Parte-se de um pressuposto em que a
paisagem seja nobre. Como é, não saberíamos, nem o diretor, nem o dramaturgo,
apenas o varredor de frente ao teatro, em seu movimento quase imperceptível
àqueles em que estariam presentes se o roteiro para a peça estivesse concluído.
Um roteiro mesmo, talvez não fosse esse o nome, mas um Corcel Andaluz valeria,
se já não existisse, mesmo em platôs românicos, onde a frase não caberia em
qualquer inquisidor, se houvesse, mas o tempo era outro. Nada disso seria importante,
bastaria imaginar qualquer peça, qualquer filme, qualquer ato, e no ato secular
o varredor varre tudo o que encontra, com o seu balé surrealista, de outro
modo, ou outro, ou aquilo que pensamos do trabalho é algo mecânico e a paisagem
torna-se nobre na liberdade, em que a palavra nobre não seja filtrada com a
aristocracia, pois outro dono de alguma seita conseguiu galgar essa questão, ou
a paisagem torna-se um quadro de Corot, e fica sendo algo maior... Triste, de
difícil acesso, de difícil argumentação, mesmo àqueles que se aferram tanto às
doutrinas de suas engenharias, medrando em seus solos intelectuais o que apenas
serve ao mestiere lavoro. O que se dê
ao luxo é do luxo, o que se dê ao varredor passa ao largo, neste nosso incrível
roteiro e modal característico. Cultura com preços. Aliás, ninguém é perfeito,
a uma peça global tantas são as faxineiras que gostariam de curtir com um
príncipe, pelo menos no script das novelas. Não há necessidade, já que se pode
comer um hambúrguer na hamburgueria mais próxima, ao preço máximo da carne e do
pão! Pois onde se come o pão acaba se comendo a carne, ou meramente tosca é a
troca de palavras que, perdoem-me os irascíveis, a semântica se não crê.
Mas não, o roteiro é de Noé, e sua
arca. Um roteiro de vigamentos, de engenharia, de bíblicos ensaios, de um rico
figurino, de todo um neón em tecnologia de computação gráfica onde torna-se
real um pano de fundo sagrado para algo que dá lugar a outras divagações.
Trabalho bonito, diga-se de passagem, apesar de algumas barbas serem mais higiênicas
do que os tempos do Mar Vermelho. Há que se estudar... Quem sabe?
Voltemos ao varredor: este continua, e
o teatro está vazio, ao lado de um cinema repleto. Um hidrante calado assombra
perto de uma faixa de pedestres na cercania, e um poste dá o tema dos tempos
modernos, suas fibras, seus cabos e transformadores: os prédios, igualmente, as
antenas, as janelas cerradas para não entrar fuligem, e a cidade quase respira,
repito, tempos modernos. O varredor termina o seu trabalho naquele fim de tarde
e mediana noite. Sabe de seus filhos, e todos prosseguem trabalhando. Não há
mais roteiro, tudo emana de algo, e passa um velho de cinquenta anos, já
cansado, já trôpego, e é o próprio roteirista que nunca escreveu além de
algumas estrofes inquietas, mas que não sabe da paisagem nobre, pois esta
estava em uma foto em um celular que vira em um balcão, um lugar inóspito
residente de sua morada do caminhar na cidade. A sua morada é fria, são frios
os habitantes, muitos urram no cinema 4D, gozam, riem, saem para os hambúrgueres
e a crítica fica indelével a toda a sociedade dos países do Norte em um
hemisfério em que, quem é esse velho para tecer alguma crítica? Não quer
encrenca. Senta-se, abre um livro, sobre Roma e a história do Duce. Está em
italiano, não sabe ler nessa língua. Pesca palavras, e estas não vêm, e
passa-se o tempo: tempos modernos, quase contemporâneos. Nessa salada grega
nobre se faz a salada. E vê abestalhado a notícia em um jornal em exposição que
barcos chegando à Turquia sofrem disparos.
O varredor fora embora há algum tempo,
o roteiro evanesce, o teatro permanece
vazio, e o rugir das feras se ouve dentro de alguns lugares, no
trânsito, nas calçadas, mas não cresce, também esvai, permanece estertorando em
vozes esparsas, em que uma cidade esquizofrênica não as escuta, apenas algum
roteirista que encontrasse no gesto de um pouco de palavras algum sentido de
arte, outros oxigênios necessários que o fossem – ilusão – para a Humanidade...
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