quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

UM CONTO DE UMA CIDADE PRONTA

 


            A questão primeira daquele semáforo, daquele entroncamento, era um trânsito e a mulher negra estaria querendo pegar um ônibus... Seu nome era Clara Nunes, como o da cantante, já se fora o tempo, aliás, haveria em outro um senhor que dissera: justo ter morrido a sambista, afinal, os Rosa Cruzes não gostam muito do folclore. Eu havia escutado com um pouco de estupor, e redargui: samba é folclore? Dito que um dia se revelava o conhecimento oculto, quase como uma semente dentro daqueles anos de oitenta, do século XX, por alguns eventos nem tão saudosos, aliás, democraticamente para o nosso país apenas algo de embrião embrionário ainda, nisto de não sair quase de uma semente mal germinada, e devidamente mesclada com esse ocultismo, via de regra, já preparando uma sociedade corrompida e ímpia, onde o mesmo rozencrantico afirmara que o pecado não existia... A ordem, seria até interessante, o dilema dos egípcios, os sacerdotes do Nilo, a terra oca, a fantasia, tudo até então, um panorama de poucas luzes, a influenciar a fraqueza do pensamento humano e dando margem às invectivas que depois seriam fadadas às invasões bárbaras dos fundamentalistas cristãos.
            Clara queria pegar o ônibus, e estava do outro lado da rua... Não se saberia mais de nada que não fosse o andamento de uma questão mais simples do querer, pois para mim apenas pediu a informação. Dissa-lhe eu:
            - Senhora, o ônibus que passa por aqui vai adiante, para a ponte tem que pegar do outro lado. Aliás, senhora, me perdoe por, bem...
            - Como, bem vês que não estou bem feliz... É isso, meu caro?
            - Eu não sei, sabe-se lá, as pessoas são cruentas, sabes? Um dia um cara ficou irado porque eu reclamei que ele estava querendo me atropelar... Estava em uma mercedez! Se passa que esses pequenos demônios parecem um bando de corvos certos dias, a gente vê, e eles estão em revoada. A senhora sabe, os morcegos dormem de dia, há os que saem de dia, mas os olhos hão de estar mais travados... Meio que saem para pegar coisas inocentes, para vasculhar, moças bonitas nem sempre são benvindas pela maldade desses monstrengos, desses diabos! Eu me chamo Claudinei, e você?
            - Clara, a Nunes... – riu. – Pois é, a gente se pega em certos dias, você me vê na rua e tem gente que passa por cima do meu olhar, dos meus sapatos, tem gente que a gente não vê por entre o fumê das latas. E pior, Claudinei, tem gente que acha que te ama por um dia, no outro reclama que tem dó de ti, e no outro tem medo de você e de teu jeito de levar a vida, quando vê que tem dias que os morcegos estão em outro lugar e dão espaço para as andorinhas, acham que tá tudo tão rosinha como o cuzinho e passam a te amar de novo. E, quando mal sabe, o abutre salta do galho que não viram e entra no buraco e fica roxo aquilo mesmo que estás pensando, meu garoto!
            - Pois sim, que anátema, minha cara Clara, nunca vi uma mulher ser tão chula, mas tens razão, eu acredito que tudo veio da porra mal anunciada. Daquela que fecunda na base que vaza e pega, entende, o filho que não queríamos, aquela foda que não deu certo, que gerou o mal desejo. O criador e a criatura, e tem gente que sente prazer no mal, na maldade. Sacristia! Cultura, minha cara, isso pega, a revolução cultural no mundo se faz necessária, aquele chinês tinha toda a razão... Certos pensamentos revolucionários não passam de felação na relação, uma felaçãozinha básica, vestir o preservativo na boca. Ou massagear com a vulva. Desculpe, desculpe, não queria que fosse dizer o indevido!
            - Meu caro, no morro não tem nega pra ti, não... Os caras tão fazendo de nossos filhos os boings do futuro, carregando de 50 papéis de vez... E vou lhe dizer mais, eu conheço esse tal chinês, eu acho que a guerra contra as drogas deveria vir antes, pois ninguém lê um livro ou consegue racionalmente dar um bom xeque se tá travado! Classe média é classe, droga é droga, na classe e na média, meu caro... Economês e para os Furtado que furtaram pra cacête. Não tem quórum para aprovar, mas tem para prender tudo, incluso outros tipos de desafetos, se é que hão... Tão matando gente para costurar porcaria nas vísceras, para tirar os órgãos, tão com tanto ódio de orientais que partem com tudo, são diabos, eu lhe to creio, mas são das catervas mais imundas, companheiro. A verdade que os úteis são poupados, aqueles que geraram os votos, tanto de um lado como outro, você só vence um sistema da ignorância mostrando as palavras certas no momento exato, e é com essa exatidão que a coisa funciona, Claudinei. Eu sou Clara, eu estou na comunidade porque estou, você nunca me visitaria, eu sei, por isso não lhe darei a mínima sobre a sua opinião, sei que você é um cara bom, mas quando falam que a mulher é viada quando dá o ânus para uma relação eu assumo que o seja, meu caro trapalhão. Não queira mudar o mundo, todas estão transando por trás, e antes que não o façam já aparece um garanhão que viram referenciado na cultura industrial de fetiche, que envolve e come o rabo ferroando, entendeu, aí a mulher quer que ele a chupe ali, bem onde defeca, bem onde sai o bolo fecal... O mundo é um grande ânus, meu caro, e quando alguém acredita que encontrou a consciência, depois de mais uma ferroada parece que atingiu o nirvana, aí sai toda cheirosa, gostosa, transando tudo e todos, e aí a droga é mais um ânus na vida do ganho de Homero do fracasso, meu fraco libertador. E tem cara que pega à força, e tem mulher que gosta de ser tapeada na bunda, em pleno ato, isso é orgia, meu caro, é a Roma que querem, por isso os jude detestam a Igreja do Papa, o papa é o PAPA. É o sumo cardinal, entendestes? Eu o sei porque me reeduquei e é sobre isso que lhe falo, quando comecei a ver meu traseiro como um local onde me limpo depois de comer a refeição e descobri que possuo todos os sexos na minha frente, com a minha flor sagrada, meu caro, não queiras pontuar, não sabes da nova mulher que está surgindo, portanto, camarada, não sofras pelos corvos, eles vão sempre existir, basta que os espantemos com a invectiva de nossos pedriscos. É de sua natureza, o urubu disputa o peixe com a gaivota, e é mais forte, não queira justificar escolhas, quando o urubu está agindo ele faxina, e se tua mulher é uma cucaracha da noite, saiba que ela pode ser a única carocha existente na tua vida, e que você um dia pode ser um guerreiro e no outro nascer porco!
            - Aí você toca no ponto, é isso que eu quero, que os porcos ganhem sempre, sabe por que? Pois falaste mal do porco, e teu boxer não vale mais do que um porco, que é mais inteligente, e sabes mais ainda? Sabe porque o animal que mais admiro é a barata? Porque é o único que conheço que se vira e abandona o corpo a bel prazer, quando lhe basta a vida, e por onde ainda nenhuma câmera procurou entender, pois cada qual reside no quadrado de si mesmo, e sabe onde mora isso? Nas pedras que nunca saem fora do lugar, ou naquelas que a Intifada liberta como manifestação maior da resistência de um povo todo no planeta Terra!

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