quarta-feira, 4 de novembro de 2015

DIAS ÚTEIS

            Qual não fosse, aqueles dias chuvosos incomodavam, mas havia água, no mais, a se entender que o país dela carecia. Pois que não cessasse no Sul, Selena sabia que seu esposo Valmor saíra de casa contrafeito, de ordens marcadas por si mesmo, como que em rotinas de hierarquias, mas não era militar, nem servira, pois fora liberado com excesso de contingente. Apenas de seus dias duros, mas o desafio sempre o impelia a fazer com que sua utilidade fosse quase como um presente de Deus... E seus dias eram úteis, como nos dias em que convencionalmente se trabalha no mundo. No entanto Valmor sabia de seres como as formigas que nunca paravam, pois suas existências eram como ciclos perenes, ou uma linha em que o trabalho dava espaço a frações, tal a complexidade de, na verdade, não entendermos como vivem outros seres, a não ser sob a ótica da experimentação e observação do comportamento, do crescimento, e tal, não importando uma aproximação necessária ao invés do distanciamento acadêmico que nos faz muitas vezes ignorar a realidade, ou mesmo a transcendência desta... Posto o real ser uma palavra e a realidade quase um conjunto de outras coisas fracionadas, que vão desde objetos, conceitos, aos sonhos, quando estes encontram sua própria matéria anímica na arte ou na psicologia. Disciplinas, não mais: fragmentos.
            Desses fragmentos existenciais Selena, casada com Valmor fazia alguns anos, sabia como reunir, em uma questão por vezes complicada, as partes que fossem de importância cabal em suas vidas, negando outras que por vezes desconhecia se eram importantes. Por experiência, pois Valmor lhe dera as letras de como prosseguir vivendo, assim como cada qual, em sua própria história, no que passa de tangente em compartir ao diálogo... Em cada palavra, que não se intencionaria qualquer motivo de outro tipo de diálogo que não fosse para erguer o conhecimento, sem o hábito destrutivo da coação que tantas e tantas vezes vemos em tantos filmes de ficção! A maravilhosa invenção das máquinas, o esforço necessário em se aprender, levar a sério a vida ela mesma, essas eram as premissas da esposa de Valmor. Este desaprendera um pouco, com o seu trabalho em uma obra, no ofício de rebocador. Vira tanto as superfícies que sabia de antemão as noções do que precisava saber para dar o acabamento correto em um edifício. Nesse ofício, tergiversava com o cimento, e dava de se ver um trabalho profissional, e era isso que lhe bastava. Era um trabalhador rotineiro, de se ver a prática em conversar com seus colegas um pouco de ausente, meio que na distração em cumprir seus dias de modo que convencesse o empreiteiro chefe.
            O diálogo entre Selena e Valmor se descortinava, sincero, franco, disposto a fluir como uma água cálida que encontramos raramente hoje, mas é tenra quando a bebemos. Uma questão de empatia, de companheirismo, um casal que se dava bem: sem interesses quaisquer, apenas o amor que os unia. De uma vez por sempre, assim era a única idiossincrasia do casal amante... A se dizer com franqueza, como quase um pecado em afirmar: se amavam em verdade, com coragem, com zelo, com a dureza por vezes necessária do carinho que aflora para nos fazer respirar. Esse hálito a primavera não abraçava por então, mas os caminhos afloravam e pressentia-se a derrota dos tiranos por natureza, qual esta que faz crescer a mesma tirania mas murcha suas raízes quando se mostram por encima da Terra que pertence aos bons de espírito. Do Deus clemente aos pobres, do Deus que orienta os sofredores, do Deus que não cobra pedágio, posto movimento, e não instituição... A necessidade de termos um criador pede a passagem para que nos conheçamos a nós mesmos, e não é aquele que se fere que tem que ferir, pois há profissões hoje em dia responsáveis pela segurança dos homens, e assim reza um Estado, assim reza a humanidade de nos tornarmos finalmente um país maduro. A democracia não é estática, se move, dialoga, debate e reivindica e não há como evitar a luta de classes, pois o que estamos por viver não é a história de Roma, nem de Reich, nem de fascismo, nem de golpes. O que estamos por viver é como a história de amor de Selena e Valmor: dois simples se amando na simplicidade da vida, pois a sofisticação não é imperativa e nem obrigatória, e Valmor se tornar empreiteiro no mínimo é um bom progresso para um dedicado operário...

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