Haveria naquela tarde, ali pelas três
e meia – talvez hora imprópria para sair no sol – algo de lendário no mar. A
quebra das ondas chegavam a uma pedra cortada que dividia duas pequenas praias,
entremeadas por outras pedras, dentro e fora da água. Elaine estava sendo
fotografada por Nádia, e seu véu media certo quilate de seu mistério.
Equivoquei-me ao tentar fotografar aquela ponta, em que se via metade da baía
que dava para o continente, pois um homem parrudo e bêbado me interpelou, e vociferava
para todos, como Lalo, um frequentador assíduo de um bar que falava solitário
entre o intempestivo existencial de seus lados. Elaine vestia um xale preto e
seu olhar era igualmente negro. Era um olhar lindo e forte como uma punhalada
de cigana, para não dizer que as pedras retinham um pouco da dureza daquela
gente do povoado de Castanheira. Suas casas tinham o suplício de uma dúvida, de
saberem-se divididos existencialmente ainda que irmanados em espaço. Meio que
tornavam território e sua pretensa conquista a mera caminhada com um cão. No de
se ver, ao perscrutarem o que não dava, pois a mim me chamou a atenção, como
sempre, a orla daquele mar talhado por recortes geográficos...
Eu estava caminhando a esmo, tentava
relembrar certos apontamentos e senti uma mão repousada à revelia em meu ombro.
Quando ia pensar em desvencilhar-me vi que era de Carmo, um antigo pescador.
Lembrei-o um pouco da falta de pássaros, ao que me anuiu que não havia tido
nenhuma gaivota morta, que ele não vira nada. Perguntei se ele sabia de Ricardo
Lemos, o jardineiro. Eu não o vira mais, e minha casa precisava de seus
serviços. Disse-me que estava em viagem para o Nordeste. Meio que consenti com
a cabeça, a troco de ficar meio desconfortável com a notícia. Carmo me passava
a impressão de que a pesca estava sempre, a cada dia, mais difícil. Esta era
refém de grandes embarcações, e seu sonho passava a ser um certo desejo de
tripular os grandes barcos, mas não para pescar predatoriamente, apenas
singrar, por singrar... A estranha simbiose do homem do mar pelas embarcações,
pelas ondas, pelas rochas.
Virei-me a certa altura, e vi um barco
navegando por entre as pedras, próximo da praia. Uma baleeira, com um homem de
pé segurando o leme, uma peça de madeira na popa como de pouco mais de metro,
uma haste horizontal. Ia tranquilamente, e me inquietou, pois meu – um dos meus
– sonho era saber navegar com desenvoltura, a saber, talvez em conhecer uma
carta náutica, ou mesmo ser dessa cultura de gente que aprende de pai para
filho, ou com antigos companheiros de jornada. Falei com Carmo, sobre esse
talento, e me disse ele que estava navegando aquele homem por um canal que
havia naquele itinerário, um canal fértil por onde antigamente passavam fartos
cardumes de vários espécimes. Ao que me disse, em conclusão: saiba você que o
fato do mar possuir seus canais é como o oceano de nossas existências. Por mais
que se saiba o caminho, às vezes não encontramos a fertilidade em outros que
navegam com barcos maiores que talvez já tenham açambarcado quase tudo que
havia. Em outros você vê ainda tarrafas sendo jogadas nas fertilidades
relativas... Só sabemos, nós pescadores, que sofremos ao ver os peixes sendo
estranhamente tirados de uma orla que conhecemos com os nossos braços, estes de
puxar as redes. A cada tubulação nova de esgotamento sanitário em nossas
praias, saberíamos melhor sobre o mundo se estivéssemos estudado química,
talvez, meu amigo.
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