Cláudio
se portava de modo estranho… Seu nome? Sim, havia em sua barba de
indigente algo que não se remetesse a esse nome: talvez um nome
clássico, talvez propriedade da nomenclatura de uma “boa”
família. Mas era o seu nome, e dizia coisas, e andava de outros
modos, e catava lixos que talvez lhe trouxessem algo de comer pela
manhã, e pernoitava no frio, à sombra de diuturna esperança. Não,
efetivamente não havia emprego, e a mão ferida revelava que
trabalhara na semana passada com uma betoneira, e que agora – já –
a realidade era a mesma do que nunca soubera que seria. Não,
efetivamente não possuiria um lar e, por mais que evitasse a cachaça
lhe impunham questões de comportamento simplesmente na prática de
escarrar-lhe na face a indiferença profundamente atuante, nos
gestos, no olhar de nojo, e que nem negro era, posto branco, mas na
igualdade dos enjeitados que fosse, era miserável e não era puro de
qualquer raça, posto nem de raça humana, qual, a raça humana: uma
semana do trabalho de Deus! E onde Este estaria na sua realidade?
Pois sim, andemos, que ele tinha a dizer algo que, de monta, era o
sacrário de sua existência, quando encontrava Leandro, este de
outra classe, mais abastado, e no entanto, apesar de apolítico,
possuidor de sensibilidade. Humano. Disse Cláudio a Leandro:
-
Pois que vejamos só. Se me tenhas como no sábado passado que eu lhe
vi, me darias um cigarro, e do fogo, que eu teimo em fumar do tabaco
e, veja, que da bebida não sabes, nem saberás!
- A
mim não me importa, posto, que bebas, pois na minha família de um
par, de dois, de três pares damos para não sabes o que um dinheiro
que nos sobre, sobre cobres que não existem. Sei que não há
emprego, grande Cláudio, mas me coloco no seu lugar… - Disse
Leandro, com uma ponta renitente das palavras que chegavam em
qualquer destino. Não que não soubesse de alguma aproximação. Por
estranho que parecesse, Cláudio parecia um Grande Irmão orwelliano
às avessas: o olhar, a aproximação inevitável a face da sociedade
que todos gostariam de tentar controlar, terminar, um códice de
representação que remetia, ao que não era. No entanto, era real e
forte. Fruto de sentimento observável, como se Leandro percebesse o
sofrimento humano pelos poros… Disse a Cláudio que “o que antes
fosse de ti o meu encontro com a vida tão curta que aparentemente
temos, meu caro, na verdade é um infinito, como costumo que possa
ser infinita certa bondade.”
-
Leandro, veja como a vida nos encerra no mesmo latifúndio cercado
onde só o que funciona é o que tem funcionado para gentes como eu.
Sempre em uma função derradeira, sempre a suprir faltas, uma
carestia insana, o preço da liberdade das ruas é o que se tem como
látego incandescente da incompreensão.
- Preconceito,
incompreensão, dá no mesmo. A trilogia: pobreza, raça, loucura…
Três máculas criadas, arraigadas, tornando e massificando
segregação sem conta. Não sou negro nem pobre, mas o estigma da
loucura talvez seja o pior, pois por mais que você tenta provar a tua
lucidez, batem com sal grosso na ferida e, das duas uma, quando a
fama é boa dá para conviver, mas o isolamento subsiste, mas nos
bastamos às vezes pois enfermidade compartida com outras é mais
difícil suponho, e andar solitário é por vezes a questão
principal da cura. Saber-se da vida solitária, do que veio a mim a
religião, quiçá, na opinião dos que se dizem fortes, apanágio
dos fracos.
- Essa é a questão, Leandro, bastemo-nos com nossos diálogos, por vezes entrecortados. Concretamente sei de melhores vidas, na acepção dos padrões usuais, e que saibas que já li muito, e isso me valeu de monta, pois a literatura me deu a história e como as pessoas conviveram com processos de mudanças em suas sociedades, e como na verdade as letras da filosofia ajudam a gente a pensar, e eu não sobreviveria nas ruas se não soubesse como vive a rivalidade que se oferece pungente com seus atrasos e o mesmo preconceito de que falávamos.
- Pois bem, sigamos firmes então e, veja, aqui no céu os urubus estão atrás de algo, mas sobremaneira convivem bem com as gaivotas. Sigo em companhia destas rochas marinhas e, se você quiser, eu lhe convido, para a direção que desejares ir, a que veja em cada face de uma rocha suas próprias e fortes pernas, pois estas te permitem caminhar, e veja na vastidão do céu que cada nuvem possui uma história recontada pelos ventos, e que as embarcações sempre te revelem que o homem conquistou o saber imantado de flutuar sobre as águas, e que isso é mais antigo do que duzentas gerações atrás e, se não me falha a memória, muito mais do que isso! Boa ventura, grande amigo das ruas…
- Sigo, Leandro, como bem vier, a que conversemos sempre!!!
- Essa é a questão, Leandro, bastemo-nos com nossos diálogos, por vezes entrecortados. Concretamente sei de melhores vidas, na acepção dos padrões usuais, e que saibas que já li muito, e isso me valeu de monta, pois a literatura me deu a história e como as pessoas conviveram com processos de mudanças em suas sociedades, e como na verdade as letras da filosofia ajudam a gente a pensar, e eu não sobreviveria nas ruas se não soubesse como vive a rivalidade que se oferece pungente com seus atrasos e o mesmo preconceito de que falávamos.
- Pois bem, sigamos firmes então e, veja, aqui no céu os urubus estão atrás de algo, mas sobremaneira convivem bem com as gaivotas. Sigo em companhia destas rochas marinhas e, se você quiser, eu lhe convido, para a direção que desejares ir, a que veja em cada face de uma rocha suas próprias e fortes pernas, pois estas te permitem caminhar, e veja na vastidão do céu que cada nuvem possui uma história recontada pelos ventos, e que as embarcações sempre te revelem que o homem conquistou o saber imantado de flutuar sobre as águas, e que isso é mais antigo do que duzentas gerações atrás e, se não me falha a memória, muito mais do que isso! Boa ventura, grande amigo das ruas…
- Sigo, Leandro, como bem vier, a que conversemos sempre!!!
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