Qual, eu não estava disposto àquele
dia em conversar com o advogado. Minha vida tinha sido tão atribulada até então,
o que havia urgência em tratar certos assuntos e eu escrevera minhas
referências, a grosso modo, nos limites em que me lembrara daqueles. Era um
processo longo, e não conseguira ler – entendendo – nem um par maior daquelas
páginas. Continuava na mesma, e não sabia que o direito era tão complexo para
alguns que dele tratavam os, por vezes, mestres nessa cátedra. Me ressentira um
pouco, mas na minha vida talvez tivesse gostado se houvera escolhido seguir
essa carreira das letras. Não viveria para atender o patronato, certamente, mas
para acolher pequenas e, no entanto, graves causas. Porém, essa questão já
havia passado, e o que importava era o presente, apenas. Tudo o que eu sabia
das letras estavam nos jornais, mesmo que me faltasse um dos bons, como nos
antigos tempos de nosso editorial pátrio. Nunca me faltavam as palavras, mas
daí talvez viessem os clássicos, pois entre eles Cervantes e Camões eram quase
uma guia, tanto que suas estrelas como patrimônio literário da humanidade
brilhavam forte. Pelo menos que a humanidade das letras lessem algo tão
substancioso como as palavras antigas, assim como eu considerava em meu modo de
ser, pois tinha a esperança que as crianças destas novas gerações lessem coisas
boas... Tantos os manifestos de nossa cultura universal!
Bem, saí de casa levando um maço
cheio de cigarros, uma predisposição de um atleta sênior, caneta, óculos e um
pequeno caderno, anexado ao processo, onde eu anotava dúvidas sobre dúvidas. O
encontro com o advogado fora de praxe, pouco havia de ser resolvido àquele dia.
Pensei em Camões, na volta para casa. Como ele gostava do mar, de bom português
que era, e que suas palavras e livros ajudariam o direito, pois versava também
em suas poesias muitos versos que nos esquecemos de ler, nesta vida curta em
nosso mundo. Quiçá renascendo encontraremos um outro Camões, mas isso é
impossível, já que o gênio já nasce em seu próprio direito, em seu próprio
tempo. Esse direito que temos, agora em nosso tempo, na diluição própria de
qualquer arremedo do gênio, ou de um que porte genialidade, pois cada vez mais
sobram parabólicas e suas parafernálias e faltam antenas humanas. Talvez seja o
direito a manifestação mais cabal do Estado, pois suas leis aplicadas, quando
sempre, definem o modo de nos portarmos no espectro grande e maior que são os
Direitos Humanos, em que qualquer predisposição contrária peca contra as razões
que alicerçam a justiça magna internacional.
O trânsito em largas avenidas
conferia quase um caos, mas seus sinais – pensei – eram breve amostragem do
funcionamento de uma via pública. Essa era uma razão primeira, para mim, pois
levar uma mãe idosa frente a um mar de carros sempre é uma tarefa delicada, e o
mesmo carro tem que estar em boas condições, como um objeto que usamos, uma
máquina, como são os barcos, os ônibus, os trens... Falei muito pouco naquele
dia, telefonei para uma amiga e comprei, sob uma chuva torrencial, um acessório
de informática que serviu como uma luva. Carreguei com cuidado sob um
guarda-chuva chinês que a mim me parece ótimo, pois já dura alguns meses sem
arrebentar as varetas, sequer. No entanto as chuvas vinham mescladas com um
vento que fazia do guarda-chuva uma peça fadada ao descarte, virando as varetas,
a se carregar contra o vento, como um barco que apresenta às ondas a sua proa,
indo de encontro a elas para não virar. Assim seguiram aqueles dias, uma parte
escrevendo e outras quiçá lendo, mas eu não me importava se alguns nem sequer
citavam meus escritos, escondidos sob a capa do ignorar-se algo que não procede
em padrões que seja na quebra de um tabu, ou seja, na existência francamente
normal de um que porta a enfermidade que seja, quando se alcunha que o especial
é aquele que demanda a própria ignorância, e que não seja dado a ele a alcunha
salutar da "normalidade", não é mesmo assim a receita sistêmica? No entanto, a própria questão da mesma enfermidade,
seja qual for, nos coloca frente a frente com os iguais em sofrimento, e que
evitam qualquer aproximação – na lógica do genoma bem comportado – com a
realidade dos que sofrem pela espoliação de sua cidadania por possuir carga
genética com “defeitos”... Apenas esta seja uma pincelada traduzida em um
parágrafo de um homem que acredita ser feliz, e o é efetivamente, pois não
busca nada que não seja o seu aperfeiçoamento espiritual, a própria razão
direita em se prosseguir na sua lide paragonada pelo tempo que não lhe assusta,
pois sabe que a velhice é uma etapa que deve ser cumprida, apenas sabendo-se que
é uma questão existencial que demanda bons cuidados em si mesmo, a princípio...
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