Giorgio, quando estava dormindo, não
escutara uma reunião na rua. Mas acordou com um estampido, como uma tampa
plástica pesada sobre a pedra, um barulho pouco decifrável, mas de amplitude
grande... Não saberia traduzir certos sons noturnos. Agora nem saberia mais
dizer quando fora, ao menos que acordasse olhando o relógio, pois que olhara o
seu de pulso, e marcava quatro horas. Levantou-se, meio recolhido, foi ao
banheiro, fez uma micção, lavou o rosto, estava exausto sem estar mais
dormindo; como eram exaustos aqueles dias de abril! Não saberia muito o que
fazer, pois o sono lhe faltava, e ainda por cima bebia um café amargo de dia
anterior, pois queria se quedar a estudar um pouco da Bíblia. Era sempre assim,
cruzava com gentes de diversas religiões baseadas no Antigo Testamento, quando
ele inquiria, pois não conhecia nada da matéria. Algo que era de seu imenso
interesse era o profeta Isaías, pois diziam que sua leitura abraçava metáforas
complexas. E Giorgio não poderia dizer, posto ter fracassado quando, da
atratividade de seu Krsna, abria o Baghavad Gita e sentia o archote de que
necessitava. Mirava os pássaros, e era no espaço exterior que minava seu acerto
material, aprofundando o teor espiritual, o que tornava melhor, a que se
postasse uma ficção, a que não soubessem se escrevia, ou se outros escreviam
sobre quase tudo, pois gostava de sua biblioteca. Embora parágrafos de ordem
anímica o assoberbassem, tais cristais que supusessem os brilhos de seu espaço
na confluência de diversos vieses de ordem espiritual, os Vedas continuavam a
ser o fruto maduro de todo seu conhecimento escritural, pois Krsna,
independente da condição humana, é o repouso de todas as criaturas vivas, e da
própria matéria, supondo suas partículas infinitesimais, que incluem Sankarsana
em seu âmago. Essa era a diferença entre crer no que há e não existir no que
pensamos haver, pois toda a especulação filosófica perde em suas tonalidades algo
cruas de fundamentos. A totalidade da certeza filosófica depende de algo que
transcenda os critérios de uma mente atormentada por revezes sem conta e sem
pares, no que temos que compreender, no caso de Giorgio, em sua acepção, da fé
em seu montante guardado em esteios da Verdade, assim como ela se apresenta: na
tolerância e na paz, o que torna essa máxima a Verdade em si, pois prega a
conciliação, ao invés de algo insano que é a luta pelo poder.
A se passar como Giorgio, nada seria
mais transparente e lúcido do que a sensatez e a serenidade quando se torna
esta possível, pois há que considerar que muitos não têm condições de manter
uma vida serena, e a solução dessas equações torna-se factível pela conquista
social, como a melhor distribuição de renda, dotação orçamentária plausível aos
interesses dos movimentos sociais e reformas dos sistemas brutais de espoliação
econômica. Aqueles que possuem serenidade e tempo para uma reflexão mais profunda
tem o dever de contribuir para mostrar os fatos como eles são, ou no
reducionismo necessário de um olhar mais centrado em uma questão pontual, que
seja, mas que leve a outras que emergem de dentro de uma sociedade em
deterioração de lideranças e embrutecimento ipsum
facto de suas prerrogativas humanas, quando todas as ações políticas não
passam mais pelo crivo de qualquer ética, e se dispõe de chicanas para defender
os interesses de ocasião e vender o país para algumas famílias ou grupos
externos. Isso não significa luta pelo poder ou vontade de poder, pois apenas
um panorama igualitário onde se espera que a cidadania encontre refúgio em sua
própria semântica, e que não precisasse em tese dessa busca algo burocrática
que se chama escalonamento. Giorgio por vezes não tinha como evadir de suas
buscas do significado em viver na sociedade, pois sim, todos somos, a partir de
reivindicarmos o ar que respiramos, o pão que nos sustenta, seres políticos.
Não necessariamente na política enfrentada hoje, em que cada dia vamos a
nocaute e nos erguemos para receber outros golpes. Aliás, todos os dias os
golpes nos são dados: quando vemos a manipulação da mídia, a cada hora, quando
vemos a aproximação étnica de resguardo igualmente midiática e falsa, já que
não propõe mudanças nas estruturas de poder, quando vemos na figura de um
infeliz ou outro suas artimanhas... A cada instante um golpe baixo,
principalmente quando nos apercebemos que todos os golpistas sequer possuem um
plano de governo, qual não seja entregar nossas riquezas em um tipo de
chacrinha onde só ganham os ricos. Giorgio ficava atônito com isso. Mais ainda
com o grau infantil dos políticos de outras nações que compactuam com o mesmo
golpe maior, um atrás, o outro na frente, um fornecendo, o outro pensando, as
assertivas sem assertivas, a alocução de palavras, a forma inequívoca do
processo e o teor das chicanas cruas jurídicas dando alicerce a toda a farsa.
