Era
quase páscoa. Um navio havia atracado distante da praia, em lugar ao
norte da ilha. Não que não seja ficção, pois a ilha era quase
real… O comércio local respirava um arejamento diverso, os clubes
de entretenimento rezavam por melhores dias, e o geral das
expectativas se pronunciava bem no ritmo daquele insumo turístico.
Ainda era março, e o calor no Sul demonstrava por vezes não dar
tréguas. A vida pulsava, e Ariele prosseguia gostando dela. Tantos
os elementos da Natureza, que esta merecia realmente uma capitular!
Uma caixa alta, a homenagem discreta de se pronunciar em meio ao
oceano ainda azul na sua profundeza, ou verde nas margens de um quase
paraíso, pois na verdade o navio singrara muito até chegar no
lugar: naquele lugar. Talvez houvesse uma inquietação, e isso era
mundial, o que requeria esforço para não estar gostando de um
cruzeiro, tal as posições relativas da humanidade. Pois sim, e por
que não o cruzeiro? Por que a amargura beirava muitos no colapso
existencial, se os pássaros continuavam a dar os ares da sua graça,
e se a tecnologia bem ou mal aproximava mais do que isolar? Ariele
fazia a viagem sozinha, e continuava a sua empreitada de acordo com
os retornos que paulatinamente dava à sua história, em revoluções
por minuto, em mudanças estratégicas, no modo de se firmar mulher
independente, naquilo de que não dera certo com um homem e não
esperava muito de se impor condições a respeito dos assuntos do
amor… Caminhava com beleza, os olhos ardentes de coragem, uma
mulher que sabia o que era bom, evitava más veredas, e prosseguia
com o tom diáfano de sua imensa ternura.
Vários
foram os barcos que haveriam de fazer o traslado dos passageiros à
terra firme, e a praia salpicava de gente. Na verdade, havia os que
queriam se divertir com as festas, com a agitação, com o hedonismo
puro que surgia naturalmente desses cruzeiros. Mas havia também
idosos que gostavam das conversas, de conhecer os lugares e seus
patrimônios, e muita mescla de gerações, uma saudável mescla que
continuava a fazer de uma viagem desse porte o próprio patrimônio,
este sim, da cultura de cada pessoa e seu compartir entre si.
Estavam
no Brasil, em uma ilha do Sul. Não importa, que na cabeça de muitos
era tão prazeroso que se passava um tipo de ficção, um esquecer-se
dos problemas, não propriamente a fuga de certas realidades, mas o
encontro paulatino e belo por si, do conhecimento proporcionado pelo
diálogo, por encontros que nem sempre eram concretos, muitos
ensaiados com toques de fantasia, no entanto no pressuposto tão real
quanto lindo das paisagens e das construções visitadas. O grande
navio ficara ancorado, e os passeios eram por conta das escunas, e
havia um trapiche na praia para seus calados menores, permitindo o
acesso à praia. Havia bons guias, o panorama histórico recontado
para os passageiros, uma culinária de espetáculo, outras mais
frugais, um sonho que muitos realizavam por vezes depois de grande
empreitadas de trabalho, em outras através de economias pétreas, no
que a esperança não era tangida, surgia, realizava.
Ariele
estava na escuna que viera naquela manhã de sábado. Esta estava lenta e
calmamente rumando na direção de uma ilha histórica que possuía
um antigo forte. Um haitiano era
o capitão, e a tripulação não passava de cinco, entre três
homens e duas mulheres, sabedores de mecânica e alimentação. Foi
servida uma refeição frugal, com muita salada, quibes, arroz e
lentilhas, em sua base. Na
verdade, ela não estava com muita fome, pois já havia comido um
pouco naquela manhã, no navio. Este se chamava Cruiser Oceanic,
um transatlântico muito robusto, de continente a outro com ótima
autonomia e bons tanques de combustível. Havia sido fabricado na
Inglaterra e comprado por uma companhia francesa. A empresa contava
com quatro navios de grande porte e embarcações pesqueiras de mar
aberto. Ariele conversava com um amigo que conhecera no navio, desde
o Nordeste brasileiro. Ela era natural do Rio de Janeiro, mas morava em
Recife já há seis anos. Trabalhava com análise de sistemas e
possuía uma empresa de desenvolvimento de softwares. Mas o ofício
de que mais gostava nas horas vagas era a culinária, e encontrara um
contato extraordinário com Lupin, este homem que conhecera e que
morava em Paris, trabalhando como chef de um restaurante afamado. Ele
também viajava sozinho, e era inegável a sua simpatia e entusiasmo
por uma conversa de alto nível, já que ambos eram amantes da
literatura. Sabiam que em
alguns lugares os contatos e as conversas eram mais padronizados, com
a limitação da linguagem fácil dos dispositivos eletrônicos. Ela
sabia o que havia por trás de todos esses sistemas integrados e
eletrônicos: um grande volume de conceitos e questões inevitáveis
a quem dependesse estritamente desses sistemas, quando muitos levavam
a vida apenas na questão de se firmar sobre os pilares da
tecnologia… Sentiam nas pessoas idosas um certo saudosismo como
reflexo de estarem vivendo em outras vidas, aparentemente. Lupin e
Ariele se davam muito bem, criaram uma boa relação de amizade.
A
vida seguia seu rumo e no lestado do vento abraçavam as sensações
marinhas, sentiam o motor do barco, os bancos de madeira na popa,
seguiam nas laterais à proa – a ver – onde as águas eram
separadas pela certeza da navegação e de timão de madeira menos
responsável do que no casco gigantesco de aço das águas profundas.
O consentimento do mar em
apoiar em que as ondas fossem favoráveis era o índice de respeito
que residia no olhar do capitão negro. Um misto de tristeza e
libertação vinha desse olhar, e à medida que se aproximavam da
costa veriam um país gigante em uma ilha e a propensão de ignorar
os que lá encontrassem – andarilhos do Norte – vendendo
alpargatas e biquínis indonésios. Não, que não se ressentissem,
pois a caminho das estrelas da noite anterior viram metais nobres,
janelas bem encaixadas, cabines confortáveis, lautas refeições, o
preço que limitaria o bem estar na nobreza do “distinto”. A
esperança teria que ser construída em outros trechos, haveria o
lote de populações, e as pessoas não olhariam mais do que seus
próprios ventos, suas próprias preciosidades, assim de dizer, que
não importassem tanto com o que veriam.
Em
tese, os tempos para os passageiros seriam de esperança. De modo que esta fosse compartida com outros, pois a vida pede passagem
quando um casal se entende na literatura, e no mais, que não haja,
não haverá o muito de se pretender. Mas que a esperança navegasse
rápido no país continental, e as conversas e o ânimo registravam
esse espírito.
Pois
bem, em virtude de Lupin e
Ariele tivessem se entendido tanto, essa pequena história anônima
serviria de inspiração para que todo o navio espelhasse naquele
acontecimento as histórias passadas na ilha, o que acontecia no
enquanto, como em um voo, como uma águia que seguisse os batimentos
da terra e pousasse em cada sítio para ver como se sentiam centenas
de pessoas da cidade quanto de saber que as notícias filmaram o
acontecimento da passagem do navio, deixando a esmo outros
acontecimentos que marcavam igualmente aquele sábado festivo de um
final de verão.
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