sexta-feira, 13 de maio de 2016

A Ficção da Realidade - Conto


I

           
            Não importava a mim aonde eu acordara, saberia apenas que o fizera cedo. Vivera até então nas ruas durante alguns anos desde uma noite no ingresso à marquise de um edifício onde, mais recentemente, passávamos cativos da sopa presencial nas manhãs servis após noites regadas à embriaguês. Pelas ruas e na marquise, bebíamos sabendo que estávamos errados, mas o frio era maior que nossos fígados e, resistir a ele seria pior, no curto prazo a nós alongado pelo desconforto daqueles meses de inverno, estação cruenta que a alguns de nós era a derradeira. Pensava não dever estar nesse modo tão cáustico de vida. Estela e Cláudio me ajudavam a vencer os desatinos da noite, quais tantos que eram algo como morcegos, com suas luzes que não se apagavam em seus fachos amarelos. Meu violão de quatro cordas nos embalava, mas dois bordões de cima faltavam demasiado para se encorpar melhor os acordes e iniciar boas escalas... A bebida e o pão da manhã eram uma prioridade e as cordas eram mais caras do que conseguir compartir esse exíguo orçamento. Cedo, pedia a Vladimir uns goles destilados e saía a comprar pão e margarina com o que tínhamos ao dispor. Os amigos ficavam no compasso de espera, com a fome evidenciada nos olhares chumbados e brilhantes. Como quando eu tocava um arremedo de flamenco que aprendera com a sorte em meus bons e prolíficos tempos.
            Gastei quase quatro reais no pão de trigo que ainda estava em nosso alcance, pois também um pouquinho quente, e o comemos já decidindo que não tomaríamos a sopa que nos reservavam praticamente em todas as manhãs, naquele grande asilo aberto e involuntário de almas e sofrimento.
            Sentia-me sempre meio roto, de pedir algo, de pedir um emprego. Triste por não ter colocação, por sentir-me inapto em não ter me treinado em nada... Quase um pensador – menos que os meus amigos, no entanto – admitia ser importante um trabalho com carteira assinada. Via-me à noite cobrindo-me com papéis, forrando-me entre a pele e as vestes com jornais, como um casaco irônico de notícias apenas aparentes, ocultas em nossas noites pelos trajes que envergonhariam os astros e as estrelas desse periodismo que nos excluía e ignorava em seus parágrafos e fotos. Não existíamos aos olhos brilhantes das notícias, apenas como estatísticas frias e cartesianas.
            Seguia-se o rumo das marquises naquele inverno e nos abrigos os banheiros quase sempre estavam lotados, banhar-se era raro... Não havia água pública, banhos públicos e quentes na cidade, a não ser quase sempre por intervenções religiosas, por vezes tão pungentes que chegavam a ser ameaçadoras. Comecei naquele dia, como sempre, com um olhar perscrutador à paisagem urbana. Encontrei Natasha escorada por um pilar de cimento de um falso monumento em uma quase praça. Disse que havia trabalhado muito há duas noites e que ganhara o suficiente para darmos um “retoque nas nossas fachadas”. Olhou para mim, suas peças de roupa mais discretas, um batom igualmente discreto e a sombra delineada dos olhos levemente borrada certamente por uma noite com poucos sonhos...
            - Heitor, você não acreditaria em nada do que eu lhe dissesse. – Acentuou as palavras, como quem se dirige a um combalido pelos climas patéticos. – Já comprou os pães hoje para todos, querido?
            - Sim, agora a zero, a zero...
            - Falindo muito?
            - Sempre. – Respondi, olhando bem em seus olhos claros.
            Chamou-me ela a um canto, convidou-me a um café, segredou-me montes de palavras ao meu ouvido... Ao meu silêncio. Disse para segui-la. Entramos em um hotel barato e tomei um banho, fiz a barba e retorqui, quando ela me deu umas calças de homem, meia, cueca, sapato e uma jaqueta de nylon, além de uma camisa de flanela com arabescos no colarinho. Todas as peças discretas e surpreendentemente boas:
            - De onde você tirou isso tudo, Natasha?
            - Calado! Dessa vez consegui um troco sem precisar me vender. É o que querias saber? Comprei-as em um bom brechó. Ainda possuem um cheiro de mofo, se notas bem. Chega um pouco, meu bem, por hoje não ficas na rua. Nem eu.
            - Acontece que tenho um compromisso meio árduo por esta tarde...
