sábado, 15 de maio de 2021

OS SENHORES BEM APESSOADOS

 

          Não me lembro onde conheci aquele homem. Estava de abrigo certo dia, um abrigo preto, com cinzas nas laterais. Era, ou parecia, conforme, justo, não destoava de nada, e minha necessidade de falar algo agora se pronuncia. As feições eram de um idoso, e isso reconheci prontamente. Teria poucos anos à sua frente, tal o feitio de sua estirpe… Já era um tempo relativamente frio quando o vi saindo de um escritório de contabilidade, e nisso já contava sexta-feira. Eu gostaria de ter trocado palavras com esse senhor, mas seus olhos de ancião estavam pelo modal do triste.
          Tantos são os homens, os gays, as mulheres, as lésbicas, tantos são os gêneros e, no que pude arguir, ao homem, este senhor, nada importava pois, ao seu olhar tudo era da natureza humana. Eu não tinha predisposição a julgar algo e, de qualquer modo, só me importava ver tatuagens algo excêntricas tanto em braços femininos, que imaginava como seria no resto… Algumas imagens apareciam como caveiras, lápides, cruzes, e me imaginava cravando no meu braço a palavra Radharani. Mas não, pois teria que me lembrar sem referências escritas, pois de certo modo eu gostava da ideia de não me perder fora da devoção, querendo ser apessoado no sentido de ser de bom costume, de um comportamento exemplar, que pudesse ser enquadrado como um cidadão ilibado. Como me disse certa vez um devoto de Prabhupada, eu deveria dar o exemplo, posto a rebeldia eu já havia depositado em outros e tenros anos. Mas aquele senhor chamou-me a atenção pois seus olhos denotavam uma grande existência, um quinhão repleto de luzes, algo fortes em seus olhos claros. Levei a termo um legado, um simples olhar, posto me bastasse assim o dia, um dia em que encontro um monumento anônimo, como uma montanha que ainda não conhecemos.
        Nunca redargui muito a respeito das idiossincrasias distantes do meu entendimento: o homem idoso sai de um escritório e entra em uma padaria, e esse movimento me pareceu sublime pela força e vitalidade de sua experiência. Os olhos são o espelho da alma, e assim a gente continua a pensar ou a intuir a vivência dos seres, desde um mero gato, um cão, o movimento de um pássaro a algo mais, a vivência de um ser mais próximo como o senhor em questão, posto possuir o dom da fala, esse tesouro franco quando sincero, e não a tirania das entrelinhas… Não tinha como conversar com ele posto estar taciturno em seu silêncio, e apenas imaginei ser um velho quando mais idoso com essa mesma força de espírito. E senti ganas de ser velho, talvez mais velho do planeta, coisa que demora ainda alguma década ou duas.
        Na aparente via de sermos mais jovens ao querermos ser mais jovens, existe um contraponto em querermos bem envelhecer, tornarmo-nos mais experientes, não um objeto de descarte e, sim, uma demonstração de afeto pelo mundo: isso de envelhecer… Gostemos de superar os obstáculos, cuidemos de nossa saúde, minoremos as faltas, que o tempo eterno nos leve quando for nossa vez, posto enquanto cuidamos de nossa saúde ao bem-estar da experiência regula o tempo de nossas vidas!

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