Era um dia como outros, a vida pulsando assim,
meio do avesso de dúvidas, o assoberbamento do que conhecemos, de um
quesito, quase uma bandeira no olhar de um soldado, algo a se
remontar na ordem de uma compreensão. Não que fosse tudo. Beirava
um tipo de virtude da inocência, uma certeza inexperiente, uma voz
participativa sobre questões meio gélidas, assim como ver no olhar
de uma mulher a inquieta missão que se torna aparente sobre um tipo.
Edgar rumava no gelo, no gelo inexistente, um gelo no peito, apesar
do sobretudo de ébano, um expatriar-se de si mesmo, onde a própria
vida respirasse opressa… Adelaide o encontrava sempre meio
desconexo, por vias de encontrá-lo e o tempo urgia mas não tanto,
que o tempo eterno reserva melhores recados ao espírito, mesmo
contrito, das humanas condições da era, a era, um broto a se
preservar dentro da eternidade do tempo citado, com o vento, com as
limalhas do ferro de um barco que nunca se aproximava o suficiente,
mas de porte forte e sereno. Um navegante barco, um atracadouro que o
esperava, um suporte de olhar sereno como o díspar gargalho de uma
gaivota em voo. Conseguia conseguir algo, de monta, Olavo, em sua
enxerga, já de madrugada escrevendo para poder dormir sossegado,
assim como um sopro, um afago necessário nas teclas.
Era um
vilarejo acinzentado, como uma germânia latina, um paradoxo
continental: um pouco de ilha e um pouco de tudo. Mark Shultz
navegava andando, por todos os pedriscos, observando o resíduo do
lixo revirado à noite, de passantes crendo na malvadeza da crítica,
passando rápido, sem endereçá-la, apenas ruminando rancores,
cidadela de alguns vencidos pela carestia e outros vitoriosos no
conforto. Antes fora… Mark, com seu quepe da marinha ganho pelo pai
ou tio, não importava, pregava no semblante a distração de sequer
olhar lindas mulheres que passavam. Lindas assim… Algumas, serenas
ou atiladas com suas empreendedoras vidas, ativas, belas no porte e
muitas vezes aprendizes ainda no caráter. A ele bastava a foto de
uns dias atrás, os olhos perscrutando vazamentos, manilhas na praia,
comunicando ao jornal detalhes de seu bairro, queria ser útil, mas
vazava ele mesmo por entre os escaninhos urbanos. No entanto, o tempo
seu era de andar por trechos cabalmente simples, conforme o
itinerário rotineiro que nunca se repetia, pois meramente no céu
bastante as nuvens nunca foram as mesmas e as cores lembravam
repetições de Cèzzane. Mas os trabalhadores eram o fator, como um
motor do bairro: o comércio, a representação dos veículos, as
cores das fachadas, a geometria e seus espaços que mudavam a cada
passada, o poste em primeiro plano, as câmeras internas, a
vigilância matutina e o vespertino adormecer da mendicância por
nichos desencontrados. O inverno, contudo, singrava aberto…
Não
havia porque falar, por vezes preços de desditas eram encontrados,
mas nem tudo era fora de um diálogo consonante, as coisas
continuavam, e uns faziam amor com as rochas, e outros, tergiversavam
propostas, expondo tatuagens como pequenas formas envolvendo
reptilicamente seus braços. Não havia mais jornais
padronizados como antes, posto não haver sequer uma revistaria no
bairro. Por vezes a necessidade dos seres e suas voltas pareciam
revoares, no céu, mar e terra, afora os insetos pelos caminhos de
Mark Shultz, perscrutador e fotógrafo. Fotografava abricós caídos
no chão com folhas de amendoeiras da orla, o mar algo verde ou
cinza, especialmente nas manhãs cinzentas, quando o verde fazia uma
diferença capital. Passava recados sutis e postava a quatro ou três
ou dois em uma linha de tempo em que apagava do seu gadget para
esvaziar memória.
Assim se passava o inverno naquela plaga.
Surge sempre a presença feminina, nos cafés, na verdureira, seus
amantes e seus parceiros. A companhia era quase ausente mas, em cada
lugar, em cada vereda, em cada lote de compras, o encontro cordial se
passava com muitos e a companhia ao menos entrava em gestação, ou
mesmo no nascituro das ideias.
E assim se processava a aldeia e
na citação de Cervantes, para quebrar o gelo da frieza intelectiva
havia a proposta: “Conhece a tua aldeia e serás universal.”
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