domingo, 25 de março de 2018

TEMPOS DE ESPERANÇA


          Era quase páscoa. Um navio havia atracado distante da praia, em lugar ao norte da ilha. Não que não seja ficção, pois a ilha era quase real… O comércio local respirava um arejamento diverso, os clubes de entretenimento rezavam por melhores dias, e o geral das expectativas se pronunciava bem no ritmo daquele insumo turístico. Ainda era março, e o calor no Sul demonstrava por vezes não dar tréguas. A vida pulsava, e Ariele prosseguia gostando dela. Tantos os elementos da Natureza, que esta merecia realmente uma capitular! Uma caixa alta, a homenagem discreta de se pronunciar em meio ao oceano ainda azul na sua profundeza, ou verde nas margens de um quase paraíso, pois na verdade o navio singrara muito até chegar no lugar: naquele lugar. Talvez houvesse uma inquietação, e isso era mundial, o que requeria esforço para não estar gostando de um cruzeiro, tal as posições relativas da humanidade. Pois sim, e por que não o cruzeiro? Por que a amargura beirava muitos no colapso existencial, se os pássaros continuavam a dar os ares da sua graça, e se a tecnologia bem ou mal aproximava mais do que isolar? Ariele fazia a viagem sozinha, e continuava a sua empreitada de acordo com os retornos que paulatinamente dava à sua história, em revoluções por minuto, em mudanças estratégicas, no modo de se firmar mulher independente, naquilo de que não dera certo com um homem e não esperava muito de se impor condições a respeito dos assuntos do amor… Caminhava com beleza, os olhos ardentes de coragem, uma mulher que sabia o que era bom, evitava más veredas, e prosseguia com o tom diáfano de sua imensa ternura.
          Vários foram os barcos que haveriam de fazer o traslado dos passageiros à terra firme, e a praia salpicava de gente. Na verdade, havia os que queriam se divertir com as festas, com a agitação, com o hedonismo puro que surgia naturalmente desses cruzeiros. Mas havia também idosos que gostavam das conversas, de conhecer os lugares e seus patrimônios, e muita mescla de gerações, uma saudável mescla que continuava a fazer de uma viagem desse porte o próprio patrimônio, este sim, da cultura de cada pessoa e seu compartir entre si.
          Estavam no Brasil, em uma ilha do Sul. Não importa, que na cabeça de muitos era tão prazeroso que se passava um tipo de ficção, um esquecer-se dos problemas, não propriamente a fuga de certas realidades, mas o encontro paulatino e belo por si, do conhecimento proporcionado pelo diálogo, por encontros que nem sempre eram concretos, muitos ensaiados com toques de fantasia, no entanto no pressuposto tão real quanto lindo das paisagens e das construções visitadas. O grande navio ficara ancorado, e os passeios eram por conta das escunas, e havia um trapiche na praia para seus calados menores, permitindo o acesso à praia. Havia bons guias, o panorama histórico recontado para os passageiros, uma culinária de espetáculo, outras mais frugais, um sonho que muitos realizavam por vezes depois de grande empreitadas de trabalho, em outras através de economias pétreas, no que a esperança não era tangida, surgia, realizava.
          Ariele estava na escuna que viera naquela manhã de sábado. Esta estava lenta e calmamente rumando na direção de uma ilha histórica que possuía um antigo forte. Um haitiano era o capitão, e a tripulação não passava de cinco, entre três homens e duas mulheres, sabedores de mecânica e alimentação. Foi servida uma refeição frugal, com muita salada, quibes, arroz e lentilhas, em sua base. Na verdade, ela não estava com muita fome, pois já havia comido um pouco naquela manhã, no navio. Este se chamava Cruiser Oceanic, um transatlântico muito robusto, de continente a outro com ótima autonomia e bons tanques de combustível. Havia sido fabricado na Inglaterra e comprado por uma companhia francesa. A empresa contava com quatro navios de grande porte e embarcações pesqueiras de mar aberto. Ariele conversava com um amigo que conhecera no navio, desde o Nordeste brasileiro. Ela era natural do Rio de Janeiro, mas morava em Recife já há seis anos. Trabalhava com análise de sistemas e possuía uma empresa de desenvolvimento de softwares. Mas o ofício de que mais gostava nas horas vagas era a culinária, e encontrara um contato extraordinário com Lupin, este homem que conhecera e que morava em Paris, trabalhando como chef de um restaurante afamado. Ele também viajava sozinho, e era inegável a sua simpatia e entusiasmo por uma conversa de alto nível, já que ambos eram amantes da literatura. Sabiam que em alguns lugares os contatos e as conversas eram mais padronizados, com a limitação da linguagem fácil dos dispositivos eletrônicos. Ela sabia o que havia por trás de todos esses sistemas integrados e eletrônicos: um grande volume de conceitos e questões inevitáveis a quem dependesse estritamente desses sistemas, quando muitos levavam a vida apenas na questão de se firmar sobre os pilares da tecnologia… Sentiam nas pessoas idosas um certo saudosismo como reflexo de estarem vivendo em outras vidas, aparentemente. Lupin e Ariele se davam muito bem, criaram uma boa relação de amizade.
           A vida seguia seu rumo e no lestado do vento abraçavam as sensações marinhas, sentiam o motor do barco, os bancos de madeira na popa, seguiam nas laterais à proa – a ver – onde as águas eram separadas pela certeza da navegação e de timão de madeira menos responsável do que no casco gigantesco de aço das águas profundas. O consentimento do mar em apoiar em que as ondas fossem favoráveis era o índice de respeito que residia no olhar do capitão negro. Um misto de tristeza e libertação vinha desse olhar, e à medida que se aproximavam da costa veriam um país gigante em uma ilha e a propensão de ignorar os que lá encontrassem – andarilhos do Norte – vendendo alpargatas e biquínis indonésios. Não, que não se ressentissem, pois a caminho das estrelas da noite anterior viram metais nobres, janelas bem encaixadas, cabines confortáveis, lautas refeições, o preço que limitaria o bem estar na nobreza do “distinto”. A esperança teria que ser construída em outros trechos, haveria o lote de populações, e as pessoas não olhariam mais do que seus próprios ventos, suas próprias preciosidades, assim de dizer, que não importassem tanto com o que veriam.
           Em tese, os tempos para os passageiros seriam de esperança. De modo que esta fosse compartida com outros, pois a vida pede passagem quando um casal se entende na literatura, e no mais, que não haja, não haverá o muito de se pretender. Mas que a esperança navegasse rápido no país continental, e as conversas e o ânimo registravam esse espírito.
          Pois bem, em virtude de Lupin e Ariele tivessem se entendido tanto, essa pequena história anônima serviria de inspiração para que todo o navio espelhasse naquele acontecimento as histórias passadas na ilha, o que acontecia no enquanto, como em um voo, como uma águia que seguisse os batimentos da terra e pousasse em cada sítio para ver como se sentiam centenas de pessoas da cidade quanto de saber que as notícias filmaram o acontecimento da passagem do navio, deixando a esmo outros acontecimentos que marcavam igualmente aquele sábado festivo de um final de verão.

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