            - Posso saber?
            - Nada de muito novo, Nati.
            - Então tudo bem. Estarei aqui pelas nove da noite. Ia dar uma volta com você, mas se não podes, paciência.
            - Sabes que meu compromisso é caminhar um pouco também, sozinho. Encontro conhecidos, mas tenho que consertar algumas coisas, uma delas é a viola, e sem ela eu efetivamente estaria morto de dar dó.
            - Você ri agora?
            - Encontro os risos em todas as horas, vai ver que por isso me tomam como um pouco louco, Nati. É assim, não posso abandonar meus amigos de rua, não seria tão fácil. Não nos salvemos muito, não dependeria eu desse critério, assim acho, minha amiga.
            - Bem, de qualquer modo, não vou resistir a esse seu portar-se meio louco. Laissez-passer? Não penses demais. Contemple um pouco, que a estrada está afunilando cada vez mais, querido, a cada passo.
            - Seu erro, Natasha, é caminhar apenas sobre as pedras. Lembre-se que o mandacaru brota das pedras do sertão, e o país é imenso como um continente em que por vezes não há pontes que vençam a deixar a nossa razão mais sábia. Nunca deixarei os meus amigos sem o pão que é por direito e circunstância, apesar de saber que esse tal de laissez não me dizer respeito, pois é na luta diária que conseguimos caminhar, a luta de estarmos ainda com saúde. A conivência com uma sociedade autoritária deixa passar qualquer tipo de podres, econômicos ou não. Agora é que estão vendo que os bilionários possuem os metais? As armas? O poder? Quer me retirar das ruas? Retire antes essa parafernália montada que remonta a fascismo, seja de que lado for, facilitando os neonazis de fomentarem seus pressupostos esdrúxulos.
            - Você conhece algo, mas me parece que subestima esta amiga que lhe sou... Deva saber algo você que trabalho com homens. Por vezes porcos, monstros. Estou na rua? Não? Nas alcovas dos piores subúrbios... Eu tomo meus banhos para retirar do meu corpo o resto do que sobra em minhas noites. Quantos foram aqueles que quiseram me manter como escrava sexual? Você acha que é fácil trabalhar sozinha? Talvez eu esteja sendo muito dramática, porém creia que estou feliz em sua companhia hoje e gosto muito disso e queria passar o dia contigo e dormirmos na mesma cama e acordarmos unidos. É densa a nossa dor.
            - Creia-me, mulher, você tem a razão em sua cabeça. Passaremos o dia juntos, apenas me sinto em uma situação desconfortável de não possuir dinheiro. Na verdade, eu tinha que me encontrar com um homem que me garantiu um trabalho no comércio. Pecinhas de plástico; brinquedos; penso ser esse o negócio. O cara é um importador chinês, ou os produtos são da China, eu não o conheço bem. Aliás, nunca o vi, tenho apenas o telefone e sei que trabalha em uma rua perto daqui. Dá-me em consignação um pequeno lote e - se eu comercializar - recebo mais para ganhar o sustento. Está aqui o cartão, para você ver que eu não minto. Michel L. P., e o número: 35469906.
            - É cedo ainda, são nove e trinta passados, vamos descer e tomar um café mais reforçado na padaria da esquina.
            Descemos as escadas e não havia espelho no quarto, apenas no armarinho do banheiro vi que sem a barba eu parecia efetivamente mais nos conformes; mas, não fora isso, a roupa realmente fez uma diferença estupenda, pois até os sapatos de camurça me serviram e sentia-me mais confortável com essa aparência e a sua relatividade de adaptação formal tão concreta no convívio das cidades. Na saída do hotel havia um espelho e vi minha roupa por inteiro, qual que me vi outro em outra estampa: um novo jeans, um novo casaco, o cabelo penteado, minhas faces ainda arranhadas pela lâmina de barbear. Um bom banho, como me fizera falta...
