Abri a porta da casa, estava
quente naquela tarde, o sol cáustico, vivas almas não havia, nas antes salas da
rua, quase... Três sacos negros na Associação, a grade estava fechada, e um
homem com bermuda cinza escura, de sandálias de dedo, com uma saco de latas,
aguardava-me, em frente, na calçada oposta. A fachada da casa por detrás tinha
alta e bicuda cumeeira, várias janelas triangulares, uma geometria vasta e
rica, os tijolos dispostos, de verdade, tijolos aplicados em fieiras, à vista,
bela construção, apesar de estilo quase ocidental. Não que fosse apenas, mas eu
me sentia à vontade com a falta compulsória dos estilos. Estava meio virado o
homem, os trejeitos, meio que a boca retorcia um pouco, dava de ver a trava. Bem,
era um bom camarada, e eu o chamei:
- Como vamos? – disse. –
Trouxe algum brinquedo?
- Sim, lhe mostro... –
redarguiu.
Puxou de dentro de uma pequena
sacola dois pequenos carros de plástico laranjas, com as rodinhas, meio truckzinhos,
um tipo de pequeno estepe de encaixe, sem encaixar bem, desconstruídas as
peças, e eu sabia que ele sabia que não tinha maiores valores, assim de
negociar qualquer preço de ajuda de pretexto, o homem havia caminhado bastante,
e as latas não lhe bastariam sem o reforço meu, a usina era a oito quilômetros,
ele estava travado de pó. Mas... Havia algo a ser reparado, uma outra questão. Quiçá
uma solução diplomática.
Falei que guardasse os
carrinhos, que eu não gostara. Lhe disse depois:
- Meu amigo, eu gostaria que
falasses com o Edivilton lá no morro. Você soube do rolo, né? Bem, sim, sei que
deva saber, pois é, peça meu perdão. É um pequeno passo em minha vida, se me
entendas, uma reparação. Sei que ele não é um assassino e, se já foi, não o será
jamais comigo, melhor dizendo, não me mataria, posto eu não o vejo como um e
nem o lhe creio assim, em essência, mas luta bem o desgraçado... – Ri. – Basta que
me entendas, passe no barraco dele, na casa, sei que é alvenaria, mas não
importa, ele que viva melhor, uma ajuda concedo a ele, pela reparação... Pelo
perdão, se puderes, se morares de acesso. Pega aqui, lhe dou estas notas, pega
duas pela caminhada e dá o restante, na palavra, tá? Diz que eu não quero me
inimizar, mas lhe diga também para não trazer arma branca para cá, não é legal,
e o álcool, bem, meu caro, esse é o problema, o ego cresce, vem a explosão e os
fascistas não gostam de negros, bem sabes. Há negros no entanto, que cumprem
serviço e combatem seguindo ordens, mas é parte das forças militares fascistas
e isso você tem que saber também, nem toda a cor é a mesma, mesmo sendo a mesma
cor. A morte não vem da cor e nem sempre do preconceito, se me entendes... Peça
pra passar por aqui, ele é um grande camarada meu, me entendes? Creia-me, não
há diferenças no espaço público, mas quando se porta uma faca pode dar rolo,
pois a arma, seja qual for, confere predisposição, e se alguém tem que resolver
tem que se valer do que tem à mão do que se encontre, e vale um galho, uma
pequena pedra, posto o improviso até o teatro natural concede, brother! Busco a
paz, sou o oposto do que é infalivelmente fatal, posto creio apenas na
fatalidade no sentido do inequívoco sentido da vida, assim me posto perante os
seres totais, no tudo que é, mesmo nas rochas, índio, eu encontro nas rochas e
na lua o mesmo significado, percebes? Não é viagem não, não cumpro ordens dos
homens, minha chefe é a Natureza e quando seu sexo se abre é para ver as
estrelas por dentro, posto em minha perna Aquiles me botou o tendão... Chego a
crer, brother, que nem inventaram a pólvora e eu temo, pois Edivilton a conhece
bem, e isso realmente temo...
- Tudo bem Zé, eu sei, eu sei,
farei. Falarei com ele, e não terá ele maiores problemas, seu que é um cara
bom. E você...
- Eu tento, meu amigo! Leva a
grana e mais, diga a ele que é um dos melhores soldados que jamais conheci.
Diga que preciso do seu conhecimento da luta, pois sabe ele que sou branco, mas
sou conhecido por negro, em alguns lugares, me entendes? Mas não sou o que
pensam que sou, sou o amálgama que constrói a paz, apesar de precisar dos
fortes para fazê-la acontecer! Era apenas um ressentimento na minha cabeça, só
isso, nada mais, fiz-me entender?
- Positivo!
- Então vai, te avia, fica com
quinze.
- Té então, companheiro, grato.
- Eu é que agradeço...
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