quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O PRINCIPIAR DE UMA VIRTUDE


            O andante de uma música mostra, mesmo quando não erudita, seus ritmos marcados por compassos, assim como o tempo oscila nossos sentimentos... Quem dera fôssemos marcados por uma boa música! Quem dera se a música refletisse uma arte gigante, onde pincéis gigantes pintariam sobre a superfície da Terra a salvação de todos aqueles que esperam por um futuro maravilhoso. A música iniciaria, daria um tom, um tom generoso de paz, no seu principiar. Os tecidos pintados se revezariam nos cenários, um grande teatro correria solto dentro do mesmo espaço, casas seriam construídas ao som de seus operários, felizes por suas vidas construtoras. A virtude não seria racional, seria congênita em todos, na seleção de um time concreto para a obra. Não se cobrariam pedágios existenciais, a liberdade seria apenas uma fração da vida, e os olhos de um pobre encontrariam sempre com o olhar de se compartir, de se doar, de se dar uma parte a mais. Encontrariam outro ser, com esperança, uma mão que afague, um sol mesclado com a chuva que faz brotar a planta do sentimento de serviço àqueles que necessitam de maiores cuidados. O trigo seria pleno, a comida não faltaria, não faltaria medicina, nem educação, e nem livros de filosofia: os pensares seriam repletos. Que bom que fosse algo assim, mas haveria um principiar...
            Em uma aldeia qualquer, uma semântica invisível estaria jorrando como uma água brotada do chão. Um significado de bichos, uma seiva qualquer de plantio, uma planta devocional, um respirar secreto de Deus. Não haveria chance para a maldade, esta não medraria, e secaria de pronto, pois a bondade estaria partindo de algum lugar, ficando, se mediando com a própria Natureza bondosa, generosa e farta. A medicina encontraria nessas ervas curas gigantescas, e o câncer viraria apenas uma reação alérgica. A vida seria boa de ser vivida e duraria no mínimo cento e oito anos, e o mais seria de viver bem, sem a náusea correlata que não merece a justificativa! Todos seriam protegidos por mãos serenas na sua força, por tenazes de flor, que justificariam – aí sim – a ternura da bondade humana, sem ser artifício de ourives, ou recurso da hipocrisia. Nessa aldeia, Cervantes renasceria para ensinar o ofício das letras, e Dom Quixote encontraria sua Dulcineia del Toboso sem precisar de ajuda de Sancho. O diálogo pontuaria, o ser humano voltaria a se comunicar com cartas, feitas de papel reciclado, e o papelão enriqueceria bons catadores... Cada latinha se transformaria em ouro, e os bilionários estariam catando pelas ruas e avenidas. Os trens voariam sobre trilhos magnéticos e robôs maravilhosos seriam produzidos por crianças, e seus pais, e seus avós.
            A discórdia não existiria jamais, e não se consumiriam as drogas, nem o álcool, talvez apenas um bom tabaco, pois senão seria demais da construção aleatória do ideal. A justiça seria de fato justa, observadora, no relutar – porém – de apenas mediar alguma defasagem que houvesse, porquanto muito a se distar da aldeia citada. A se conhecer a aldeia, a televisão não seria a referência, e os jogos de vídeo seriam a vida ao vivo, a não ser que reconhecessem a lógica do ser, essa estranha lógica que perpassa a alma e nos finca a raiz profunda em uma cultura diversa, cosmopolita, onde a diversidade seria vária e plena, quanto da tentativa bárbara e solene que as letras nos ensinam quando queremos nos comunicar com alguém realmente interessante, sem o rancor reinante daquele tal passado, antes do aflorar o sumo da vida. A haste da grama falaria mais do que o suficiente, e o papel do homem seria tão importante quanto de um formiga, a partir do momento em que aquele olho d’água da floresta faria com que outras mãos se unissem reflorestando o inabitável e onde uma gota já servisse para atenuar a sede de uma sequoia. Os santos se multiplicariam, e a virtude, que antes fora um pequeno jorro em uma aldeia em um coração de um imenso continente, viraria razão de diálogo e consentimento, onde os ricos e os pobres regulamentassem seus ponteiros, fazendo de uma sociedade diversa o viver sem fronteiras, sem taxas, sem débitos, onde a música do jorro da água em uma aldeia reconstruísse um panorama de excelência para todo o planeta Terra... 

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