            A padaria sob o hotel fazia parte de um edifício de cinco andares, um balcão grande de fórmica úmida fazia às vezes do atendimento. Servimo-nos de pastéis de banana, uma vitamina de maçã e mamão com melaço de cana e levedura, conforme a moda da casa. Uma boa refeição. Tomamos um bom café e saímos; eu com um maço de cigarros, a fumar em companhia dos pombos que por ali vinham a comer do milho jogado pelo dono do lugar. Isso tudo do dinheiro... A mola mestra... E pensar que alguns poucos no mundo concentravam quantias faraônicas. Achei um pouco estranho Natasha não fumar comigo, como costumávamos. De onde viera o dinheiro, este pouco, de Natasha, o soube: estava grávida de um empresário de pouco mais de quarenta que, como um canalha cavalheiro, não lhe recusara a ela, já de dois meses, o alimento necessário ao feto. Canalha porque prometera a ela o ganho enquanto estivesse com o filho no ventre. Cavalheiro porque fazia ares de gentleman postiço. Meses de certo fausto, disse-me ela, largaria a vida de programas por enquanto, mas não seria esse o cidadão nefasto e hipócrita que sustentaria o próprio filho. Seus olhos claros como o cristal me nublaram, me entonteceram em minhas novas roupas ao costado de um ser que vinha de rompante... Teríamos um tempo, se ela me aceitasse.
            Natasha não tinha por onde começar a nova empreitada, não a quem expressar-se, que eu seria sempre o primeiro amigo, apesar de nunca termos dormido juntos. Praticamente uma retirada a fórceps da rua, uma madrinha de meses e um compromisso estóico de principiarmos em sermos três, ao invés da cachaça que me mataria nas ruas. Tínhamos que tomar fôlego, mas fatalmente eu teria que abandonar o convívio com pessoas de quem recebia mais solidariedade do que na maior parte dos lotes da minha experiência de vida. Tornei a falar abertamente com Natasha sobre o mundo que habitamos; suas idiossincrasias nefandas. Mas também de uma célula familiar que poderia vir a ser a construção de uma prerrogativa mais sóbria para ambas as existências. Na verdade, tanto eu como ela não compartíamos de uma união absolutamente carnal, pois era de seu absoluto excesso em sua vida e de minha retórica pungente de morador de rua, experiências tão pesadas e duras que seria mais do que isso o processo de união. Teríamos que reaprender a amar, já que os pretensos semelhantes moram do lado do preconceito e da amargura moral a não aceitar o excluído, com suas armas de opressão por vezes guarnecidas por algum poder oficial ou escuso.
            Na verdade, voltamos ao quarto do hotel, o choro dela veio convulsivo e eu mantive-me forte, acalorado, no entanto. Eram outras equações a serem resolvidas, dizia confiar apenas em mim e, como sempre, eu permanecia crédulo nos meus pareceres de homem. Mas era difícil crer que tudo acontecia ao meu redor, também não confiava em quase ninguém... Uma sombra de um nada percorria meus olhos nos vultos da cidade, já me vinha uma vontade lancinante de beber algo e possuía a certeza: se Nati me acompanhasse na dura tarefa de largar o vício já seria de larga estima, larga e extrema estima! Não haveria como cair mais baixo do que fazer cobertas dos papéis imerecidos do baixio das notícias, estas sim, em sua maioria de uma parcialidade até dissonante... Fatalmente, teríamos que mudar para um bairro mais afastado do centro da cidade e manter sigilo quanto à minha companhia, para que não desse na vista que ela estivesse com alguém. Algo de fortaleza se sobrepunha em minha visão, creio até que foi isso que me impôs uma virada na minha vida, ter uma vida a quem lutar... Debaixo, creio, sempre de baixo, assim, viver na base sem almejar um vôo que não fosse maior do que deve ser o justo para cada ser humano. Um fundamento, um esteio, um platô do conhecimento. Meu violão não seria meu mote de vida, mas este uma refeição, um banho, uma morada, um trabalho. A sobriedade da vazante de minhas angústias, a felicidade das cheias de meus companheiros e especialmente de Natasha em ambos que viveríamos por ser alguém na mesma luta em que as engrenagens de metal latem por fora, invectivas, em suas passagens claudicantes de lobos esfaimados.


II


Bem, reservamos aquele dia para passearmos na cidade, fomos a uma praia não muito distante, como a encontrarmos com nós mesmos... Voltamos ao hotel à tardinha. Dormimos cansados...
