sexta-feira, 9 de junho de 2017

OS RETRATOS DE PAPÉIS TROCADOS

            Começar uma história parece representar um teatro com palavras, um episódio que poderia ser infinito, como é a semântica da criação ao nos aproximarmos, através da arte, da vertente e manufatura dos conhecimentos humanos, sem esquecer que não estamos sozinhos na empreitada... A cada ofício esquecido, possuímos a memória ancestral – quando de raízes – ou mesmo as técnicas que muitos creem obsoletas e que originaram outras: contemporâneas e do que ainda há por vir. Se muitos preferem viver em meio à sombra de fontes que acreditam prosaicas, ignoram que é dessa força de relermos os nossos erros e acertos diante da História que virá o processo de mudanças realmente urgentes nas humanidades, e não através da técnica pela técnica, vertical, aplicada quando muito em poucos arremedos criativos, mas que seja, sejamos um século de luzes, ou ao menos tentemos. Obviamente o Brasil é o grande país do planeta, com suas riquezas inesgotáveis, ao menos por enquanto. Mas a frase quebra, perde-se, encontra outro significado, um embate, em que as classes da burguesia ainda se encontram com mais conforto, mas com igual sensibilidade de caráter, no que este infelizmente nunca é sempre bom, vai da escolha pessoal, e muitos há que se metem em apuros. Os papéis não se trocaram, são os mesmos retratos quiçá, mas não se entendem muitos, em todas as frentes, e tornar a luta algo muito desigual é manter a renitente separação entre os servidores e o serviço. Não devemos jogar a vida entre naipes que se escondem em mãos que nem conhecemos, pois no blefe não está o montante, o valor. Este se encontra em superfícies e nas profundezas de nossos solos, e não adianta invertermos os papéis e ficarmos admirando nossos retratos como um selfie produzido a cada dia, como um ego construído e mal costurado com os anteriores a cada hora, a cada minuto, em que a validade dos nossos afetos se alicerça cada vez mais no serviço, e tornamo-nos servidores encaixados cada qual em sua geração e memória, desconstruindo a relação que deveria ser inequívoca com as outras.
            A vida pede passagem, e portanto gostaríamos de vê-la desfilar incólume dentro de nossas existências para que se veja o que fomos e o que somos. Aí sim, com essas duas prerrogativas seremos algo, sem semear muito, com carinho, pois a terra necessita desse afeto desgastado. A busca insana a degrada, e nós com ela. Falta espaço em uma imagem digital, e nossas mãos digitando tornam-se garrinhas quando não ouvimos nossos dedos, ou ao menos queiramos que nosso esforço valha a pena, esta, que imputamos a nós mesmos e ao consorte máximo até mesmo de nossas crianças: o gadget, o display, a conformidade dos impulsos, estímulos, respostas, feedback, insight, ou seja lá o que descobrem na mesma plataforma que varia em intensidade a cada ano, a cada mês ou dia. Quisera falarmos de papéis genuínos, de obras primas do cinema, ou melhor, a que a população em geral tivesse amplo acesso à arte. Quem dera, mas nos fechamos em copas e deixamos rolar a gravidade insana dos tijolos culturais que nos causam apenas acréscimos de uma indústria rota. Esse mesmo perfil que deixamos ao relento de nossos propósitos, fazendo com que a cultura de escol seja aquela em que deixamos aos grandes estúdios a produção internacional, em que a nossa literatura, artes, cinema, intelectualidade tornem-se ostracismo... E a fama, uma mesmice sem caráter de produção autêntica, esta em que pudesse verter a realidade de nossos países e nossos berços, em que o povo possa participar dos meios dessa produção, em que se democratizem esses meios, em que os papéis não fossem trocados, pois a maioria da população urge por se expressar, jamais deve ficar apenas no trabalho, ou a serviço de uma hierarquia patronal, ausente de sua participação nos anseios da comunidade a que pertença. Essa função já seria algo mais próximo, quando da participação ativa, mas que esta seja debatida em sociedade e, em termos de cidades, que se crie o fomento a que cresça essa participação em todos os planos: urbanismo, segurança, arte, trabalho, lazer, saneamento, entre inúmeros pontos necessários à mesma participação popular autêntica.
            Fazermos deste país um lugar melhor é termos uma educação de qualidade, democrática, participativa, crítica, com arte, com literatura, história, matemática, etc, sem nunca nos esquecermos que um país parte de sua mesma e pontuada história, e é essa mesma história que mostra aos alunos a vontade de mudar as coisas, de revolucionar a vida, pois não é apenas a tecnologia a mãe desses processos de civilização, mas justamente as lutas necessárias e inevitáveis quanto de mudança a se propor forem, nos esteios e estruturas já arcaicas e regressivas que teimam em trazer mais e mais atrasos para o solo pátrio. Essas questões devem ser discutidas e viralizadas, para citar um neologismo referente na participação ainda que incipiente dos meios digitais, para criarmos uma massa crítica e vencermos o padrão de sermos manobrados por outros, estranhos a todo esse processo.

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