O andante
de uma música mostra, mesmo quando não erudita, seus ritmos marcados por
compassos, assim como o tempo oscila nossos sentimentos... Quem dera fôssemos
marcados por uma boa música! Quem dera se a música refletisse uma arte gigante,
onde pincéis gigantes pintariam sobre a superfície da Terra a salvação de todos
aqueles que esperam por um futuro maravilhoso. A música iniciaria, daria um
tom, um tom generoso de paz, no seu principiar. Os tecidos pintados se
revezariam nos cenários, um grande teatro correria solto dentro do mesmo
espaço, casas seriam construídas ao som de seus operários, felizes por suas
vidas construtoras. A virtude não seria racional, seria congênita em todos, na
seleção de um time concreto para a obra. Não se cobrariam pedágios existenciais,
a liberdade seria apenas uma fração da vida, e os olhos de um pobre
encontrariam sempre com o olhar de se compartir, de se doar, de se dar uma
parte a mais. Encontrariam outro ser, com esperança, uma mão que afague, um sol
mesclado com a chuva que faz brotar a planta do sentimento de serviço àqueles
que necessitam de maiores cuidados. O trigo seria pleno, a comida não faltaria,
não faltaria medicina, nem educação, e nem livros de filosofia: os pensares
seriam repletos. Que bom que fosse algo assim, mas haveria um principiar...
Em uma
aldeia qualquer, uma semântica invisível estaria jorrando como uma água brotada
do chão. Um significado de bichos, uma seiva qualquer de plantio, uma planta
devocional, um respirar secreto de Deus. Não haveria chance para a maldade,
esta não medraria, e secaria de pronto, pois a bondade estaria partindo de
algum lugar, ficando, se mediando com a própria Natureza bondosa, generosa e
farta. A medicina encontraria nessas ervas curas gigantescas, e o câncer
viraria apenas uma reação alérgica. A vida seria boa de ser vivida e duraria no
mínimo cento e oito anos, e o mais seria de viver bem, sem a náusea correlata que
não merece a justificativa! Todos seriam protegidos por mãos serenas na sua
força, por tenazes de flor, que justificariam – aí sim – a ternura da bondade
humana, sem ser artifício de ourives, ou recurso da hipocrisia. Nessa aldeia,
Cervantes renasceria para ensinar o ofício das letras, e Dom Quixote
encontraria sua Dulcineia del Toboso sem precisar de ajuda de Sancho. O diálogo
pontuaria, o ser humano voltaria a se comunicar com cartas, feitas de papel
reciclado, e o papelão enriqueceria bons catadores... Cada latinha se
transformaria em ouro, e os bilionários estariam catando pelas ruas e avenidas.
Os trens voariam sobre trilhos magnéticos e robôs maravilhosos seriam
produzidos por crianças, e seus pais, e seus avós.
A
discórdia não existiria jamais, e não se consumiriam as drogas, nem o álcool,
talvez apenas um bom tabaco, pois senão seria demais da construção aleatória do
ideal. A justiça seria de fato justa, observadora, no relutar – porém – de apenas
mediar alguma defasagem que houvesse, porquanto muito a se distar da aldeia
citada. A se conhecer a aldeia, a televisão não seria a referência, e os jogos
de vídeo seriam a vida ao vivo, a não ser que reconhecessem a lógica do ser,
essa estranha lógica que perpassa a alma e nos finca a raiz profunda em uma
cultura diversa, cosmopolita, onde a diversidade seria vária e plena, quanto da
tentativa bárbara e solene que as letras nos ensinam quando queremos nos
comunicar com alguém realmente interessante, sem o rancor reinante daquele tal
passado, antes do aflorar o sumo da vida. A haste da grama falaria mais do que
o suficiente, e o papel do homem seria tão importante quanto de um formiga, a
partir do momento em que aquele olho d’água da floresta faria com que outras
mãos se unissem reflorestando o inabitável e onde uma gota já servisse para
atenuar a sede de uma sequoia. Os santos se multiplicariam, e a virtude, que
antes fora um pequeno jorro em uma aldeia em um coração de um imenso
continente, viraria razão de diálogo e consentimento, onde os ricos e os pobres
regulamentassem seus ponteiros, fazendo de uma sociedade diversa o viver sem
fronteiras, sem taxas, sem débitos, onde a música do jorro da água em uma
aldeia reconstruísse um panorama de excelência para todo o planeta Terra...
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