sábado, 9 de janeiro de 2016

A QUEBRA DE UMA SEMÂNTICA

            Ástor era homem baixo, de estatura moral inquebrantável, mesmo passando o que havia passado em sua vida, uma vida de miserabilidade existencial extrema. Claudicava por vezes, mas o que era por remissão fora uma disciplina ímpar que se impôs em sua vida, em que horas livres de tarefas árduas eram condição rara. Mas gostava de seus modus vivendi, pois trabalhava para tal, em se fazer de respeito ao que remonte em que em sua propriedade mantinha a guarda sempre em alta, e não tolerava em sentimentos outros que grupos de vulneráveis fossem atacados pelo preconceito ou pelo desrespeito da insanidade de muitos, estes que eram o espelho de uma sociedade meio que por layers hostis, e no entanto meio opacos...
            Sempre pensara Ástor que uma mulher seria sua queda, pois se apaixonava fartamente por todas, mas que agora no lado positivo de sua negação lhe secara o amor que duramente lutara por conseguir, mas que a vida lhe tolhera nos seus caminhos de ser autêntico e independente afetivamente. Tinha desafetos agora mais raros, pois ruminara o desejo de compreender a dura espécie da qual fazia parte, e essa tarefa por vezes hercúlea o enriquecia enquanto vivente, enquanto homem, pois percebera algo recente que nada do que vivera fora brinquedo: aos olhos de tais outros quiçá, mas em sua carne rompia as dores de suas frustrações, e as vitórias de suas conquistas, estas diuturnas, aquelas frequentemente. Convivia com esses dois parâmetros existenciais, e no domus de sua vida via sustentarem-se diversas colunatas que do Jônico para o Dórico seria só uma questão da pós-modernidade. Apartara-se da bebida, e sentia que nos tempos modernos compartir sobriedade era algo quase impossível, pois todos ou a grande maioria da sociedade costumava se intoxicar de álcool e seus derivativos no final de semana para esquecer as jornadas duras da lida semanal, e eram poucos os que sentiam no fluir de uma leitura o prazer maior, pois tantas eram as novelas e filmes que induziam ao grande estupor líquido das relações. Como havia aprendido com seu pai a não confiar em ninguém, via nos olhos dos seus iguais por vezes estremecimentos de ódio, quem dera nos outros, de realidades em que consentir ao menos se estremecia menos na imensidão do rancor. Gostaria muito de se lembrar de um beijo, mas seus lábios sabiam mais ao cigarro do que a qualquer outro prazer, seu único vício. Via a cachaça, diziam marvada, mas não passava ou ficava mais do que alguns minutos até que lhe servissem algo sem álcool no bar, um guaraná, uma água, que seja que, contestava ele, devia ser gratuita, dentro de algum delirante sonho socialista.
            Verdadeiro estupor animava certas gentes, e de madrugada via espetáculos um pouco dantescos quando do conhecimento de idiossincrasias que lhe inundavam a incompreensão de certos comportamentos, que na verdade lhe incutiam dó, a saber, de gentes que treinavam luta para se pegarem nas agressões físicas cotidianas, ou mesmo nas ofensas veladas, em que sua face se tornava um fantasma de si mesmo a consentir que a normalidade parece loucura, e os louros da loucura uma sanidade determinista, na acepção mais precisa de Locke. Bem, assim ia tocando sua vida, e a escrita, a literatura, a poesia e a filosofia agora eram seu porto, sua guarida, suas estâncias, que se perdiam no imenso mar, na posição concreta de um ser, nos pampas esmeraldas das fronteiras do Sul do Brasil.
            Tantas foram as vivências das noites, tantos os acidentes de escala, tantas as perdições na vida de Ástor, que agora a luxúria das noites a ele não se ofereciam como vantagens, pois vivera o suficiente, e não pretendia estender o improvável, nem abraçar companhias. Enquanto houvesse gente em sua dependência, nessa osmose em que também dependemos, seria factível não se aproximar em derradeiras frequências. Como no rádio, geralmente só sintonizava em um canal, que se aprouvesse de saber notícias mais claras no decorrer de um tempo em que certas informações eram recebidas por ele com graus de veracidade plausíveis para um homem culto e experiente.
            Noves fora, na verdade seguia o seu curso de homem sereno, apesar de alguns percalços, no que fora de fases em que prosseguia o andamento da sensatez, mesmo sabendo que a mentira campeava, em outros canais, nem que seu límpido rádio soubesse tudo ou fosse silenciosamente verdadeiro, mas nada do que supunha Ástor seria capaz de quebrar sua própria semântica, posto rochedo em alto mar que, meio em procelas maiores sabia de sua própria existência, no oceano que o burilava através dos séculos.    

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