Ricardo acordara cedo, em torno das
cinco horas. Teria um encontro, algo muito superficial, pelo que pode entender.
O sofrimento psíquico dos remédios da manhã partia para seguir seus passos, mas
estava em liberdade, pois o hospital havia sido duro... No entanto saíra bem
desses contratempos, pois graças a não saber, quiçá a algo qualquer, possuía um
espírito forte, focado, o que conferia vantagem em inteligência. Gostava de
estudar: sua principal mania. Estivera na Igreja ontem, mas saíra antes da
comunhão e um livro de Boff à noite lhe apascentou os ânimos, tal a riqueza do
grande teólogo, um grande investimento, como considerava seus livros, seus
papéis, o modo do desenho: outra mania. Não descartava a possibilidade de estar
com gente sincera, mas os tempos de revolução tecnológica atalhavam um pouco
essa possibilidade, já que o ego se tornara a principal moeda de troca do
sistema globalizante, e os aparelhos celulares já eram mais do que uma muleta
existencial, passando a ser uma própria extensão do corpo. O curioso é que
muitos sequer se situavam nos conceitos de crítica ou mesmo de consciência
desse paradigma, no que vinha a ser uma sociedade de botões e cabos, quase um
paradoxo de sistemas que se entrelaçavam, e que eram citados em todos os tipos
de serviço que dependessem exclusivamente das conexões digitais. Bancos de
dados eram utilizados para negócios, por vezes escusos, dentro da miríade sem
fronteiras dos interesses transnacionais. O mundo nesse sentido tornava-se pequeno,
e a rua passava a ser uma incógnita, tais eram as eclosões dos condomínios
fechados, e suas academias silentes no processo, o que tornava o espaço externo
mero ente desconhecido.
Gabriela marcara com Ricardo um
encontro em um lugar para onde seu GPS apontasse, no que estivessem mais perto
um do outro, dentro da visão algo neutra e sua, particular. Não que Ricardo
tivesse ilusões a respeito do encontro, mas que se bastasse a companhia humana,
era o certo apenas em seus predicados. Gostaria de poder falar bastante, mas a
expressão livre possuía seus óbices. Por isso escrevia, gostava de dizer algo a
si mesmo, que fosse, e a sua audiência partilhava das revisões raras dos
escritos, por alto, como quem preza por um rebatimento necessário. Nisso de
encontros, Gabriela não sabia como estava Ricardo, posto há tempos que não se
viam, e usaram da máquina para tal, o que talvez já conferisse, dentro do
idealismo central de ego dos gadgets,
a dificuldade de encaixar – já de ante mão – uma relação franca e verdadeira
entre os dois, posto não valesse erros, posto a máquina os ocultar. Esse
estranho modo de se comportarem os encontros encerravam as paródias dos mesmos
desfechos tão comuns à época, de se desligarem um ao outro como quem aperta um
botão desativando comunicações, nas fronteiras de uma não tolerância, mesmo
sabendo que fosse ausente esta quase sempre, no encaixe sistêmico de possíveis
outras conexões substitutivas.
Não haveria mitos na filosofia dos
tempos, pois o que se esperava de uma veia em texto já sentia a sincronização
de uma lógica, na relação linguística entre os povos e seres do planeta,
cabendo a interpretações perscrutadoras o próprio modal dos sentimentos do
tempo. Que tempo? O novo milênio... Com toda a sua parafernália. O lugar de nossa
cena? Brasil, o grande coração das Américas. Com tudo o que se pensasse do povo
brasileiro, a forma de sobreviver uma consciência desperta despejava
contêineres de pérolas a uma ignorância em que se tornava a ingerência do
Governo no modal da educação, nas questões da intelectualidade que não
alcançava o povo, os pensamentos que muitos – sem sequer ler – acreditavam que
já se haviam dito. Isso talvez fosse o panorama algo obsoleto em se dizer, mas
que traçava, antes de qualquer posição, fosse moral, política ou de ideias os
planos existenciais inquietos daquele tempo, o nosso tempo, o tempo nada
etéreo, pelo contrário, um tempo algo cáustico. Saberiam se portar os
litigantes do novo milênio, ou ensaiariam novas tragédias para consolidar um
caudal de ditames de algo não muito salutar? Podemos crer que algo não é positivo para a
humanidade, mas devemos sempre abraçar realisticamente a situação em que nos
encontramos e por onde segue a civilização contemporânea, onde até mesmo a água
nos é assaz preciosa, e pode vir a faltar em muitos lugares se continuarem com
a mesma postura de descaso em relação aos rios e aquíferos, por exemplos de
firmeza paradoxal, onde podem vir a ocorrer no planeta desfechos trágicos,
desde onde se houvera a devastação crônica empenhada e renitente no correr de
todos os tempos. Ainda não coubera à consciência do sapiens sapiens que todos
esses problemas possuíam equações com soluções óbvias, mas batiam de frente com
empecilhos fortes tão grandes como as especulações sem conta. A questão era
mais ampla, mas seu reducionismo sempre tornaria tudo mais fácil, pois o
emprego de atitudes mais renováveis em seus diálogos seriam as respostas que gostamos
de escutar e ver realizadas nas civilizações que são respeitadas por líderes
que fazem de uma democracia algo em que possamos confiar...
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