Não me lembro onde conheci
aquele homem. Estava de abrigo certo dia, um abrigo preto, com cinzas
nas laterais. Era, ou parecia, conforme, justo, não destoava de
nada, e minha necessidade de falar algo agora se pronuncia. As
feições eram de um idoso, e isso reconheci prontamente. Teria
poucos anos à sua frente, tal o feitio de sua estirpe… Já era um
tempo relativamente frio quando o vi saindo de um escritório de
contabilidade, e nisso já contava sexta-feira. Eu gostaria de ter
trocado palavras com esse senhor, mas seus olhos de ancião estavam
pelo modal do triste.
Tantos são os homens, os gays, as
mulheres, as lésbicas, tantos são os gêneros e, no que pude
arguir, ao homem, este senhor, nada importava pois, ao seu olhar tudo
era da natureza humana. Eu não tinha predisposição a julgar algo
e, de qualquer modo, só me importava ver tatuagens algo excêntricas
tanto em braços femininos, que imaginava como seria no resto…
Algumas imagens apareciam como caveiras, lápides, cruzes, e me
imaginava cravando no meu braço a palavra Radharani. Mas não,
pois teria que me lembrar sem referências escritas, pois de certo
modo eu gostava da ideia de não me perder fora da devoção,
querendo ser apessoado no sentido de ser de bom costume, de um
comportamento exemplar, que pudesse ser enquadrado como um cidadão
ilibado. Como me disse certa vez um devoto de Prabhupada, eu deveria
dar o exemplo, posto a rebeldia eu já havia depositado em outros e
tenros anos. Mas aquele senhor chamou-me a atenção pois seus olhos
denotavam uma grande existência, um quinhão repleto de luzes, algo
fortes em seus olhos claros. Levei a termo um legado, um simples
olhar, posto me bastasse assim o dia, um dia em que encontro um
monumento anônimo, como uma montanha que ainda não
conhecemos.
Nunca redargui muito a respeito das idiossincrasias
distantes do meu entendimento: o homem idoso sai de um escritório e
entra em uma padaria, e esse movimento me pareceu sublime pela força
e vitalidade de sua experiência. Os olhos são o espelho da alma, e
assim a gente continua a pensar ou a intuir a vivência dos seres,
desde um mero gato, um cão, o movimento de um pássaro a algo mais,
a vivência de um ser mais próximo como o senhor em questão, posto
possuir o dom da fala, esse tesouro franco quando sincero, e não a
tirania das entrelinhas… Não tinha como conversar com ele posto
estar taciturno em seu silêncio, e apenas imaginei ser um velho
quando mais idoso com essa mesma força de espírito. E senti ganas
de ser velho, talvez mais velho do planeta, coisa que demora ainda
alguma década ou duas.
Na aparente via de sermos mais jovens
ao querermos ser mais jovens, existe um contraponto em querermos bem
envelhecer, tornarmo-nos mais experientes, não um objeto de descarte
e, sim, uma demonstração de afeto pelo mundo: isso de envelhecer…
Gostemos de superar os obstáculos, cuidemos de nossa saúde,
minoremos as faltas, que o tempo eterno nos leve quando for nossa
vez, posto enquanto cuidamos de nossa saúde ao bem-estar da
experiência regula o tempo de nossas vidas!
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