Ramos era iletrado…
Sua voz tinha timbre, seu tronco altitude, as pestanas ágeis, casado
com Marieta. Ela, formada professora na década de setenta e autora
de desenvolvimento na educação. Uma guerreira do ensino
fundamental. Desde a época em que recordava tanto de um pouco, que
fosse, do tudo a si encerrado, a si limitado. Seu esposo, mais baixo
do que ela, era altivo, de um orgulho pétreo, de ego sempre a
construir… Não gostavam outros da ideia de serem tão distintos,
quando mais tarde, antes do que nunca traçavam modos de convivência
que às pessoas que sabiam das uniões não lhes pareciam corretas.
Essa palavra correta entre os pares, a correção, a atitude, um
padrão, nada disso pontuava a relação, a não ser que a luta
diária era grande: ela como professora, ele como confeiteiro.
Moravam em um lugar que no México seria chamado villa miseria,
tal periferia, na cidade de São Paulo, padaria e escolas distantes,
quando não, lotadas aquelas e falidas estas. Fugia a vida desses
habitantes, como se dizer, um povoado na metrópole, que fosse, à
compreensão dos que habitavam fechados nas clausuras de seus
confortos. Talvez, sob uma modesta ótica, estariam sempre separadas
as realidades das gentes das cidades, em uma luta em que os abastados
também empreendiam. *1. Tudo bem, o escritor sai de sua plataforma
de expressão e diz: não se trata apenas dessa luta, mas da
compreensão, desta linha errada, agora, em que tracemos novos
painéis perceptivos para sabermos mais um pouco da palavra
solidariedade, do se somar… Dito isso, retomemos no caldo literário
de um pobre latino-americano.
Uma questão de relevância na
relação, ou melhor, um modo em que será dito agora, no fato de um
ser mais iletrado, não importasse tanto, mas que um tempo seria
importante para acrescer mais entendimentos dessa ordem para Ramos,
que despertava às quatro, sem sol ainda, perto da Lapa de Baixo, o
trem, o metrô, o ônibus, tudo reportando à sua esposa inquieta,
trabalhava como um mouro, e a encontrava em casa depois de uma noite
exaustiva, em que ela, também exausta – ambos sem filhos –
traçara uma Ápia para conseguirem do sustento, no que era, como
citada em 1, uma luta. A luta não apenas deles, a dela mais
cáustica, a ser diplomada professora em uma década em que houve
fracassos na educação, como as ações e atos que retiraram da
massa crítica brasileira esse direito da mesma crítica, retirando
os dormentes dos trilhos da continuidade saudável do pensamento
brasileiro. Em que ela por vezes ressentia-se, a ter vivido, no
entanto, sorte:… sem nunca ter precisado provar isso…
*2.
Talvez esse seja o breve acordo em que, porventura algumas feras
sejam mais afeitas à gratuita agressão, nas suas defesas, nas
ofensivas humanas diuturnas das ofensas, que seja um libelo, nenhuma
citação encerrando, mas abrindo as vertentes da mesma compreensão
que me faz viver intensamente e a outros, tudo o que se é de viver,
e que, repito, a questão da luta seja salutar e venha para melhorar,
no amplo debate e em uma democracia plena em cada atitude. Vale e
ressalva?
Mas há que se traçar a história, pois Marieta,
nesta ficção, traçara um acordo válido com Ramos, cabível,
inclusive, nas nossas ficções, nem tão científicas. Mas foi o
tácito acordo da poesia. Empreenderiam esforços para aprender um
diálogo mais rico através da linguagem poética e disso aprenderiam
com algo… Um dia ela traçava uma metáfora com seu marido, e ele
buscava nas palavras encontrar o mesmo em seu meio, mas não possuíam
no entorno quaisquer árvores, os pássaros eram muito raros, o que o
faziam vivenciar intensamente, a ambos, seu próprio amor, nas frutas
e legumes que compravam, nas cores que evidenciavam, como em um
cenário de Cèzanne, os cinzas coloridos, obviamente sem traçar
comparações muito contíguas, mas um pouco do barro, os tapumes, os
latões, as pedras. *3. Nem que o seja, peço perdão por invadir a
periferia com uma arte, pois tem certas vezes em que é difícil da
vida imitá-la…
Reportando: a história aos poucos vai se
fazendo conclusa, e é nessa ótica que a poesia se fez presente na
história dos dois, enquanto em uma ilha do Brasil saí a caminhar
por onde passam todos os que apenas caminham, e os tons cinzas
invadiram o colorido da paisagem, como uma moda de disfarce, em estar
de acordos com algo que seja mais forte do que a simples saia
indiana, ou uma camiseta da Jamaica. E se repensa, onde estarão os
coloridos das palhetas de bons artistas, será nos escombros de
países que querem se erguer? Pois, onde os impérios montaram suas
braçadeiras de aço, não teremos uma África livre, o outro Haiti,
ou mesmo o Brasil onde não querem que o vivamos qual seja como está:
maravilhoso ainda, recebendo estrangeiros, dando de sua casa, seu
abrigo, sua solidariedade. Porque infelizmente há acordos que
desfazem, e o acordar poético de um povo mostrará que através
dessa voz teremos mais letras onde estas fenecem e mais paz onde
urgimos por ela.
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