Acordamos no dia seguinte depois de um sono algo conturbado, mas logo posto em sossego depois de bastantes diálogos e pausas informais. Quaisquer espécies de rancores que viessem, a ternura de nosso laço vencia a cada minuto... Um olhar mais atento, contemplar um resto de bebida carmim no copo, o desalinho da cama, tudo vinha a calhar a um perfeito entendimento, justo que eu dormi em um colchão que me pareceu o próprio paraíso. Preferimos não nos tocar, apenas roçávamos naturalmente os corpos aquecidos no cobertor pesado no consentimento febril do carinho e da mesma ternura que nos envolvia naquele nicho resguardado pelo neon que invadia parte do quarto, da placa que irradiava a luz, marcando as letras brancas do letreiro... Nos era concedida uma forma de amar de dois que haviam de retirar-se de seu modo de vida tão amargo e cruento, de uma profundeza abissal do mesmo modo solitário de não querer as gentes, de esquecer na verdade quiçá o próprio ganho, de tão pouco: moedas miseráveis. Um homem ao lado dessa mulher seria uma espécie de consagração real de uma união consubstanciada na verdade, posto estarmos partindo de plataformas em que o lodo inóspito já era parte de nós mesmos. Aliás, estava eu para resolver o trabalho com Michel. Já passavam das oito. Olhei para Natasha e ela surpreendia-me com o talhe de suas roupas, que haveria de trocar, conforme disse a si, quieta no seu próprio entendimento...
De manhã, aliás, naquela manhã, de onde vinham dar as presenças os pombos que olhávamos da janela do hotel, por sobre, Nati já me vinha com o olhar que eu não mentiria que por vezes era claro como o dia, e à noite relampejavam focos de cristais mais duros, assim me parecia o olhar. Breton em suas poesias talvez remetesse a algo parecido... Estava ela circunspecta.
- Heitor, já é hora de descermos. Você tinha que arranjar algo, não?
- Sim, tenho que ligar para esse Michael. Você me empresta o celular?
- Óbvio.
- Obrigado.
Enquanto conversava com Michael, com certa dificuldade, pois a ligação não estava muito boa, Natasha descia comigo às escadas para quebrarmos o jejum. Michael possuía um sotaque de estrangeiro, mas sabia lidar com as palavras, me parecendo um competente homem do comércio. Marcamos um encontro no meio da manhã em sua sala. Era perto de onde eu estava. Não sabia de nada, ele me colocaria a par. Nisto, Natasha já pedira dois baurus com bastante queijo e presunto aquecidos na chapa. E dois copos grandes de vitamina de banana e mamão, com melaço e levedura, a pedido. Desceram pela nossa boca nas nossas próprias redondilhas de fome atrasada. Postos os detalhes da mesa farta qual família bem sita em se formar, conversamos a respeito da vida, de como é apenas sentir-se em um mundo em que o feedback vem apenas a granel na tecnologia. Mas, em minha convivência com a rua sabia que não era bem assim... Dava pra se comunicar sem a parafernália. Nas ruas, bem entendido! Quantos países tinham no seu desemprego a própria indústria das finanças olhando-os com descaso. Era justo? Não. Não era justo com ninguém, pois mesmo nas sociedades emergentes se sentia essa escravização monetária. Um prenúncio de algo gigantesco, posto sem fronteiras, posto sem muitas guias: cães frenéticos guardando os seus licores em jatos bem confortados e helicópteros pousando solenemente em seus tapetes de riqueza em edifícios que mais pareciam palácios em suas blindagens pungentes do descaso em relação à maioria da população mundial.
Tomamos dois expressos e eu fumei dois cigarros. Estava ansioso. Passaria na rua onde habitara pela noite, mas eu não sabia que já estavam cientes meus companheiros de dificuldades que nada havia se passado de mal comigo. Despedi-me de Nati que ficou no hotel assistindo os noticiários da TV. Deu-me dez reais para que eu comprasse na volta algum jornal.
O edifício onde trabalhava Michael tinha uma galeria no térreo, ali se comprava ouro, estavam algumas joalherias de prata, pequenas lojas de jeans e couro, salas de dentistas, etc. Como percebi aos primeiros olhares. A sala era no primeiro andar, as câmeras talvez, com o meu novo vestuário, não viam nada de novo naquele front de comércio, na miríade inenarrável do que é segurar uma plêiade de gente com intenções e propostas saudáveis do consumo... Eu me sentia um estranho de não entrar nesses meandros desde algo que não se reportasse há pouco tempo, pois estava jejuno do que não fosse comprar sempre o estritamente necessário, o que me deixara sem os desejos de obter.
