domingo, 17 de dezembro de 2017

UMA HISTÓRIA SEM PORQUÊ

            Um homem saía pela porta da frente, deixando as chaves outras sobre a pequena mesa da sala. Que fosse, pequena peça do mobiliário, talvez houvessem outros suportes, um sofá, uma cama perto da porta da frente, será que tipo de construção faria face a tudo o que se supõe da arquitetura, do espaço, de um gesto de sair, mesmo quase compulsoriamente. Saberia mais do que o possível se lhe tivessem dito, ao menos do se dizer com franqueza, do que se passava então, pois do enviesado já estava farto. Quantas construções sem sentido nas mentes de infelizes por não terem suporte cultural, e como isso fazia bem ao poder. É mais fácil manipular a ignorância, e somente os cultos sabem discernir quiçá até do ponto de vista histórico uma coisa da outra. Não haveria senão poucos traços a traduzir seu caráter: um homem simples, um homem da vida, amante da vida. Quantos amores se passaram até conseguir ver que o nada parecia uma forma de amar na vida contemporânea, o nada em si, o ser do nada, como diria um escritor... Até seus encontros seriam dúbios, quiçá a gana de muitos o traírem, mas trair-se o que se na breve possibilidade estaria apenas uma ideia, ou melhor, um estilo de se levar sua senda! Creia-se que para esse homem a oferta carnal era apetecível, mas de tantas e tantas formas que a ilusão se constituía em um hedonismo, daqueles por companheiras construídas, das versões esquerdas ou direitas, do reto, do banal. Usualmente saberia mais que era isso mesmo, e a crise se via crescer, a desesperança era plantada em fragmentos de pequenos e intraduzíveis ressentimentos, para não se falar nos ódios apenas aplacados por insumos psicoativos, como álcool ou similares.
            Nada... Que esse ser falasse, ao menos por alguns minutos, mas se diria melhor dentro do alfarrábio de uma poesia, ou em uma correnteza de expressão, que não precisasse ser do atavismo cru, mas que descobrissem no oceano uma garrafa com uma carta sincera, jogada cinco minutos antes do recolhimento.
            Uma atriz era sua amante, não propriamente fingidora do sentir, mas que sentia na sua arte o representar: de palcos, de poética, de mimese. Carla o amava, seu nome estava escrito em seu braço, a ver, cada qual em cada qual.
            Chovia finalmente, e a chuva com suas metáforas botavam o incandescente verão como um animal acuado perante as pétreas gotas do sem perdão da Natureza. Que fosse o propósito desta, mas a muitos o egoísmo previa tempo seco em suas piscinas e condomínios com placas solares! A se gostar, que a roda girava, não sabemos os que leiamos algo se no sentido da compreensão, se no intento intuitivo, ou nas verves raras de talentos aplicados. Que fosse a noite uma longa chuva, que chegasse a ponto de fazermos ver estrelas aparecendo por sob nuvens, por sobre o céu, e as nuvens caindo na terra, a ver outras que apareciam mais teimosas, sem alguma cadente...
            Finalmente, que se dissesse, o homem escrevia. Sentia uma saudade de Itália nunca visitada, a não ser por livros que o fascinavam de per si, deste exemplo de uma língua maravilhosa, tão próxima do Latim. Não negava ser católico, justo o oposto, via na comunhão a compostura do rito sagrado, em que os ventos traziam da autoridade Papal. Como este, era Francisco seu nome e, como o santo, adorava os animais, de tal modo que podia viver tranquilamente sob a égide de um grande formigueiro, a considerar as que estejam em filas, carregando fardos, ou curtindo caminhos... Seu nome estava tatuado no braço esquerdo de Carla, e este no seu braço direito. Ambos – que este pintava – amavam a arte mais do que o simples propósito material, e suas expressões galgavam os muros em que os homens e as mulheres por vezes permitem que construam em seu redor, talhando a si mesmos a escravidão do comportamento que outros dizem ser normal. Algo sem sonhos, algo sem ideais, algo de ver o mundo sob a esfera de contraordens apenas, em que a ternura cede seus espaços para que resolvamos as coisas sem tangenciarmos no sentido de que tudo o que aprendemos possa ser contestado em uma leitura com dinamismo e o encontro conosco que se faça dia a dia...

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