sexta-feira, 15 de março de 2019

PESSOAS SÃO SIMPLES


          Não há complexidades no modo previsível em que as pessoas se comportam no mundo. Há um quê de competição e suas variantes, há o mito que gera a inveja, há a quebra dos mitos quando outros são realocados, e as carapuças diversas das personagens em que cada ser humano busca, em uma sociedade praticamente escancarada em cenas, imagens, informações, dados e perfis, todos buscados por experientes pesquisadores que trabalham aquém de suas próprias engrenagens. Algumas poucas letras dariam para listar verdadeiros campos fornecidos por bancos de dados, e cada ser se talha, quando abatido ou ser vivente, humano ou não, nessa mística descomplicada dos códigos de barra, dos CPFs, das contas bancárias, em síntese, em um enquadramento X, factível e explicável a quem está dentro da urbana sociedade de consumo. Brutalidade à parte, o brutal é previsível, é de contato ou não, vira coação, vira por vezes lutas insanas onde o respeito torna-se costume de grupos ou engenho da hipocrisia, tornando-se palavra vazia, propósito anacrônico, amor platônico ou de Onã. À parte, a libido torna-se igualmente motivo de violência, ciúmes incontroláveis, interesses abjetos, ou compensação da aproximação da senilidade na busca por poder e riquezas para compensar a abjeção do homem contemporâneo, em cópia simples do que foi o alvor da riqueza baseada na exploração histórica, tantas vezes tornada realidade em tipos simbólicos de antropofagia escalar. A motivação torpe pode ser traduzida por meio dos sentidos humanos e sua cegueira com relação ao entorno, ampliada enormemente pela dependência afetiva dos meios eletrônicos, e sua impotência sistemática em se tornar algo por hora realmente válido. Uma retroação da invenção de Gutemberg, ou dos primeiros jornais da grande imprensa, em que Balzac tão bem retratou nos costumes tão válidos dos tempos das prensas de impressão, da literatura e das editoras, em seu “As Ilusões Perdidas”.
         Afora a complexidade que se reúne em torno de um tronco secular, onde economicamente as sociedades mudam conforme tendências que se alternam, vive-se, infelizmente hoje em dia, um mundo regresso em seus modais exploratórios do homem pelo homem e do homem em relação à Natureza. Que se grife a Natureza como um conjunto onde o homem é subconjunto daquele, pois não é a Natureza que deve estar a serviço do ser humano, mas justamente o inverso. As questões econômicas onde a espécie tíbia como a nossa navega em torno de si mesma são motivos os mais diversos para se estabelecer um contraponto onde estamos a querer que o planeta se nos obedeça, mas o látego dos desastres naturais e de doenças mentais endêmicas aceites como modus operativos normais no andamento de certos comportamentos sem escapes culturais nos revela a fragilidade em que passamos a acreditar em certas crenças medievais.
         Houve um tempo, mais precisamente no século XVIII e no início do século XIX que as transformações dos meios em que se processava a produção das riquezas e o surgimento da burguesia nascente, onde a corrida ao renascimento da tecnologia permitiu enormes avanços econômicos, em que a cultura e o engrandecimento dos encontros com diversas civilizações permitiram uma mescla entre o novo e o antigo, entre o Europeu e o Asiático, igualmente o espelhamento das Américas como sedimentação – ainda que rudimentar – de novos processos de civilização. O andamento das máquinas, das novas modalidades de transportes, como os navios a vapor e as ferrovias baseados com a queima do carvão mineral, anteciparam um recrudescer de problemas que podem ter se cronificados, mas que de um lado positivo tenderam a alicerçar novas formas de se ver o mundo, com a mudança de paradigmas produtivos, e o acesso aos impressos e uma maior popularização das artes, onde passou-se de românticos idealistas ao realismo e naturalismo, grande movimentos artísticos nas artes visuais e na literatura. Quando James Watt inventa a máquina a vapor, quando Edson cria a lâmpada, e tantos outros frutos do engenho maravilhoso do homem irrompem no processo de recriação de recursos e inovação de meios, começa a irromper o desejo de possuir mais e mais, recriam-se famílias de atitudes de etiqueta, e a Inglaterra e a França despontam com carrilhões dessa nova ordenação econômica e política no planeta.
          Desde o primórdio da civilização na Mesopotâmia com a invenção da agricultura a questão humana abraça um desejo essencial que toma corpo com as novas técnicas da ciência: as novas descobertas, os novos recursos de produção que vai desde o utilitário na arte até a busca desta com a fabulosa tradução cultural dos povos. Tornar tudo muito complexo faz parte de engenho do pensamento mais rebuscado, mas toda a tecnologia e sua busca faz parte da espécie em crescer e dominar a matéria, com todos os meios que possam plasmá-la em busca dos interesses de ganho, desde o próprio nascimento helenístico até Roma e o pensamento Ocidental. Esse surgimento do pensamento grego é que remonta as origens da moderna e sempre atualizada busca pela perfeição e pela beleza. No entanto, quando o ideal e a busca da beleza – tanto material quanto espiritual – se revela na criação de prejulgamentos ou pensamentos preconcebidos, a fim de se isolar o próximo, independente de suas crenças ou de suas tendências existenciais, é que o ser humano começa a encontra uma perplexidade em torno de si mesmo e dos seus que justifique qualquer modo de violência, culminando nas guerras. Essa questão é o que torna toda uma sociedade bestificada dentro de uma simples contradição, onde o bem encontra-se com si mesmo na prática altruísta da segregação, mas que na verdade é um ponto crucial que enfeixa a simplicidade humana na eterna tentativa de se ser complexo, através do ego que compense a maldade justificada.

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