            Parei diante de uma porta com entalhes belos e uma pequena lanterna chinesa na régua superior do batente. Toquei a campainha. Não demorou muito, me atendeu uma mulher oriental, os olhos amendoados, jovem e magra, com as calças apertadas, um tênis vermelho e um casaco estampado em couro, me pareceu. Na verdade, o mesmo casaco me causou um pouco de estupefato, não o esperava em uma mulher tão delicada. De tanto ver pessoas, se passava não saber muito me portar, ainda eu com um ranço da rua, de saber-me perdido até então. Ela olhou-me fixamente e me atendeu:
            - Senhor...? – Seus olhos revelavam uma serenidade que me abalou, visto eu me sentir totalmente fora do padrão, pelo menos como eu me vira nos últimos anos.
            - Eu sou Heitor. – Disse a ela. – Falei com o Michael e ele marcou um encontro. É sobre um trabalho com pecinhas de plástico, objetos...
            - Ah, sim... Queira entrar, por favor, meu esposo logo lhe atende. – Disse isso e chamou por Michael...
            A sala possuía um computador em uma mesa colocada na lateral da porta e uma grande mesa em seu centro. Era grande e com bastante espaço. Havia outro computador perto dessa mesa com um tipo de projetor digital, ligado a uma tela do outro lado, com desenhos que eu nunca vira parecidos com algo que conhecesse. Uma dinâmica que – a um olhar mais atento – deslumbrava e enriquecia. Tal o movimento das personagens que, na verdade, conferia ulterior importância ao enriquecimento de outra realidade, distinta dos rádios, distinta de uma TV convencional. Michael entrou na sala: um homem franzino, de barba farta, os olhos por trás de óculos de alto grau, vincos pronunciados na testa, calvo e já correndo pelos cinqüenta. Não era chinês, era mulato, de Moçambique. Havia que se encontrar seus olhos por entre as lentes. Cumprimentou-me e fez-me sentar em uma das duas poltronas que haviam por detrás de um biombo que a mim me pareceu de seda, com ilustrações de paisagens traçadas com pincel, como vim a descobrir mais tarde... Seus gestos eram graves e já me parecia ser algo como uma autoridade no intelecto. Mostrou-me mais do que isso... Era um homem genial. Gestava o seu fremir criativo na alçada distinta no que se apresenta ao vulgo, no que permitem divulgar. Depois de falar com ele por um bom tempo soube que se tratava de algo grande; assenti, ao conhecer os brinquedos de plástico que mudavam de cor conforme o humor das crianças ou adultos que os segurassem. Alguns brinquedos havia que se precipitavam em comportamentos irônicos, como um complemento da robótica elevado à potência de serem extremamente acessíveis em valores. Os bonecos eram a representação em matéria plástica dos personagens que eu vira projetados na tela. Michael me explicou uma história a respeito dessa usinagem de emoções sintéticas que eu não fazia idéia da tecnologia necessária ao processo de fabrico das peças, sua engenhosidade mecânica, algo compatível a destituir o império dos computadores em pequenos formatos, com a própria fusão de chips atrativos ao inverso, algo comparado ao que eram os carrinhos de brinquedo que encantaram tantas crianças, ou os bonequinhos de faroeste, estes injetados em moldes baseados em desenhos no universo estático.
            Eu seria representante, com amostras para o varejo, que para o montante de atacadistas outros eram contratados. Ofereceu-me um café bem forte e eu tremia um pouco de ansiedade em me saber colocado no mercado de forma tão gigantesca, tão forte. Pensava apenas em Natasha e na boa notícia... Como em um sonho, saí fortalecido de um sono de anos em que esperava por alguma oportunidade. Deu-me uma maleta reforçada, um lote pequeno de brinquedos e um catálogo a ser apresentado ao comércio, tudo com razão social, e etc. Suny, sua mulher, disse que Michael nunca fizera faculdade, mas freqüentava as fontes da tecnologia desde muito cedo, quando partiu para a Europa ainda criança com sua avó materna, depois de perder o pai em um acidente. Sua mãe morrera no parto, ainda muito jovem, no continente africano. Eu disse a ambos que havia morado na rua, no que Michael falou algo em chinês à sua mulher e riram bastante. Disse que meu boneco ficaria bem colorido com tudo... Eu não entendi muito, tal fora o impacto dessa ordem, que ficara desnorteado um tempo. Já eram duas horas da tarde e encontrei Nati dormindo e lembrei-me que o jornal que era para comprar não seria mais tão importante agora...


