sábado, 7 de dezembro de 2024

A RELIGIÃO INDOMADA


                O encontro de mais um dia com algo de famigerado, um ser ou outro, uma esportividade, quem sabe em um sábado seja tão fortuito quanto sorrir para uma mulher sem expressão, quando no preparo da rega, quando ela, em um café do sul da América do Sul, quiçá pensasse em algo que fosse realmente concreto... Ao que não nos furtemos que a comunicação é válida, por vezes estamos cansados, por vezes um entregador de farmácia treme, ao temor de um dia, por vezes o dia aparenta algo que não vemos na ótica do outro, ou quem sabe tudo seria uma questão meramente espiritual! Pois sim, viremos a alcançar uma luz maior no pressuposto quase invisível da Natureza, e àqueles homens e mulheres que dela necessitam como rotor indelével de suas vidas, a cada instante estamos com a força redobrada, e as baterias não param de ser recarregadas, mesmo que no cansaço intelectual se sinta a fadiga, já ao término de mais uma jornada.

                De tantas passadas, quando vivemos intensamente essa força anímica citada no encontro com a dita Natureza, cada pássaro, cada inseto, cada vibração ou lufada do vento, as horas em seu movimento, os homens e mulheres, ou as crianças brincando, tudo faz parte de uma harmonia que se dá dentro daquilo que muitos pensam ser a natureza material, mas na realidade é isso mesmo, uma Natureza, mas algo maior, posto espiritualidade dentro da carne, dentro das cascas, tão somente em uma árvore encontramos e reencontramos essa energia e substrato vital...

                Daquilo que é aparentemente subtraído da liberdade de um homem ou de uma mulher, ou daquilo que verte – livre – por meios outros, dentro de uma janela digital, do serviço em estar-se doando a algo ou alguém, do encontro com amigos novos e velhos, do aparente “sem contato físico” ao contato concreto dos resultados, tudo é modo e circunstância da vida mesma que pulsa no coração daquele que redescobre o viés de uma performance existencial mais profunda, quando senão seriam dias melhores também ao fato de que a sobriedade apenas ressalta a dádiva de nossas qualidades intrínsecas.

                Quando queremos um amor, apenas queremos, mas o amor que queremos não é propriamente algo de objeto, algo que viria por meio de um trabalhar para isso no sentido do encontro, de se encontrar fisicamente, qualificar a coisa e tentar a conquista... Esse meio de apropriação lembra de quando o rude ser abatia a presa e a carregava para deglutir na sua fome de predador! Seria algo tão crível quanto entrar em uma concessionária de carros e arcar com os dotes financeiros necessários para presentear a felizarda, por uma noite regada a champanhe e sexo. Mais do que isso, impor-se limites ao possível, limitar-se a regras básicas de existência cabal, é um pouco mais importante do que viabilizar sonhos heroicos, ou mesmo “retaguardas históricas...” Um pouco da quebra do mito é necessário para se remontar um quebra cabeças indizível e praticar a sensatez destes dias onde se reflui um instinto e se reconstrói partes do ego que já não sedimentava as pulsões de modo mais equilibrado. Um pragmatismo na prática.

                Seria um tanto de evitar a rudeza consigo mesmo, ser mais condescendente com o próximo, talhar prejuízos na pedra em vez de na madeira de um restaurante, e sentar civilizadamente, mesmo que a comunicação se dê na medida do provável, sem obviamente darmos muita corda quando estamos bem orientados quanto à realidade de onde estamos.

                Em um viés dilatado, estaremos mais distanciados de bad trips sóbrias, de caminhos tortuosos se enviarmos a nós mesmos recados de um superego mais treinado, por vezes como um grilo que se anuncie de tempos em tempos, ou mesmo na espiritualidade tão importante que se dê na fé e na recarga da certeza de estarmos trilhando por veredas concretamente corretas. Essa espiritualidade é coisa de se fazer sentir no dia a dia, mas não seria como uma muleta, senão o próprio sentido da vida de um ser humano. Poderiam chamar isso de religião, mas se não houvera outra denominação, seria porventura o ser religioso se pronunciando a si mesmo e aos seus recursos espirituais mais íntimos, e por que não? O reconhecimento de estarmo-nos religando a nós mesmos com um Poder maior do que nós, é o aval de prosseguirmos diante de uma vereda onde os caminhos se abram para a luz, e onde se veja que, se porventura encontrarmos rochas que se anteponham, basta evitar estar em suas direções, e passar ao largo, mesmo que por adiante tenhamos que retornar, para que prossigamos já em outro escopo do espírito, consonantes com a evolução da matéria, que perfazem em uníssono um hólos, uma totalidade, um quê de se determinar a ótica de se viver em um mundo em que não projetemos hostilidades ilusórias...

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