quarta-feira, 19 de abril de 2017

DIÁLOGO EM UM LUGAR

            Disséramos um ao outro que não nos encontraríamos mais, mas Adele queria um minuto de conversa, apenas, mesmo que haveria uma motivação em nos encontrarmos, apesar de tudo. Segui, passei a padaria, havia um café, ou outra padaria, o que dá no mesmo, e o café era bem tirado. Encontrei-a na praça em frente e eu igualmente gostava daquele lugar. Acenei com o braço e ela ficou me esperando, peguei dois cafés para levar e me sentei ao seu lado. Os pombos e alguns outros seres nos teciam companhia...
            - Jonatha, eu não esperava que você tivesse o "altruísmo" em descartar-me daquele jeito no face, como você me bloqueou, eu realmente não imaginava, e agora essa ideia de me ligar no telefone, como se este fosse agora de seu domínio. – Falou-me ela, olhando para os lados, com um semblante angustiado, como quem procura uma defesa qualquer, como quem acha que foi desprezada, pensava eu.
            - Sinto-me só, linda. Ao mesmo tempo quero estar, pois assim creio-me estar acompanhado em uma fase de introspecção que me encontro.
            - Sei, mas no face...
            - Percebe, o face?... Não quero estar acompanhado desse estranho protocolo de visitações.
            - Mas veja, Jonatha, os tempos são outros e você tem que sair da casa dos enta, já pronunciados, no mínimo para se virar melhor com a modernidade. Podemos nos comunicar...!
            - Sinto lhe dizer, Adele, mas nossos encontros são quase sempre virtuais...
            - Um minuto...
            Ambos não desligáramos nossos celulares. Cantavam estes em sons reconhecidos, que o dela tocara, e ela passou a dedilhar o aparelho atenta, pois certamente o que tinha a falar comigo era um caso de posse, uma amizade algo passível de ser outra coisa. Era redundância tentar convencer uma engrenagem a parar através de uma minúscula rodinha. Não havia como: eu estava errado. Sabíamos ambos quiçá de outras verdades, mas estas seriam tão efêmeras, pois todos ou quase todos os lugares já estavam inundados da inovação e de um desprendimento tal que tolhia qualquer ato reflexo de rebeldia, neste caso, aparentemente sem causa. Em uma verdade aparente, as vitrines estavam dentro da rede, e por fora não nos olhávamos para dentro. Éramos outros que circunvagávamos em regiões distantes, quando muitos – felizmente – redescobriam os livros, os excertos literários, o aprofundamento filosófico, ou mesmo o desenho em se desenhar para redescobrir o mundo, assim pensava eu nos hábitos que adquirira e que não obstante verificava em muitos outros que já surgiam no panorama global. Olhei para ela, pedi que desligasse o aparelho, no que consentiu:
            - Meu caro, sei que pensas muito sobre tudo isso, mas depois que passei a morar com o meu pai enfermo, sinto a companhia deste trocinho que recusas dessa forma, e que na verdade me faz pensar menos. Eu não sou artista e nunca fui, enfrento o turno na firma e cumpro meus horários. Não sou social, se me entendes...
            - Sei. Na verdade procuro... Bem, na minha solidão...
            - Basta de falar que estás sozinho, isso é condição sua, pessoal, e nada posso fazer! Você é menos social que eu e faz apologia de ser auto-suficiente, lhe falta na verdade uma falsa vergonha que não possuis, uma face melhor de se encontrar consigo mesmo, ou está obsessivo com algo, transtornado, louco ou sei mais o que.
            Não havia convencimento de qualquer lado. No fundo, ambos achávamos que o mundo estava insano, e que seríamos quase um espelhamento disso. Olhei firme para ela e disse:
            - Adele, engraçado, eu não sei se acontece com você, mas me sinto mais inteiro quiçá do que grande parte de uma gente que não conheço muito, talvez pela minha ainda inexperiência existencial apesar dos meu cinquenta e quatro anos. Somos adultos, obviamente, mas não vejo nos filmes a palavra final. Gosto das religiões, e mais ainda daquelas que superlativam o que nos cerca, como a Natureza. Sei que moramos em uma selva de pedra, esta cidade é imensa e o trânsito está caótico. Sei igualmente estar errado em uma postura muito crítica em relação à tecnologia pois, apesar de tudo, conheço o funcionamento da computação até bem demais, pois sou de uma geração que acompanhou a fase do início dela em nossas vidas. O que quero dizer de mais inteiro é que agora, depois de tantos acertos, tantos erros, sinto melhor o meu corpo, sinto que é animado por algo, uma alma. Por isso não fixo muito meu olhar sobre as teles, visto que gosto de ler minhas literaturas e à noite me debruço sobre a transcendência espiritual, que passou a ser a minha razão de viver. A ponto de encontrar o maior prazer que jamais tive nessa questão, pessoal. Ou seja, em poucas palavras, a vida sexual não me atrai mais do que a vida espiritual. Não digo que nisso encontre algum dilema, pois realmente há o dilema.. Trazer alguém à tona como fiz comigo mesmo não é muito fácil, e realmente porto uma ausência continuada a que não seja o serviço a Krsna, a chamada bhakti yoga, o serviço transcendental a Deus, que é o Todo Atrativo, que passa para mim a se chamar Krsna, o mesmo de todos. Essa é a minha motivação em existir, não cumpro regulamentos espirituais, pois existir para mim é todo o meu serviço a Ele, esse Ser Supremo. Afora isso, Adele, estou crítico com relação à ilusão, Maya, esse encantamento que a matéria oferece em seus modais mais variados, desde um filme até um gesto que supomos sincero, mas que se reveste por vezes de um esforço continuado para nos envolver em algo não necessário. Pode passar a me ver como um homem sincero, mas veja também que sou um devoto, ou pelo menos tento criar meu caminho desse modo, pois navegar no oceano material sempre é um pouco complexo no mundo em que estamos, na Era de Ferro. Mas não se ressintas, que eu seja é o importante, e não me considero superior nem a uma formiga, pois essa atma, esse espírito também está no processo...
            Adele me olhou com carinho. Seu olhar me parecia perdoar-me, pois sabia que alguém lhe falava, ou ao menos tentava, as palavras que gostasse. Esse perdoar era a fagulha do encantamento de dois, um encontro de duas circunstâncias, dois caminhos, era a partir daí o próprio encontro, pois do que houvera falado, eu talvez tivesse obtido a resposta, quiçá de um período apenas. Bastava ser sincero. Bastava que nos falássemos de amor, pois, de um amor gigante, que supera, que constrói. O mundo era lindo. Se eu sentia meu corpo, ela também sentiria o seu. Daríamos ao tempo o seu próprio tempo... Assim construímos uma senda profunda, um sentimento pelo Criador unidos por palavras, por um diálogo, por querermos viver com mais autonomia diante de tudo. A amizade perdurou e perdura até hoje.

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