quinta-feira, 8 de outubro de 2020

A VIDA EM UMA PÁGINA

 

           Quem dera pudéssemos recontar a vida e sua Criação em uma página somente… Veríamos Deus em sua onipresença, seu total penetrante, sua infalível ordem que vai além da compreensão menos inteligente da raça humana, esta que é, como Gil canta, uma semana do trabalho do Altíssimo. A vida em uma página começa com o rumor de um ser original, quiçá de um protozoário que nasce de uma descarga de trovão, mas que o mar já era seu confidente e o criacionismo perde para uma lógica da ciência, se não nos tardar a memória que ainda a possuamos.
          Vivemos os pensamentos mais díspares, onde era a ciência pode ser o protagonismo algo fundamentalista neopentecostal, ou uma liturgia católica. Tudo vem de si e a página continua sem ter todas as respostas cabais, concretas, intermitentes, sólidas, com afinidades lógicas e de razão inegável. Nisso perdemos um pouco pois, até então estamos cercados pela semiótica que busca transcender a lógica, mas é assunto que a poesia não alcança, posto não haver índices nem símbolos na mente do poeta. O que se é, é talhado para se viver e o que se não é não passa de leve conjectura. Assim se processa certo pensamento, assim se faz um certo discurso filosófico a quem aparentar possa, e assim remontamos um quebra-cabeça de pedras. Baste-se, foi colocada já metade da página, e a discussão sobre a vida nem sequer foi citada. Por isso talvez seja assim mesmo, da vida não se tira mensuração, período, articulação linear, pois nem a linha do tempo retrata o vão infinito do céu, os pássaros que o completam, a indecifrável profundidade do mar…
            Assim de se dizer remendamos mais alguns significados, do sigilo das ondas, do verticilo de uma espécie vegetal, do modo consuetudinário de nossos procederes. Assim vamos prosseguindo, nos vértices de uma conexão, encobertando frases resilientes, estudando a vida tal como é, com todos os percalços de uma cidadania infelizmente um pouco dilapidada conforme os eixos que se renovam a cada dia, no sentido de direção – feito axis – na plataforma tridimensional. O que se ergue depois de cada dia é um iceberg de propostas, a poesia de cada dia este, a consonância de saber-se mais próprio no andamento de um cavalo cocho que ainda dá seus sinais de si e nos leva até o paradeiro. Este caminhar solene sobre nossas – por aquisição – patas nos revela uma gripe que nos ameaça em cada passo, a se retratar os dias contemporâneos… Talvez essa citação anterior nos leve a uma realidade que não queremos ver com nossos desatentos olhos, mas que verte na pronúncia das causas a repetição de nossos hábitos. Talvez devamos sair um pouco, mas o caminhar solene só é assim por fases de cada ser humano em nossa busca pelo humanismo.
           Reiterar que a habilidade do homem reside em suas mãos é saber que, em virtude de uma página somente, tente reproduzir a vida que pulsa em todos nós, a qualquer ser vivente. O coração de uma árvore igualmente pulsa, nesta que possui os seus direitos sobre a terra, nesta que demanda a própria terra e seus seres, nesta que vive mais do que nós por vezes, não de um viver intenso em nossas idiossincrasias, mas de um viver sereno e tolerante… E que nos faça compreender melhor um possível espelhamento cabal e correto do ser inanimado e, no entanto, com o poder de nos abrigar… Remende-se qualquer troco de medida, qualquer valor a curto ou longo prazo de gananciarmos, que no trato com a bola a partida de uma árvore qualquer remonte nesta página a vida daquela, que tanta falta nos dá quando não existe mais, e que os pássaros reencontrem outras a quem faça a diferença como ser humano na hora de preservar a riqueza mais nobre que possuímos no rescaldo da vida, que seja, em uma página!


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