quinta-feira, 28 de abril de 2016

O CAVALETE DE PEDRA

            Pois sim, passando as ruas, perto do mar, há um cavalete nos braços de um pintor que sempre fixa um bom lugar, ao lado de uma mesa de concreto, onde apoia seus materiais: pintará outro cavalete, de pedra, a rocha incrustrada, imóvel, quase soberba nas latitudes de suas texturas. Essas pinturas em seus contrapontos, uma melodia traçando com outras um harmonia com as tonalidades da dissonância. Seu material, pudera, era o mesmo espaço que denotava o todo, a preencher vazios, na maravilhosa palheta de Deus! Do todo preenchido, de suas lacunas nas dúvidas dos profetas, dos filhos e dos pais, daquilo que existe na arte e apenas nesta: uma manifestação por vezes tão única quanto um mero gesto, ou a erudição de um mago: ourives, alquimista, xamã, cacique... Transfundia-se a pintura com cavalete de campo ao cavalete marinho, a outra forma das rochas, o crescer de um suporte anímico das marés, as tocas submersas da vida. E o outro ourives em seu disco solar vinha como em um olhar gigantesco mostrar seu dilúvio de fogo de estrela. Um olhar que brilha algo maior do que possamos ver, visto ser incandescente na Verdade da Natureza.
            Postou-se Jerome, esse era o nome do artista. Não que importasse justo um nome, pois era um solitário quixotesco em suas vivências pelo planeta... Na sua própria condena justa, igualmente em ser seu próprio Sancho. Quando escrevia sua pintura, sabia de muitas tonalidades – destas talvez sobrescritas – que dirigiam, ou melhor, ajudavam a descrever suas pinturas, que a pintura – a se repetir a palavra – descia de seus arabescos históricos e tomava formas inequívocas na transparência do zelo do artista, este cuidar sereno que o acompanhava no modo assaz perscrutador de sua percepção e prática em construir a obra.
            No entanto, Jerome não sentia no modelo algo visível, como uno, em um todo que participava da própria comunhão da mesma rocha meio cavalete com as ondas que quebravam na sustentação de seu entendimento. Isso era fato. O mesmo fato de que o artista mesmo, virado um pouco rocha, sentia igualmente o borbulho da água em suas variantes de escumas e da maré do carinho, já que o que sustenta nossas veias pode ser o encontro do mar, ou o que significa apenas qualquer encontro com a força da Natureza. Por isso talvez São Francisco fora tão grandioso pelo seu próprio modal de contemplação e comunhão, no respeito e vivência com as coisas naturais e amor pelos bichos. A impressão que se leva para nossas casas com relação às santidades é que a não aceitação atual é ditada pelos padrões estanques de nossa cultura massificada, esta que por vezes é refém de manipulação espúria e indução perceptiva. No entanto, sempre poderá haver as gentes que preguem a tolerância entre os próximos, entre Estados, entre nações, ao menos ao se prever na atitude a consagração do gesto solidário.
            Não sempre se observa circunstancialmente essa realidade, infelizmente, mas haverá quiçá um modo sensato de civilizadamente conter-se algo do irascível, algo do reptílico, justamente quando suas causas venham a galope no que se vê do entretenimento massivo a que muitos são expostos. Ao que uma crítica cabal do que vemos ou sentimos a arte serve como meio de nos exprimirmos mas, que seja, a fim de que estejamos conectados a uma consciência superior, e que para isso talvez tenhamos que aceitá-la, ou pelo menos tentar compreender suas vertentes, a saber que na fruição desmesurada dos sentidos estaremos apenas mais e mais expostos a paixões equivocadas ou à ignorância. O ideal é sempre transcendermos o materialismo excessivo, no sentido de dar ao espírito a ingerência do nosso existir... 

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