III

           
            Tivemos uma conversa, eu e Natasha, quando ela acordou. Depois de um silêncio de longos minutos em que nos olhávamos por através daquele pequeno espaço de hotel. Uma pequena sacada nos esperava. Estava repleta das pessoas que vagavam por baixo, por entre as ruas. Sob outros olhares, estes de automóveis sedados na modernidade, em seus faróis desenhados quais os olhares de gatos ou besouros esfaimados. As construções se esmeravam em retaliar as árvores estas que espaçavam raras na ausência do urbanismo. Seres de matéria, plasmados quais retortas de quinhão decantado de ganhos, ausência de uma proposição solidária entre as gentes. No entanto, a ordem se sublevava dentro de seus limites e muitos – como eu – ainda pensavam na vida das ruas... Era a vida na rua que tantos sabiam do que acontecia nas noites em que as casas por vezes não respiravam como se fosse um castigo continuar existindo em nossas vilas miseráveis. De outro modo não seria, qual medalha no peito que não se calca, ou uma tatuagem misteriosa que, como nós, muitos carregavam dentro de suas próprias vísceras. Algo que não passasse despercebido, não era a um estalar de dedos que esqueceríamos o gole de anos em cada manhã e os papelões compartidos em cada inverno. Se coubesse algo de interpretação não bastaria a se refletir, nem na empunhadura da caneta de um bom escritor. Jamais este o saberia, a não ser se houvera de uma vida muito próxima a questões como esta. Não seria de se dar preferência, pois o universo da miséria é tão vasto como o da burguesia. E as letras, por opção de estilo fecundo, traduzem a uma totalidade para se chegar a algum ponto. Nem que este seja pela via do ideal, consubstanciado aí sim, inevitavelmente, para a esfera individual, pois o coletivo só possuirá força se houver máxima de consciência a partir do indivíduo, agregado por um pressuposto social, pela prerrogativa em se fazer presente dentro do próprio nada que se apresenta nas esferas do ser, em maior parte das vezes, na recorrência catastrófica da humanidade em sua injustiça e desigualdades refletidas no viés das palavras, na infâmia e na soberba que cria em cada um a mesma vontade de poder, originada por meandros soturnos do inconsciente das sociedades.
            Olhamo-nos, eu e Natasha, estávamos ali como viventes de experiência em nossas lutas diárias, acostumados com o duro boicote que alguns seres sofrem no caudal intempestivo do progresso cego e inconseqüente, quando ignora o humanismo necessário versado a qualquer sociedade, seja civilizada ou dita primitiva. Nada explica sua ausência na perseguição religiosa, étnica, cultural ou ideológica. Em hipótese alguma se justifica isso, nem mesmo na covardia em se impor economias mais fortalecidas como empreitadas de dominação em relação a nações menos desenvolvidas. Ou, em questões vistas como algo sem importância, os preconceitos inóspitos com relação a grupos mais vulneráveis. Ou seja, obviamente, um parágrafo previsível, mas o oposto desse ideal humanitário é justamente o que se está aplicando, seja ele de que lado for. Na verdade, eu não encontrava a riqueza de amores no olhar de Nati, pois me pareciam seus olhos duas contas inexpressivas, languidas pelo trabalho incessante, meu Deus, pela dureza de sua realidade; isso me era mais importante, pois que eu via em seu coração o mesmo Deus que habita o meu, apenas um sinônimo de igualdade em que começamos a trilhar a partir de um ventre com uma vida e a sorte de ainda termos boa saúde...
            - Mira, Heitor, por sobre lá, aquele edifício, por sobre esse imenso palácio de concreto... Viu? Os pássaros? Voam como uma vida que pouco se vê, mas os vi e você não, enquanto está com essa maleta nova... Que maleta é essa? – Nati se dava conta de que havia acordado...
            - Pois é, Natasha... Um trabalhinho bem estranho... – Ri com bastante ânimo e ela aprumou a coluna, seus olhos aparentando uma tênue placidez. – Vou ter que apresentar umas criaturinhas de borracha que lhe mostro já...
            - O que? Que? Quero ver... De qualquer modo não precisa se preocupar com muita performance profissional, querido, pois vamos conseguir...
            - Deixe de caraminholas Natasha, é sério!    
