segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O AMULETO DE OSMAR

I

            A aldeia respirava outros ares naquele prenúncio de primavera. Osmar fumava seu cachimbo de roseira, perto de uma cancha de futebol, na vasta área militar do lugar, com um istmo interessante que dava a vista para a ilha, suas luzes que começavam a despontar em torno dos turvos ocasos. Um barco perto da orla mostrava uma letra manuscrita a estibordo, perto da proa, uma boa embarcação, em que dois jovens rapazes e um navegador veterano lançavam ao mar, com a haste vertical e sua rede pronta, de espinhéu, para uma pesca no meio da baía, aquela baía extensa que reunia em sua orla os bairros do continente. Conversavam entre si, pegavam, já com o motor da embarcação ligado, cestos, baldes, provisionamentos e farnéis de charque, açúcar, tabaco e uma garrafa de pinga para Elias, que apenas iria a passeio.
            Osmar chegara há pouco tempo no bairro. Viera a pedido de uma senhora que havia perdido o marido em circunstâncias meio duvidosas. A causa da morte havia sido afogamento, mas onde foi encontrado o corpo era bem distante de seu apartamento, e ele não voltara naquela noite, conforme seu hábito de chegar sempre à mesma hora, quando fechavam a loja de departamentos onde trabalhava, em uma área mais congestionada do bairro, este que se chamava Amendoeiras. Justamente naquela zona onde morava um bom número de militares da reserva havia alguns ranchos de pescador, e perto do terceiro rancho, em um pequeno molhe, em sua ponta, foi encontrado o corpo de Anselmo. Quem o encontrou foi um homem de segurança privada que parou a moto para fumar um cigarro, haja vista a jaqueta do morto ser alaranjada, ainda com o uniforme de trabalho. Repetindo: causa da morte por afogamento. O delegado Osmar colocou à disposição do trabalho três de seus subordinados para investigar a área, enquanto Osmar pensava sobre essa equação que indicava algo mais do que acidente ou suicídio, conforme relatara a mulher da vítima. Algo indicava uma quebra de rotina, a distância onde ocorrera a morte e, principalmente, um teaser que fora encontrado perto de uma capela localizada em um sutil promontório natural que servia como um mirante. Osmar fumava e tocava seu amuleto, um antigo colar de contas que ele conservava como recordação e tinha a mania de ficar contando pedra por pedra, nessas horas em que esperava maiores evidências ou maiores pistas. Observava alguns pássaros que vinham em profusão quando um homem dava alguns peixes. Levantou-se e foi falar com os pescadores que estariam saindo com o barco. Quando se aproximou com a jaqueta marrom mais antiga, os sapatos lustrados e seu boné, olharam meio de soslaio, como quem nota visivelmente a presença de um forasteiro. Elias olho-o e esperou que Osmar chegasse mais perto. Franzia o sobrecenho num trejeito de bêbado. Chamou-o.
            - Convenhamos, estamos no meio de uma confusão sem tamanho. – Meio estrábico, Elias olhava por sobre, num viés de expressão dura, mas ao mesmo tempo gracejava, indiferente. Os outros pescadores apenas se aquietaram e Osmar se dirigiu a um com farto bigode, que de qualquer modo parecia mais receptivo.
            - Há alguém que more nestes ranchos, ou que cuida dos barcos à noite? – Perguntou.
            - Sim, respondeu o de bigode. Trabalha como guarda noturno e vigia os ranchos.
            - Desde que horas até que horas?
            - Cerca das dez da noite até às quatro e meia, cinco horas.
            - Onde eu posso encontra-lo?
            - Ele mora a quatro quarteirões daqui. Trabalha também como frentista na parte da manhã. O senhor pode encontrá-lo a esta hora no posto de gasolina Imperador Lineu.
            - Fora ele, ficou mais alguém aqui nesta madrugada?
            - Olhe, tomamos um pouco de pinga ontem, eu saí às nove. Geralmente nos reunimos depois do trabalho para conversarmos. Temos esse hábito, mas sempre voltamos para a nossa casa mais cedo.
            - Algum de vocês porta um teaser?
            - Não sei do que está falando, senhor...?
            - Inspetor Osmar, da homicídios. Encontramos um perto da capela, usado. Você não sabe o que é um teaser?
            - Não, isso eu sei, senhor... Mas quem...
            - Por enquanto é só, não saiam da cidade, já que estamos averiguando tudo. Quero apenas que anotem meu telefone e, se possível os pescadores dos ranchos todos pelas sete e quinze da noite amanhã. Quero todos aqui. Por enquanto é só.

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