I
A aldeia respirava outros ares
naquele prenúncio de primavera. Osmar fumava seu cachimbo de roseira, perto de
uma cancha de futebol, na vasta área militar do lugar, com um istmo
interessante que dava a vista para a ilha, suas luzes que começavam a despontar
em torno dos turvos ocasos. Um barco perto da orla mostrava uma letra
manuscrita a estibordo, perto da proa, uma boa embarcação, em que dois jovens
rapazes e um navegador veterano lançavam ao mar, com a haste vertical e sua
rede pronta, de espinhéu, para uma pesca no meio da baía, aquela baía extensa
que reunia em sua orla os bairros do continente. Conversavam entre si, pegavam,
já com o motor da embarcação ligado, cestos, baldes, provisionamentos e farnéis
de charque, açúcar, tabaco e uma garrafa de pinga para Elias, que apenas iria a
passeio.
Osmar chegara há pouco tempo no
bairro. Viera a pedido de uma senhora que havia perdido o marido em
circunstâncias meio duvidosas. A causa da morte havia sido afogamento, mas onde
foi encontrado o corpo era bem distante de seu apartamento, e ele não voltara
naquela noite, conforme seu hábito de chegar sempre à mesma hora, quando
fechavam a loja de departamentos onde trabalhava, em uma área mais
congestionada do bairro, este que se chamava Amendoeiras. Justamente naquela
zona onde morava um bom número de militares da reserva havia alguns ranchos de
pescador, e perto do terceiro rancho, em um pequeno molhe, em sua ponta, foi
encontrado o corpo de Anselmo. Quem o encontrou foi um homem de segurança
privada que parou a moto para fumar um cigarro, haja vista a jaqueta do morto
ser alaranjada, ainda com o uniforme de trabalho. Repetindo: causa da morte por
afogamento. O delegado Osmar colocou à disposição do trabalho três de seus
subordinados para investigar a área, enquanto Osmar pensava sobre essa equação
que indicava algo mais do que acidente ou suicídio, conforme relatara a mulher
da vítima. Algo indicava uma quebra de rotina, a distância onde ocorrera a
morte e, principalmente, um teaser que fora encontrado perto de uma capela
localizada em um sutil promontório natural que servia como um mirante. Osmar
fumava e tocava seu amuleto, um antigo colar de contas que ele conservava como
recordação e tinha a mania de ficar contando pedra por pedra, nessas horas em
que esperava maiores evidências ou maiores pistas. Observava alguns pássaros
que vinham em profusão quando um homem dava alguns peixes. Levantou-se e foi
falar com os pescadores que estariam saindo com o barco. Quando se aproximou
com a jaqueta marrom mais antiga, os sapatos lustrados e seu boné, olharam meio
de soslaio, como quem nota visivelmente a presença de um forasteiro. Elias
olho-o e esperou que Osmar chegasse mais perto. Franzia o sobrecenho num
trejeito de bêbado. Chamou-o.
- Convenhamos, estamos no meio de
uma confusão sem tamanho. – Meio estrábico, Elias olhava por sobre, num viés de
expressão dura, mas ao mesmo tempo gracejava, indiferente. Os outros pescadores
apenas se aquietaram e Osmar se dirigiu a um com farto bigode, que de qualquer
modo parecia mais receptivo.
- Há alguém que more nestes ranchos,
ou que cuida dos barcos à noite? – Perguntou.
- Sim, respondeu o de bigode.
Trabalha como guarda noturno e vigia os ranchos.
- Desde que horas até que horas?
- Cerca das dez da noite até às
quatro e meia, cinco horas.
- Onde eu posso encontra-lo?
- Ele mora a quatro quarteirões
daqui. Trabalha também como frentista na parte da manhã. O senhor pode encontrá-lo
a esta hora no posto de gasolina Imperador Lineu.
- Fora ele, ficou mais alguém aqui
nesta madrugada?
- Olhe, tomamos um pouco de pinga
ontem, eu saí às nove. Geralmente nos reunimos depois do trabalho para
conversarmos. Temos esse hábito, mas sempre voltamos para a nossa casa mais
cedo.
- Algum de vocês porta um teaser?
- Não sei do que está falando,
senhor...?
- Inspetor Osmar, da homicídios.
Encontramos um perto da capela, usado. Você não sabe o que é um teaser?
- Não, isso eu sei, senhor... Mas
quem...
- Por enquanto é só, não saiam da
cidade, já que estamos averiguando tudo. Quero apenas que anotem meu telefone
e, se possível os pescadores dos ranchos todos pelas sete e quinze da noite
amanhã. Quero todos aqui. Por enquanto é só.
Nenhum comentário:
Postar um comentário