            Abri a maleta que possuía vários compartimentos, quatro ao todo. No entanto, no primeiro já havia um tipo de manual extenso sobre como proceder ao comércio dos brinquedos e dizia já na capa para não testá-los enquanto não se houvesse estudado todos os quesitos necessários para se ter a prática conveniente e não quebrar as pequenas peças. Mostrei a ela os desenhos das personagens e ela se convenceu de que eu estava em um bom caminho. Era questão de eu poder estudar um tempo como para se conhecer a técnica de encontrar esses nichos de mercado. Natasha achou os bonecos parecidos com duendes, com figuras mágicas e eu lhe contei que Michael e Suny eram muito simpáticos e me pareceram muito sérios nesse bom projeto. Na verdade, descemos ambos para almoçar algo, mas já era um pouco tarde, preferimos um lanche na avenida trinta e quatro. Fomos a um sujinho, que distava pouco do hotel e ainda estavam servindo um prato feito. Falei-lhe que deveria agora se alimentar muito e transar com cautela, de preferência apenas comigo, se porventura acontecesse, o mínimo ou o mais discretamente possível. Ela alugaria um lugar e eu continuaria no hotel, visitando-a, até dar certo o meu trabalho, se eu tivesse uma sorte. Não quis concordar muito, mas procurei convencê-la de que também estaria disposto a começar uma vida deixando toda uma realidade concreta em virtude de nossa união. No que me disse ela:
            - Heitor... O que me falta é seu romantismo!
            - O que te falta é um pouco de realismo.
            - Desse teu realismo de constituir o que?
            - Pois sim, uma família... Quer o que? Saudosas malocas feministas?
            - À la puta teus ismos de merda... Nem sei o que é ser fêmea, meu caro. Sei o que é ser mulher... Não pense que vai me ganhando assim, não. A pensão eu a deixaria. Enfio uma agulha e deu para nós todos. Volto a fazer o que faço.
            - Perdoe-me. Às vezes eu tenho uma vocação em ser egotista que me destrói. Compreenda, para mim é forçoso, por vezes. Como se uma corda me amarrasse sempre a algum lugar, um espaço relativo. Talvez nas relações humanas eu me tenha portado assim, como indo ao permitido, ocultando-me onde não devo e encontro em você algo em que compartir já não fazia bem parte do repertório...
            - Esqueça um pouco. - Disse-me ela, atenta em meus olhos... De uma cor que mudava ao reflexo, aos movimentos dos que vinham por entre as luminosidades da porta de vidro do bar, os olhos meio amarelados, acobreados, tons que me embriagavam, pois adivinhava serem também um pouco azuis. Mas nada, era o reflexo talvez de mim mesmo em seus olhos, ou eram os olhos dela no humanismo que procurava, qual homem amarrado sobre si todo o tempo, e que não me permiti jamais encontrar a brutalidade em quaisquer olhares que encontrasse, pois aprendera mais, nestes anos, a ver do joelho para baixo, os pés descalços, as botas, as fivelas, e as peças rotas das esquinas.
            Olhei-a mais uma vez e ela sentiu que eu precisava apenas olhar longamente, ver os seus longos cílios, não ver-me, que não houvesse espelho, pois mais de uma vez já me estranhara em minha nova roupa, minha face: este que não era, mas parecia algum dia ter sido algo... Não queria aquela roupa cinza, talvez gostasse mais da roupa carmim de alguns protestos, logo trocadas, ou da roupa preta das modas do frio, ou mesmo dos atendentes de farmácia no seu branco algo asséptico que temia reencontrar em algum hospital. Cores. Assim nos sobrariam os dias? A cor significava uma história? O negro, o branco, o pardo, o amarelo... Seriam apenas as cores? Tal fosse como uma ruptura, não gostava do cinza que me lembrava estranhas calotas de plástico, engrenadas como máquinas de aço de imitação em uma autofagia tecnológica de propaganda barata, pois o custeio das máquinas não se apresentava nas periferias, quando se sentia no céu apenas o vôo estridente dos helicópteros em sua semântica exata, do que é máquina, do que ergue mais de tonelada pelos ares em suas operações de rotina. Mas pensei comigo: esta blusa, parecendo uma calota... Quem sou eu, já calvo, com o meu boné? Quem são os que se apresentam coloridos ou não? Talvez agora talvez fizesse parte de um time? Venderia ilusões? Ao olhar Natasha agora, vi-a sorrindo para mim e deu-me um espelho de maquilagem. Eu estava sujo de feijão nos beiços e limpei-me, obsoleto como o refrigerante que bebíamos. Falei a ela em tomar um trago... Acertamos a conta e ela me agarrou o braço, dizendo-me:
            - Nada, Heitor... Faremos algo melhor que rime com o seu nome...
