sexta-feira, 11 de março de 2016

UM DIÁLOGO SOB O SOL DO LITORAL

            Quase dizendo uma pretensa questão em uma tarde em que vi Natuska perdida entre os seus, chamei-a, na cor de voz que pretendia, algo morno, de morna tonalidade encontrava-a sempre no baixio, na parte costeira, bem onde o mar batia silencioso suas escumas.
            - Nati, pois então, como estamos? – Disse eu, na tonalidade algo merecida por anos de convivência.
            Ela olhou-me com o braço direito suspenso, segurava um cordão de nylon, um fio de pesca. Pescava a um tempo que passava em direção contrária, retrocedendo em um passado e, progressivamente, via o presente alheia à posição das rochas do mar. Ambos éramos artistas. Ela, docente, com sua posição frente ao ensino. No entanto, os tempos eram tão cáusticos sob alguns aspectos, que forjavam nas entrelinhas que a criatividade possuía motivos aquém da expressão pura, motivos rotulados como uma subversão da ordem, mesmo porque a poesia brotava seus indícios de luz, e por vezes todo um império imerso em processos de franca decadência de costumes vivenciava mais a treva, e a defendia como situação normal, salutar, principalmente nos filmes que nos chegavam. Acenou-me Nati, e sorriu.
            - Que que temos a dizer, João, se na verdade temos nossos dias? Estou imersa e peguei dois peixinhos, mas já os soltei... Minhas iscas rareiam, o anzol é grande para essas pequenas goelas.
            - Trazes novidades do norte da ilha?
            - Estive em uma pousada no sul, o norte tremeu, inundou um pouco... Estava uma barra!
            - Pois é sempre assim, falamos tanto e tanto e nada fazem para melhorar o que chamam de sistema de saneamento da cidade. Esse é projeto de gente grande, projeto de civilização, companheira!
            - Nunca me chamas assim, João, quem dera fôssemos assim, nesse jargão concedido pelos rótulos que para mim já não se encaixam tão facilmente... Pelo menos é uma atitude de pensar, como se não fora tão breve o meu pensamento.
            - Não sejas tão fechada, Natuska. Nada pode ser melhor do que abraçarmos uma vida límpida e sincera. Você sabe que jamais amei tanto uma mulher, mas você se fecha, se retrai, transparece em seu íntimo algo que me assusta deveras, pois é como se espelhássemos um moto contínuo, algo que tende mais a inibir do que libertar.
            - João, você fala de libertação? Creio que te equivocas, pois talvez se falarmos os chavões estaremos encontrando um modo de libertarmo-nos. Falando a linguagem que seja livre pontua-se que talvez nos esqueçamos da beleza das metáforas, compreende?
            - Talvez ainda não esteja nesse limite de compreensão, mas acredito que ao dizer algo hoje em dia diz-se que somos codificados, traduzidos, interpretados, analisados e dissecados, para ser um pouco relevante sobre o tema.
            - Não creio, João! Na verdade, a palavra – mesmo apenas escrita – é um infinito comunicar. Saiba que aqueles que a reduzem o fazem a si mesmos, pois treinam a sua própria cegueira, e é através desta que não precisamos ocultar o não visto, posto a sinceridade de nossos sentimentos deve ser aflorada, cultivada, expressa... Nisto reside algo em que você possa olhar para uma mulher e ver que somos um par dentro da igualdade. A mulher sabe de seu mundo, para algo por vezes problemático, em outras um idealismo, como na natureza das coisas. No entanto, algumas preferem viver no aprisco, outras em voos e pousos, estes por vezes em inevitáveis quedas, aqueles em um pouco de fantasia em que muitos no entanto mergulham deveras. Mas sempre acreditei na paz como um fato concreto, e nisto ou para isso acontecer temos que ser mais tolerantes, modestos e humildes. Quando digo humildes, falo do respeito ao próximo, de evitar desavenças e de combater a hipocrisia com a Verdade. Se essa Verdade – que existe – não for aceita pela espécie na forma gigantesca e necessária da libertação do planeta, outras espécies emergirão na forma trágica em que tornaram os homens as suas próprias mazelas...
            - Ok, Nati, veja você agora um quase retorno dos Republicanos aos EUA: mais poluição, mais desavenças, racismo e guerras. É uma questão mundial isso tudo. E o pior é a pouca diferença entre os dos partidos, haja vista que já tiveram o suficiente a mostrar em sua história.
            - Na nossa história, meu caro, é o oposto, ala progressista e conservadora, indo aos extremos. Mas que venhamos à equação: falarmos sobre isso nos compromete? Será que os golpistas já estão fazendo as suas tenebrosas listas e triagens comandadas por agências de inteligência e seus nativos treinados e com prêmios de reserva?
            - Olha, Natuska, na verdade eu... Pois sim, seria pensar como em um filme! Será que não é o que querem que imaginemos? Eu acho tudo uma balela... Como diria o meu velho e falecido pai: me tira dessa!
            As rochas não tinham ouvidos; talvez um display eletrônico na bolsa, talvez possuíssemos um celular padrão corrente, mas não vinha ao caso. Éramos um homem e uma mulher, sem as reservas nem sempre necessárias. No que tivéssemos os laivos de lucidez, mesmo extremada, não era negativo e, se fosse um positivo equilibrava, visto que o diálogo sob o sol tinha a cumplicidade deste, no mais, e, na sua refulgência de astro rei o tabuleiro era amplo, a ele não chegava nave alguma e sob ele pensávamos algo que poderia traçar inquietações, mas que em seu olhar éramos átomos diminutos nas fronteiras da velocidade de seus oito minutos: a luz e a vida em que estávamos, neste mesmo planeta lindo e conflituoso...

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