis veias da irracionalidade. Não haveria porque ser a outra peça de vanguarda, nem a apresentação de um novo mundo, posto seu látex ainda era de um dinossauro fossilizado, óleo: motivo, razão e apresentação de um tempo hábil em que o próprio talento seria queimado dentro da não memória cultural do homem ou mulher que a criaria… Quiçá um trânsito ao nada, um nada dizer-se, uma nação que negasse seus deveres ambientais em nome do assassinato peremptório e ignoto dos Direitos Humanos Universais: proclamação única e indissociável! Sem nada, sem futuro, o futuro vindo, se auto ditando, prescrevendo abjetamente o que seja melhor ao arroubo nacional, quando a desnacionalização significasse o ambiente próprio em que uma arma valesse mais do que uma vida. A maldade valesse mais do que um princípio, uma ofensa valesse mais do que o perdão, que o valha, ridiculamente postos os fragmentos dessa antimatéria... Essa busca incessante da liberdade econômica com a participação do Estado nos assuntos que imiscuem a mesma liberdade pela adoração de um critério algo insano por questões nem tão válidas, quanto o que se pretende de uma sociedade que se queira denominar livre. Algo silencioso remonta o ar, pois que o respiremos, com a sede do ar, com o encontro da Natureza. Esta é a beleza de não precisarmos decidir futuros dentro de uma cápsula espacial que nos levaria – junto a uma criatura como Marta, a robô – para o destino de Marte, pois Vênus, como planeta, não alcançaremos jamais com a tecnologia de carnes ou pele sintética feita de petróleos...

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