sábado, 16 de abril de 2016

A ATENÇÃO DESMESURADA

          Giorgio, quando estava dormindo, não escutara uma reunião na rua. Mas acordou com um estampido, como uma tampa plástica pesada sobre a pedra, um barulho pouco decifrável, mas de amplitude grande... Não saberia traduzir certos sons noturnos. Agora nem saberia mais dizer quando fora, ao menos que acordasse olhando o relógio, pois que olhara o seu de pulso, e marcava quatro horas. Levantou-se, meio recolhido, foi ao banheiro, fez uma micção, lavou o rosto, estava exausto sem estar mais dormindo; como eram exaustos aqueles dias de abril! Não saberia muito o que fazer, pois o sono lhe faltava, e ainda por cima bebia um café amargo de dia anterior, pois queria se quedar a estudar um pouco da Bíblia. Era sempre assim, cruzava com gentes de diversas religiões baseadas no Antigo Testamento, quando ele inquiria, pois não conhecia nada da matéria. Algo que era de seu imenso interesse era o profeta Isaías, pois diziam que sua leitura abraçava metáforas complexas. E Giorgio não poderia dizer, posto ter fracassado quando, da atratividade de seu Krsna, abria o Baghavad Gita e sentia o archote de que necessitava. Mirava os pássaros, e era no espaço exterior que minava seu acerto material, aprofundando o teor espiritual, o que tornava melhor, a que se postasse uma ficção, a que não soubessem se escrevia, ou se outros escreviam sobre quase tudo, pois gostava de sua biblioteca. Embora parágrafos de ordem anímica o assoberbassem, tais cristais que supusessem os brilhos de seu espaço na confluência de diversos vieses de ordem espiritual, os Vedas continuavam a ser o fruto maduro de todo seu conhecimento escritural, pois Krsna, independente da condição humana, é o repouso de todas as criaturas vivas, e da própria matéria, supondo suas partículas infinitesimais, que incluem Sankarsana em seu âmago. Essa era a diferença entre crer no que há e não existir no que pensamos haver, pois toda a especulação filosófica perde em suas tonalidades algo cruas de fundamentos. A totalidade da certeza filosófica depende de algo que transcenda os critérios de uma mente atormentada por revezes sem conta e sem pares, no que temos que compreender, no caso de Giorgio, em sua acepção, da fé em seu montante guardado em esteios da Verdade, assim como ela se apresenta: na tolerância e na paz, o que torna essa máxima a Verdade em si, pois prega a conciliação, ao invés de algo insano que é a luta pelo poder.
          A se passar como Giorgio, nada seria mais transparente e lúcido do que a sensatez e a serenidade quando se torna esta possível, pois há que considerar que muitos não têm condições de manter uma vida serena, e a solução dessas equações torna-se factível pela conquista social, como a melhor distribuição de renda, dotação orçamentária plausível aos interesses dos movimentos sociais e reformas dos sistemas brutais de espoliação econômica. Aqueles que possuem serenidade e tempo para uma reflexão mais profunda tem o dever de contribuir para mostrar os fatos como eles são, ou no reducionismo necessário de um olhar mais centrado em uma questão pontual, que seja, mas que leve a outras que emergem de dentro de uma sociedade em deterioração de lideranças e embrutecimento ipsum facto de suas prerrogativas humanas, quando todas as ações políticas não passam mais pelo crivo de qualquer ética, e se dispõe de chicanas para defender os interesses de ocasião e vender o país para algumas famílias ou grupos externos. Isso não significa luta pelo poder ou vontade de poder, pois apenas um panorama igualitário onde se espera que a cidadania encontre refúgio em sua própria semântica, e que não precisasse em tese dessa busca algo burocrática que se chama escalonamento. Giorgio por vezes não tinha como evadir de suas buscas do significado em viver na sociedade, pois sim, todos somos, a partir de reivindicarmos o ar que respiramos, o pão que nos sustenta, seres políticos. Não necessariamente na política enfrentada hoje, em que cada dia vamos a nocaute e nos erguemos para receber outros golpes. Aliás, todos os dias os golpes nos são dados: quando vemos a manipulação da mídia, a cada hora, quando vemos a aproximação étnica de resguardo igualmente midiática e falsa, já que não propõe mudanças nas estruturas de poder, quando vemos na figura de um infeliz ou outro suas artimanhas... A cada instante um golpe baixo, principalmente quando nos apercebemos que todos os golpistas sequer possuem um plano de governo, qual não seja entregar nossas riquezas em um tipo de chacrinha onde só ganham os ricos. Giorgio ficava atônito com isso. Mais ainda com o grau infantil dos políticos de outras nações que compactuam com o mesmo golpe maior, um atrás, o outro na frente, um fornecendo, o outro pensando, as assertivas sem assertivas, a alocução de palavras, a forma inequívoca do processo e o teor das chicanas cruas jurídicas dando alicerce a toda a farsa.
