Por vezes escrevemos sem referências, do
modo oposto como o fazia Borges, em citações ou mesmo no fantástico
mundo do que existe. O fato é que escrevo agora um pouco olhando
para uma garrafa de azeite de oliva, algumas garrafas de plástico,
uma carranca colorida em epóxi, como que passando o olhar, como me
situando no agora, o que tenho em minha frente, sem adornos, quiçá
sem qualquer estilo ou padrão literário. As letras correm com o
tempo, como se esse tempo fosse marcado pelos segundos do quase sem
pausas, mas quando um ponto, sim. Não é que haja ferrugem no
escrito de qualquer, mas que cada qual passa a se valer do exercício
de encontrar na expressão escrita algo de que toma forma ao
desenferrujarmos nossos traços perante o papel…
Um
pensamento começa a me tornar fonte, algo que não se apalpa no
tato, meio que uma vertigem de fortes alicerces, uma estruturação
simbólica quando olho mais acuradamente para a carranca. Os dentes,
os olhos: um dia foi construída, e está presente ao lado de um
cortinado preto como se houvesse o tempo em que montei um laboratório
de revelação fotográfica, tornando-se depois um espaço onde
cultivo uma Olivetti com boa luz e mantenho boas fitas de tinta. As
ferrugens são um processo salutar quando apontam onde devemos
reabilitar nossas arquiteturas, usando o alumínio, reinventando o
plástico, ou galvanizando os varais… Um quadro pintado com um giz,
de Cristo, uma cabeça pintada, me conforta e nos mostra que por
vezes em um esboço de arte de dez minutos em um cartão, com três
cores, podemos decorar o ambiente, tornando uma parede uma
companheira, se temos um pouco de fé, que sempre ajuda, ou que seja,
compõe-nos um recurso nada caro para que nossos espaços reencontrem
sua natureza dinâmica. Para quem está em um espaço qualquer, seja
uma casa ou mesmo sob uma árvore, é mister se esforçar para
melhorar, que seja, uma parede, uma rede, um desenho, uma cerâmica,
partindo de uma ideia de dentro para fora, como pensaria um arquiteto
que não se formou e tende a redescobrir os nichos, e amparar seus
ninhos.
Assim, a meu ver, se processa a escrita, ou qualquer
manifesto que remete algo de se construir, de se trabalhar, desde
lavar em uma leiteira em uma padaria, como preparar um canto de terra
a se plantar, virar a massa de pedreiro, educar um povo de qualquer
modo, não importando tanto o que se deseja aprender. No entanto,
creio que o bom dos livros é pausarmos concretamente a leitura, e
retomarmos nas letras, pesquisarmos seus índices, contarmos a mais
gente a história. Acredito que isso já está sendo feito, mas o que
vemos neste país parece a muitos – do que vemos nos meios de
comunicação, por suposto – apenas a negatividade, o marronzismo,
o que dá audiência, não apenas em seus níveis de violência
generalizada, como em um tipo de erotismo que vem através dos
conflitos, injúrias, e as plataformas de poder, que ensaiam o erro
de humanismo faltante que dá lucros e manipula, através de recursos
escusos o público que não encontra tempo nem condições – quando
volta exausto de seus trabalhos – para se entreter com mais
qualidade. Justo, por vezes emperramos nossos discursos em uma
ferrugem que se dilata no mesmo assunto, mas esta serve para travar
um pouco as peças a que pensemos o que fazer para melhorar o
funcionamento de quaisquer motores que possam inibir o comportamento
de nossos trens. Precisamos caminhar, e caminhar sempre, na mesma
igualdade, sempre! Para tal, é necessário revisar os processos
mesmos de uma civilização que nos leva – quando ocorre – ao
atraso, pois justamente a contemplação nos dois sentidos reitera a
possibilidade da existência do negativo e do polo positivo, mas que
a positividade enquanto assertiva de progresso encaminhe melhor as
proposições negativistas, conduzindo-as para um senso comum, pois
estas são não apenas a contradição inerente a tudo, mas
igualmente o objetivo ou subjetivo de opiniões que sempre vão fazer
parte do arcabouço histórico e cultural do mundo em que vivemos,
principalmente agora que as fronteiras evanescem como pétalas de uma
rosa que sempre estará brotando, para que se guarneça o mesmo mundo
de um padrão de solidariedade inequivocamente importante e
essencial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário