sábado, 4 de junho de 2022

TEMPOS E VEREDAS

 

         Quiçá a anuência de nossa condição humana meio que permita que baixemos da altura concedida por nossas pernas, quiçá uma mulher linda de Bogotá seja uma rainha que leia algum trecho que remeta a carta em que endereçamos a alguém de se tocar, na mesma vida em que – inconclusa e eternamente – possuímos nas linhas do carinho que não verte na vírgula, e que o verbo apenas se lembra do ato! Talvez as Memórias de Adriano de Marguerite nos relembre não as páginas que não lemos na cama, mas as recordações de uma pequena viagem de um prenúncio de amor em que se gestualizou um contato que o poeta guarda dentro de uma arca de cristal, na formosa e experiente forma de uma mulher… A um toque de carinho sobre o joelho, a um beijo inesquecível, quem luta honestamente a favor do amor se contenta em prosseguir à guisa de um sentimento sincero, pelo menos nos momentos em que não relutamos na vereda em se saber amado. Não que se suponha ser um bom amante, pois essa posição profissional já é página doutrinada pelos profissionais do sexo, em toda a querência do assunto, variado e tão vaticinado nos tempos de hoje.
          Relutar a favor da maré não pode ser visto como uma inconsequência, mas como uma bujarrona deitada e enrolada no convés enquanto a embarcação triangula pelos vieses do vento, a seguir a mar alto, sem necessariamente sair das duzentas milhas costeadas pela Marinha. Essa profusão de fronteiras marítimas onde o penedio se apresenta, e Robson Cruzoé é encontrado com a barba dos anos, em uma ilha quase desconhecida… As agruras rebarbadas do destino cruzam com olhares, por vezes tíbios, com pixels de baixa definição ou – em plataformas mais precisas porquanto maiores de visão, talvez a pupila e sua contração seja sinônimo de algum sentimento, mas haja de se crer que a técnica urge participar mais de seu próprio métier. Quando a palavra de um escritor vem para acrescentar mais espaço espiritual e material no íntimo e quase vertido paradigma de existirmos, justamente isso nos refaz na mesma ordem em que civilizadamente, mesmo à barbárie prosseguimos, não como Quixotes tristes, mas com Sancho e Dulcineia, em que o Rocinante leva o cavaleiro distante da paródia da loucura, posto não o fosse não seríamos leitores tão afeitos a Cervantes, para quem gosta de literatura maravilhosa. A que dizer não fora, que o Canto mais primoroso de Dante Alighieri é o Inferno, onde coloca os florentinos seus patrícios na distância da sua condição de exílio.
          Longas e distantes são as passadas, e o que seria pegar um avião e viajar, pode ser apenas a cômoda fração de estar dentro da única possibilidade de conhecer a condição a que uns relacionam onde carregar baterias, mas que nos livre o lítio de problemas renais naqueles que sofrem de padecimentos mentais, por vezes egressos de rudes estadias.
         E que não seja o pensamento voar demais, mas voa de qualquer modo na visão de companheiros que estão subindo aos céus, e por vezes mergulham de uma altura onde se vê a presa ou o peixe, seja chão ou seja mar, voltando a voar na suprema e necessária asa coletiva, com a consciência de como voar usando as penas traseiras para a direção de uma máquina que nem Da Vinci ousou construir, quando se apercebeu que o Renascimento ao menos sabia do Sistema Solar, em que Ícaro, em suas penas de cera mitológica não pode com o sol, no antigo e prenunciado panteão, antes mesmo da Idade Média transigir com a retomada do Antropocentrismo.
          Os tempos idos na verdade retornam com outros trajes, e a comunicação pode ter sido uma invenção de Thomas Watt, ou a inspiração dos irmãos Lumière. Na administração de nosso encontro com o conhecimento, os dados e as informações bastam por si, mas muitas vezes não conseguem concatenar aquele. Presencialmente, na era contemporânea, é melhor perder um namorado do que o smartphone, pois os reservas já estão listados na compleição da caixa de Pandora! Mas que não se abra o dispositivo, posto é melhor ter reservas que se tornam humanas do que possuir humanos que jamais reservam-se o direito de amar. A grande questão icônica é que os caracteres digitais são, conforme citado acima, espécie de posses, barganhas, mercadorias, peças, imagens, curtas falas, mentiras, calúnias, pornografias por vezes e, acima de tudo, ilusão, Maya, a Deusa desta era de Kali. Um desafortunado afetivo como quem vos fala – a respeito desse padrão de afeto consubstanciado para almas condicionadas – na verdade está afetivamente vinculado à leiva de grama que ainda não chegou para acompanhar as tonalidades do Antúrio que soletra a composição das cores complementares. Dessas cores que falamos, daquele pintor solitário que, com sprays trabalha durante dias para pintar Cruz e Souza ao lado da praça XV em um centro de uma capital.
           Enfim, a vereda da arte encontra a ressonância ao lado das possibilidades que emergem dentro de um velho mundo: mudam-se alguns meios de produção e técnicas suplementares, mas o ser e o poder andam de mãos dadas para que se dê a largada crucial a que defendamos algo como a liberdade da Democracia aceite pelos adversários, em um discurso que remeta a que sejamos ao menos humanos, depois de renascermos de um sinistro fundamentalismo não por intenção errática, mas por uma quase imposição comportamental e existencial.

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