          Giorgio era um homem comum, à sua maneira. Gostava de Elisa, mas Elisa gostava, ou tinha relações com outro, de nome Carlos. Essa era a história de amor frequente na linha de qualquer atitude, uma história simples. Pois bem, Elisa estava para entrar em sua casa, e Giorgio se barbeara cortesmente para recebê-la, de uma barba de mais de década, já que – perdido – queria qualquer tipo de carinho, quem dera, a ilusão de Giorgio, o não aceito, mas qualquer alusão com algum maluco é coincidência nefasta a quem lê, pois leiam ficção, que entorta menos o tutano! Nessas paráfrases a atitude do escritor pára um pouco e divaga... Nada a ver com o diário que recebeu como notícia da BBC, de uma moça perdida em um manicômio da Inglaterra: cartas anunciadas, notícias anunciadas, pois em notebooks ou celulares, caríssimos, ninguém sabe a real de certas notícias. Vindo de quaisquer fontes, há que se ter ideia de que há atenção desmesurada nas máquinas que possuímos, e que vivam as máquinas, pois estas levam, e o grau de democracia se eleva dia a dia, apesar de estarmos engessados em antigas estruturas representativas, mas sobrelevamos o ato da publicação, e uns publicam pouco, e outros são mais férteis, um tanto mais lineares, pois o flash não nos deixa parar mais tempo e desenvolver melhor a argumentação, até que se descubra o oposto necessário do que opõe-se a um modo quase contemporâneo na sua evanescente maquilagem das imagens e dos sons. Pois que vivamos nossos tempos: se nos reduzirem o online partamos para peças maiores. Se antes escrevíamos citações, que escrevamos contos. Se a lógica é funesta para alguns, tornemo-la melhor para outros, de outra competência, através de nossos repasses informativos.
          Existe em nosso abdômen a pélvis que segura ou ajuda – composta logicamente pela musculatura – as nossas vísceras, qual máquina maravilhosa que empreende a digestão do bom alimento, este que não nos falte em empreender certos quesitos. Essas vísceras lembram o cerne de uma máquina sistêmica, uma plêiade de redes e convulsas harmonias e dissonâncias dos estamentos culturais de nossa América Latina. Parece que começamos a engolir de um alimento mais emporcalhado, um pouco piorado, digamos. Porém, paliativamente, pois ainda sabemos que nossas dispensas dispõem de um bom feijão, de um bom arroz, sabemos que muitos, mas muitos mesmo dos nossos povos possuem do alimento para que passem os metros de nossos intestinos... Em uma boa digestão. Um átimo de tempo nos divide neste final ou começo de semana, algo a se preparar sempre de uma boa refeição. O fato é nosso trabalho, a força nos nossos braços, no braço de um camponês, não o fato je suis perdu dans ma vie. Não existe esse fato. Tudo se esperava de algum modo, o que se sabe é que as vestes foram trocadas há muito, e o que antes era um corpo já não é mais, e nada do que foi oferecido de alimento não foi considerado como o sacramento, pois se o foi seja melhor a continuarmos com o fato sagrado, pois que assim reza todo o processo civilizatório deste continente, assaz messiânico. Lembrem-se do que foi Os Sertões de Euclides da Cunha. Vejam que escreveu apenas um livro e foi assassinado. Muitos sequer folhearam. Lembrem-se do corpo de Cruz e Souza, lembrem-se de Che na Bolívia, dos golpes diuturnos nesse mesmo país. Quantas cruzes no Rio Grande do Sul, quantos levantes, quantos cárceres em nossa história? Por que remontarmos qualquer história que se nos apresentam, se as bandeiras dos que pediram recentemente a intervenção no país talvez veja mais atônita ainda as novas que são insufladas por tudo que ocorre nas esferas do Legislativo e Judiciário?
          Giorgio, em suas inquietações sabia que Elisa não o amava, mas que ele amava o país, e suas Elisas, Marianas, Luízas... O processo estaria ao menos escrito com apenas um fato ocorrido, um nocaute técnico fraudado, posto peso pesado contra pena? Os contrários à admissão de que uma mulher com as mãos limpas de crime, ou dolo, ou qualquer motivo ficasse justamente na presidência de uma República que seu próprio partido deu visibilidade aos olhos mundiais, agora querem tornar de novo o símbolo Mirandesco com suas bananas na cabeça, um país chamado Brasil? Será que não haveria qualquer laivo de bom senso na mente inquieta desses jogadores, será que blefam alguns e outros levam? Tomem consciência, parlamentares, isso pensava Giorgio, votar a favor do impeachment é a atitude mais sem fundamento moral e ético que pode atravessar a superfície de todo o Brasil, que até então tem se revelado um padrão na tolerância, na paz e na decência de seu próprio povo! Resta colocarmos as coisas como elas são: quem quer o petróleo?

Nenhum comentário:

Postar um comentário