sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

AURELIANO E SEUS CÁLCULOS

            Uma carga de tributos fazia com que Aureliano quase perdesse o controle de suas contas, seus volumes, o que considerava justo ou não, mas de todo compulsório, infelizmente para ele e a maior parte das empresas menores, não havendo como compatibilizar a sua, porquanto fosse apenas ele o trabalhador. Um tipo de empreendimento que se fazia oportuno em uma época em que emprego com carteira estava cada vez mais raro, visto com uma aposentadoria com contribuições a perder de vista... Fazia ele muitos cálculos, e um que se predisse fosse a proporção de bons ganhos era de estranhas aritméticas, haja vista não ter muita assistência externa para um contador. Quanto produzia, daqueles bonecos de biscuits, que com muita arte fabricava a sua esposa, e que ele assumia integralmente o processo algo burocrático em que agora – nesses tempos modernos – se transmutava em turva questão o comércio, seus entraves e competições. Se mais arte fosse a quantia que agregava valor ao objeto, a educação artística proporcionalmente daria futuro cultural a empreitadas desse porte, e uma crítica saudável e necessária ao modal produtivo, à manufatura como um todo.
            Separar-se-á a educação como um todo? A noção evidente de que a arte de uma nação seja mais importante no lado econômico igualmente trará perspectivas mais altas à sociedade, em uma pequena comunidade, nesta majorada, um bairro, uma cidade, obviamente de forma independente dos veículos eletrônicos nessa jornada do fazer artístico, no que pontua também o construir e o expressar. Nessa concomitância de valores, outro que se agrega passa a ser a saúde mental do artista, quando este confere posições solidárias em uma economia mais fechada de mercado... Em síntese, agrega-se valor na autenticidade da arte ou artesanato, compreensão da sensibilidade da manufatura, necessidade da expressão, o construir que não se dissocia da psique e habilidade motora, e suas metáforas sociais necessárias, como uma educação de qualidade humana que busque não banalizar o talento e o esforço, quando empenha mais recursos na tecnologia apenas. Nas interações sociais, só se constrói algo de vulto a partir de dominada as origens; ensinar arte e literatura, insistir no crescimento cultural de uma nação passa a ser vivência cotidiana em países que queiram emergir, quando for possível a um menino achar mais interessante empunhar uma caneta do que um fuzil.
            Aparentemente, essa questão da violência que persiste nos nubla a tal ponto de nos alimentarmos com as notícias consequentes, mas procuremos mais por notícias que construam, que expressem, que fazem da literatura, por exemplo, o cotidiano de um povo, ao menos que não arrefeçamos o debate, e façamos da invectiva saudável de investirmos na educação que abrace aqueles que estão na pobreza, aos filhos de pais que emprestam sua força de trabalho a preço irrisório e ainda voltam para casa pedindo permissão a sinistras facções criminosas. Revisitemos a história, comparemos o Governo do Rio de Janeiro de Leonel de Moura Brizola e seu amigo Darci Ribeiro para sabermos o que foram os CIEPS, simplesmente a melhor iniciativa de educação do país em todos os tempos. Lembremo-nos de como Moreira Franco desarticulou a iniciativa, e por aí vai, o Rio de hoje e de ontem.
            Os cálculos de Aureliano são complexos, pois são integrados de forma complicada com a realidade quase exata dos aparelhos eletrônicos, e as feiras já não possuem a identidade de quem produz para conduzir costumes, por exemplo. Muitos apenas treinam, se esforçam, se juntam a máfias para realizar ganhos, obter gratificações políticas e descaradamente roubar o patrimônio popular. A introdução de Aureliano começar a contabilizar seus fazeres de empresa, depois de termos girado para a situação da deseducação imposta, agrega valor na questão do risco em crises, aloca posições financeiras, mexe com o valor quando se saiba que na concretude só valerá o objeto enquanto tiver a demanda do humanismo, da arte e da cultura. Como saber dessa magnitude, dessa hipótese?
            A princípio, a ideia é algo na contemporaneidade, quando científica, fruto de buscas, de pesquisas, brain-storms, muitas vezes condenadas a frutificar apenas quando já se possui a rede necessária ao andamento do empreendimento, marketings virais, ou seja, podemos enumerar um glossário de terminologias em que a aldeia global vai traçando em proporção agora já decrescente, pois uma boa ideia que dê um lucro satisfatório já é refém das conquistas econômicas de outros países. Estes possuem uma engrenagem de capitais que remontam quebra cabeças em fracos mercados emergentes como o nosso engolindo vértices e arestas da rede. Sobrando nichos onde, para se manter um bom padrão de vida, os herdeiros da riqueza de países mais ricos mantém vínculos estritos com relações de poder destes em relação aos propósitos de si mesmo, um patronato que o próprio rótulo já prediz quando não possui a noção de ser patriota.
            Uma boa proposição é sabermos como andam pesquisas sobre como alavancar negócios no Brasil, como fomentar indústrias com conhecimento paritário com os mais ricos... Incrivelmente: a simples possibilidade de termos um carro nosso, brasileiro! Sem remessas, e que venham trabalhar aqui os brasileiros mais inteligentes que estão no exterior, incluso músicos, cantores, artistas plásticos de vanguarda, bons designers... Dirão não, não dá mais pé, o Rio de Janeiro continua violento, nem as panças de chacrinhas balançam mais... Pois sim, somos brasileiros, um povo que luta para seguir ao menos mantendo sua dignidade, marcado pelo sofrimento imposto pelos jogos do poder.
            Agora, que nos atinemos mais sobre como lutar o suficiente para que preservemos o conhecimento, a técnica, o saber como. Que ensinemos o quanto pudermos, que façamos o teatro da realidade e do surreal, do que se quiser, haja pronta a versão de um novo modernismo, onde a releitura de uma obra possa servir à arte, onde como em um emaranhado de atitudes, de palavras, de gestos, quiçá de obras inacabadas ou grafites bem expressos com a nossa fantasia e a nossa ficção. Pensemos no absurdo como a materialização de um biscuit na forma abstrata que nos alcança ao quase, posto não tocar em nossos mais irrequietos sentidos. Que a Bíblia seja levada ao teatro, pois ao muito se há por dizer, na metáfora do que temos. Aureliano calcula e aos poucos consegue, visto, aprendeu um pouco até do ábaco: uma história interessante para um livro, de terras sem calculadoras, sem botões, de terras com terras aráveis, do esterco aproveitado, de um biodigestor em cada aldeia. Pensemos na história, que esta irá nos encaminhar, pelo pressuposto que não basta estarmos caminhando apenas na rua, nos rictos em nossa face pelo sol, pois que nos preservemos, portanto. Só há um modo, só há uma vertente, que passa por uma absurda União, a cavarmos com as mãos as nódoas de um solo machucado onde plantaremos mudas de espinafre, onde o mar sente as dores diárias do esgotamento sanitário mal planejado, e se refaz, e luta e investe contra os homens. Este mar resiliente que nos faz pensar nos dias em que nos come o concreto armado, esse mar que volta e pressupõe paz de espírito, quando na verdade os rios crescem e os besouros dos prédios não descem à rua com o asfalto atapetado sobre o mangue. Por mais que o mar suba, os pássaros possuem as rochas, revelando a Natureza mais sapiência em sua energia, em seu modo de calcular os cálculos em que errara Aureliano, quanto de muito lhe negaram um contador. Anita, sua esposa, continua a fazer dos biscuits suas pequenas rochas, em que descobrira na arte a alienação reversa dos arrojados, em suas tessituras afastadas de algum nexo, a não ser estarem plugados na indiferença do metal.

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