quinta-feira, 17 de agosto de 2017

UMA CULTURA TRANSPARENTE

          Seria bom termos cadernos culturais, na medida em prosseguirmos com a arte, a escultura, o desenho, a tecnologia, o modo de praticar mais do que um alfabeto, mas se necessário for, que saibamos dele o que é melhor para fugirmos desesperadamente – como imagem retórica apenas – de uma manta escura da ilusão que nos impede ver com olhos o que deve ser a transparência como de um cristal que nos abrace o fazer artístico, em sua construção e em sua expressão. Não deve haver qualquer nível de coerção à manifestação cultural e, no contraponto civilizatório, as nações indígenas devem ter todos os direitos a que lhe destina a humanidade no máximo teor libertário e territorial, como um exemplo que já devia estar na pauta prontamente realizada desses direitos em todas as faces étnicas, gerais e irrestritas, extensivas principalmente na justa planificação de nossos entornos, no que vamos dar à defesa da Natureza. Essa é a colocação de fundamento veraz em que nem todos que estão com toda a tecnologia nas mãos podem afirmar que são melhores do que outros que surgiram de outros processos civilizatórios e que, paradoxalmente, começam a se afirmar melhor como exemplo de interação com a terra como um todo, onde a agricultura tribal ou familiar, não necessariamente indígena versus não indígena, são o único modo de superarmos os problemas da toxidade alimentar, ou ao menos que se atenue o problema, com o acréscimo da agricultura nos nichos de espaço de nossas cidades, remontando que imitemos, que sejamos mais “tribais” e gregários nessa apreensão da realidade…
           A terra é a finalidade em si mesma. Se vivemos em uma região com um clima propício, se as flores brotam das árvores podemos, sim, estar convivendo com a realidade do plantio, de um retorno ao pressuposto de que dele nunca nos ausentáramos. A perma cultura é uma saída viável, a troca, uma economia solidária, a participação tecnológica, visto. Mas nunca resolveremos problemas sistêmicos de ordem econômica e principalmente cultural se não nos aproximarmos da própria cultura manufaturada, ou seja, a peça, o vaso, o barro, a terra, a semente, o caule, a folha, o fruto, todos os elementos que surgem da terra, e, simultaneamente, a compreensão de que a sílica vem da areia, e desta que o melão e a melancia são igualmente alimentos… A grande revolução é um retorno a um mundo sem o neón dispensável dos “coletores” de nossa percepção sensorial, que nos refugam a um ponto em que o prazer vem dosado de tal forma que o chauvinista se torna mais chauvinista, e os gêneros se tornam cada vez mais distantes, pois que dispomos de um fogo que é ateado sempre e, mesmo que não queiramos, a tecnologia dos selfies nos empurra para mais um estímulo e resposta do ódio, de uma luta sem propostas, do embate, da tomada crua do poder, de um não ser necessário onde a fuga torna-se o Nirvana!
           Só há uma plataforma: a paz, o diálogo, a não contenda, o bom combate na argumentação e na sensibilidade que as pessoas que não deixaram a sincera ternura de lado conhecem como premissa básica do entendimento. Se não há entendimento, parte-se para a lei, se não, haverá sempre o protesto. Mas precisamos elucidar a nós mesmos onde erramos, e é nessa busca saudável de nossos próprios erros e acertos, uma busca de sempre, que encontraremos mais luzes onde estão, e a face oculta da lua que, no entanto, igualmente existe, senão não haveria o contraponto de Bach, a textura, as literaturas diversas, a pintura surrealista: o por vezes absurdo e desconexo, o encontro, as diferenças… Essa é a seara do outro plantio, por vezes mais árido, onde não há por vezes a terra, mas o concreto. Onde não existe sempre um ideal, por vezes apenas uma hierarquia, uma relação de Poder. Nesse contexto não há paradigma, se é será isso nesse contexto específico, mas o plantio é um modo de mostrarmos que a cidadania é igual para todos os habitantes do planeta, e se há insalubridade que seja em um país, que seja dada a bandeira de outro para ser hasteada em nome da hospitalidade, e que a cultura dos mesmos países necessitados vejam que conseguirão semear algo igualmente no concreto, que podemos – aí sim, no bom e incansável combate – preservar nossas águas, democratizar nossos propósitos, crescer conjuntamente com todos os povos, aprender idiomas, respeitar as etnias e culturas que descem às cidades, ou que subam para regiões mais frias, em síntese, tornar um país algo de florescimento da bondade e da determinação de ser melhor para todos. Só a partir dessa plataforma mais equilibrada e coerente é que podemos pensar melhor para a frente, na intenção de caminhar para uma democracia cada vez mais participativa.
           A utopia estará sempre nos esperando, não apenas no que se apresentou nos canais como economês algo rancoroso e gasto, mas em um platô existencial que se sente no olhar, que um gesto reitera, que há predomínio da preservação do patrimônio de nossas culturas, de nos sabermos índios, algo hispânicos, meio italianos, um pouco germânicos, muito africanos, belamente sulistas ou nortistas, fortes e corajosos nordestinos, um país, um planeta, sem diferenças entre o que seja, com a distribuição de riquezas mais equânime e, principalmente, que não nos metamos em querer brigar com nenhum país. Que saibamos nunca ser violentos e ser mais tolerantes quando pudermos tecer o mesmo diálogo necessário. Algo de cultura que insistimos em nos fazer crer é acreditarmos que a tecnologia é um deus… Longe disso. Não precisamos de nada para sabermos que a Natureza é abençoada, no sentido de nos fazermos entender: as formigas, por exemplo, estão em seus papéis de trabalho. Não devemos desviá-las do caminho, pois seus fardos são maiores do que os nossos. Os pássaros encantam o nosso céu e quando não os encontramos devemos saber que temos que plantar árvores e que nossas crianças aprendam isso.
           Devemos sim pontuar pelo progresso civilizatório como bem explica melhor qualquer estudioso bem aprofundado de antropologia, como o grande Darci Ribeiro. Todos os seres humanos tiveram seu nascimento e desenvolvimento através da linearidade do tempo. Esse mesmo tempo possui a mesma linearidade, somos iguais perante a Terra. Nunca houve reais proprietários Dela. Essa mesma Terra-Natureza-Mãe, feminina… Rendamos graças se podemos ainda tomar conhecimento de nossos erros perante Ela e requisitar nosso perdão, pois devemos pensar algumas vezes com o fato de querermos nela pousar nossas garras pois, como Durga, não é coisa que se brinque e o chauvinismo exploratório sempre perderá, é apenas uma questão do tempo eterno, este ente que espera nossos atos e os julga, como um pássaro que desfruta, que somos nós, a espécie, e outro que apenas observa, que é Krsna...

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