domingo, 10 de dezembro de 2017

O INVESTIGADOR DA VIDA

          Tolentino sabia de muitas coisas, em se tratando de ofícios… Nem tudo bem completo, mas um principiar, uma espécie de alquimia, de antigas receitas, um pouco dos suportes da arte, e esta ele investigava, por motor próprio, e da vida era, em todos os sentidos! Amava máquinas igualmente, em suas épocas, tanto faz, no seu tempo: uma velha televisão de tubo, ou um note de última geração. O amor que tinha pela vida sempre foi intenso, pois via tudo como uma espécie de rica ilusão, onde a arte poderia se tornar mais concreta, em espelhamento, em interpretação, em contextos. As letras o fascinavam, pois tanto teria a dizer que ninguém jamais ousaria retirar-lhe o valor que aquelas representavam a ele. Então sempre seriam de certo modo aquele rio que nunca cessa a correnteza, mas que em remansos igualmente mantém-se cristalino. Era tudo isso citado como se houvera se aberto nos sentidos, na mente, a caminho de encontrar-se com um mundo mais inteligente, como quando se cata o abacate…
          Era a Verdade uma disciplina que diziam alguns cursar. A ele, bastava uma formiga caminhando, que a questão era a formiga em várias direções, outras trabalhando, no entremeio a fugidia sombra de uma árvore, em outro aspecto uma imagem de um homem gigantescamente poderoso falando, mas que cessava quando saía da imagem e via de novo um inseto, para ele mais real, para ele mais importante, posto no mundo, posto no movimento. Então do material, então do espírito, mas todos os corpos, as teles, os troncos, e muito da ciência tinha a ver com a seiva que corre por dentro das amendoeiras, ou nos fluxos fibrosos de uma palmeira. De se pegar um ramo, um ramo livre de se pegar, e ver se tem flexibilidade suficiente, e encontrar no nylon uma similaridade, do objeto, já se avizinhava um processo de estudos extenuantes, na descoberta dialética e crescente da vida, na compreensão do mundo. Sabia disso, os ofícios lhe valeriam, sabia professar o conhecimento, amava loucamente conhecer, adquirir a ciência e aprender com a Natureza. As gentes eram como eram… Por vezes acentuava-se um painel que ele não descobria a seu termo, alguns ícones, alguns botões que não houvera de sabê-los, mas que eram, e bastava, para o posteriori.
        Não dava muita importância a que muitos lhe creditassem o que cria existir em sua consciência, mas partilhar seria sempre bom, ao menos para ensinar a quem quisesse aprender que o Poder era uma face da transformação, um significado de ação que por vezes não lhe caberia ressaltar muito, pois a lógica natural é sempre infinita e transcende Peirce, transcende o que creem ser o que há além dela, mas apenas em substratos de pensamentos, posto a percepção humana ser limitada, e a Verdade passa a ser a eterna dúvida, o eterno encontro, o que não retorna como certeza, o improvável, o balanceamento de questões íntimas do ser, a Humildade referente e necessária diante do sagrado e imutável em essência como particular, na premissa da qualidade, anulando o pensamento de matrizes, ou de número. Técnica. Prática. Um modo além do método, esse arcabouço filosófico seria de máxima abertura do pensamento, a ver que nas relações produtivas o espelhamento com um certo misticismo é necessário na concepção investigativa de Tolentino. Pois não seria possível alguém se abrir nos mistérios para açambarcar o propósito de muito seres que pautam pela busca, pela procura, no modo inenarrável e poético do voo de um pássaro pescador, ou na mesma realidade do peixe que há sob a superfície. E buscar funcionamentos é técnica. E o manejo é prática, mesmo quando empunhamos um balde sobre uma plantação inteira em nosso próprio húmus.
         Tolentino era um pouco de tudo. Talvez fosse alguém mais conhecedor de certos ofícios, como citado, mas na rocha residia seu primeiro encanto. Na água encontrava outro, na terra mais um e no éter do céu a profusão de outros significados. Sentia a totalidade de suas superfícies, no tato de seu olhar, na sua visão de seco ou molhado, em saber que na verdade o encanto era algo que lhe prosseguia como o vento nas velas enfunadas, e sabia disso, sabia que seu corpo navegava, sabia quiçá que estava meio como um capitão com muitos barcos e um grande navio, que era sua existência mais agregada, com tripulação de fé, e buscava… Investigava cores, tipos de refrigerantes, panelas ariadas, máquinas de lavar, panos de enxaguar pisos: os ofícios de um barco. O telefone, os canais de comunicação, que tudo se resumisse no enxuto, no mais provável, na simplificação de diversos setores que se somavam a outros e outros em outros detalhes, em futuras compreensões, que não temia aprender, isso não, não nem que quisessem admitir outros.
            A arte era um grande canal, de se soltar os freios, mas vinha lotada com a ciência, já que hoje salva a ciência de nos compreendermos, de podermos ser inteligentes sem inibição, de investigarmos quantos goles possui uma terça parte de um copo de água, ou como bebermos inquietos aquela água que fica disposta ao calor do sol, na observação rutilante de que esse líquido falta – e muito – no mesmo planeta em que dizemos que sabemos em menos de um segundo o que se passa no Japão. Tolentino pensava, em sua perscrutação, que seria bom dedicarmo-nos para saber exatamente onde falta essa água para que saibamos que no conforto de termos apenas se ampliarmos para que todos a tenham não faltará para quem acredita que sempre terá.

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