Giorgio era um homem comum, à sua
maneira. Gostava de Elisa, mas Elisa gostava, ou tinha relações com outro, de
nome Carlos. Essa era a história de amor frequente na linha de qualquer
atitude, uma história simples. Pois bem, Elisa estava para entrar em sua casa,
e Giorgio se barbeara cortesmente para recebê-la, de uma barba de mais de
década, já que – perdido – queria qualquer tipo de carinho, quem dera, a ilusão
de Giorgio, o não aceito, mas qualquer alusão com algum maluco é coincidência
nefasta a quem lê, pois leiam ficção, que entorta menos o tutano! Nessas paráfrases
a atitude do escritor pára um pouco e divaga... Nada a ver com o diário que
recebeu como notícia da BBC, de uma moça perdida em um manicômio da Inglaterra:
cartas anunciadas, notícias anunciadas, pois em notebooks ou celulares,
caríssimos, ninguém sabe a real de certas notícias. Vindo de quaisquer fontes,
há que se ter ideia de que há atenção desmesurada nas máquinas que possuímos, e
que vivam as máquinas, pois estas levam, e o grau de democracia se eleva dia a
dia, apesar de estarmos engessados em antigas estruturas representativas, mas
sobrelevamos o ato da publicação, e uns publicam pouco, e outros são mais
férteis, um tanto mais lineares, pois o flash não nos deixa parar mais tempo e
desenvolver melhor a argumentação, até que se descubra o oposto necessário do
que opõe-se a um modo quase contemporâneo na sua evanescente maquilagem das
imagens e dos sons. Pois que vivamos nossos tempos: se nos reduzirem o online
partamos para peças maiores. Se antes escrevíamos citações, que escrevamos
contos. Se a lógica é funesta para alguns, tornemo-la melhor para outros, de
outra competência, através de nossos repasses informativos.
Existe em nosso abdômen a pélvis que
segura ou ajuda – composta logicamente pela musculatura – as nossas vísceras,
qual máquina maravilhosa que empreende a digestão do bom alimento, este que não
nos falte em empreender certos quesitos. Essas vísceras lembram o cerne de uma
máquina sistêmica, uma plêiade de redes e convulsas harmonias e dissonâncias
dos estamentos culturais de nossa América Latina. Parece que começamos a
engolir de um alimento mais emporcalhado, um pouco piorado, digamos. Porém,
paliativamente, pois ainda sabemos que nossas dispensas dispõem de um bom
feijão, de um bom arroz, sabemos que muitos, mas muitos mesmo dos nossos povos
possuem do alimento para que passem os metros de nossos intestinos... Em uma
boa digestão. Um átimo de tempo nos divide neste final ou começo de semana,
algo a se preparar sempre de uma boa refeição. O fato é nosso trabalho, a força
nos nossos braços, no braço de um camponês, não o fato je suis perdu dans ma vie. Não existe esse fato. Tudo se esperava
de algum modo, o que se sabe é que as vestes foram trocadas há muito, e o que
antes era um corpo já não é mais, e nada do que foi oferecido de alimento não
foi considerado como o sacramento, pois se o foi seja melhor a continuarmos com
o fato sagrado, pois que assim reza todo o processo civilizatório deste
continente, assaz messiânico. Lembrem-se do que foi Os Sertões de Euclides da
Cunha. Vejam que escreveu apenas um livro e foi assassinado. Muitos sequer
folhearam. Lembrem-se do corpo de Cruz e Souza, lembrem-se de Che na Bolívia,
dos golpes diuturnos nesse mesmo país. Quantas cruzes no Rio Grande do Sul,
quantos levantes, quantos cárceres em nossa história? Por que remontarmos
qualquer história que se nos apresentam, se as bandeiras dos que pediram
recentemente a intervenção no país talvez veja mais atônita ainda as novas que
são insufladas por tudo que ocorre nas esferas do Legislativo e Judiciário?
Giorgio, em suas inquietações sabia
que Elisa não o amava, mas que ele amava o país, e suas Elisas, Marianas,
Luízas... O processo estaria ao menos escrito com apenas um fato ocorrido, um
nocaute técnico fraudado, posto peso pesado contra pena? Os contrários à
admissão de que uma mulher com as mãos limpas de crime, ou dolo, ou qualquer
motivo ficasse justamente na presidência de uma República que seu próprio
partido deu visibilidade aos olhos mundiais, agora querem tornar de novo o
símbolo Mirandesco com suas bananas na cabeça, um país chamado Brasil? Será que
não haveria qualquer laivo de bom senso na mente inquieta desses jogadores,
será que blefam alguns e outros levam? Tomem consciência, parlamentares, isso
pensava Giorgio, votar a favor do impeachment é a atitude mais sem fundamento
moral e ético que pode atravessar a superfície de todo o Brasil, que até então
tem se revelado um padrão na tolerância, na paz e na decência de seu próprio
povo! Resta
colocarmos as coisas como elas são: quem quer o petróleo?
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