            Deixei-me levar, largando a corda que me enforcava tanto tempo em toda aquela engrenagem de meus próprios pensamentos que senti no ato a altivez de meu ser ao ver que o calçado que possuía me fazia esquecer as feridas... A partir dali, nos tornamos companheiros.

IV


            Passamos os meses de modo recíproco. Tateando um pouco realidades reflexas, mas com o carinho presente, este imorredouro carinho que sempre deve haver.
            Outras nossas palavras passariam a ser quase o nada de sentir-se no cerne de suas liberdades, o engagèe de suas formas, ou o passadio enfermiço delas no descaso e non sense... Esse absurdo que por vezes torna-se lógico dentro de uma gramática maravilhosa da selva em que se tornam a comunicação e suas vertentes. Mas esse modo de ver o mundo era como não ter um final, apenas especulações verbais que não levavam a lugar nenhum, muito menos à fruição de um diálogo sincero. Assim, a miríade de tudo, o totalizante inerente à civilização contemporânea em que as palavras que a tentassem traduzir esbarrariam inevitavelmente no mesmo absurdo, como uma parede de gelatina sem sabor, translúcida como um cristal e efêmera como as tempestades de um clima aberrante. Pois bem, essa contemporaneidade do fugaz, de letras trocadas em um celular, de smiles postados no sítio de relacionamentos, uma facilidade tremenda de comunicação instantânea e ao mesmo tempo a inacessibilidade a propostas mais profundas de fruição que não fosse dentro de alguma cátedra acadêmica específica e quase abstrata, distanciava cada vez mais das ruas a possibilidade de uma intelectualidade mais aberta, mais sincera... Pois, se de crítica, a contundência chega a ser mais importante do que a própria clareza, esta que se torna previsível dentro dos cânones que não arraigam mais tanto, mas que por vezes são as bases históricas de sustentação do próprio léxico dos significados, pois sempre tudo existirá como processos históricos, antes lineares em seus pragmatismos, hoje transubstanciando a própria lógica, que o digam as programações computacionais orientadas aos objetos, com suas classes e raciocínios extremamente depurados... Em síntese, não há mudanças reais sem o aprofundamento e distribuição solidária e democrática do conhecimento, pois ninguém pode arrojar-se ao direito de deter em detrimento de muitos o direito ao monopólio deste mesmo conhecimento.
            Eu aprendera a manejar o comércio dos bonecos com maestria, o sucesso foi grande e a exclusividade da fabricação manteve-se em sua continuidade com a indústria sediando-se em Moçambique, para onde viajamos em um mês, com Michael e Suny. Essa mesma exclusividade que descreve com clareza a lógica do mercado que infelizmente possui um aspecto totalizante de segredos e misérias.
            O bebê nascera saudável, um menino a que chamamos de Pedro. Natasha deixou de receber a ajuda do pai da criança ainda no ventre, pois eu já começara a viver maritalmente com ela. Algum impasse, as idiossincrasias particulares, mas do nada é quase fácil de construir, como se versa na arquitetura. E o que se tem se preserva ao patrimônio, igualmente de mesma disciplina... Nada de dois, a alguns parecia, mas um filho era bem vindo em sua quase primeira primavera... Um padrinho moçambicano e uma madrinha chinesa. Estávamos bem situados em – acima de tudo – nosso amor, nosso carinho, nossos afetos e, obviamente, com uma retaguarda financeira que nos dava o lote de nossa manutenção. Sempre essa mesma hipótese conclusiva da premissa fatalmente inviolável. Mudamo-nos para um bairro próximo ao centro da cidade, chamado quadra sete, e o prédio era bom. Seguro e bom. Natasha fizera a gentileza extrema de me acompanhar na sobriedade e o álcool, em virtude de sua cálida companhia, já não me seduzia como antes. Essa talvez fosse a minha maior conquista: livrar-me, posto que alcoólatra contumaz, de um vício tão aterrador a que, na rua, construiria apenas a minha perda como homem. Quanto às questões do comércio, era latente a profusão de produtos, de embalagens, do marketing, da tecnologia de ponta ao acesso do povo. Desvendava-se em mim um mundo diverso, pujante em minha veia, antes, de pingo solitário em planícies desencontradas. Era uma questão altamente pertinente, de me saber digno a um mar de gente, a uma cidade caótica e, no entanto, extremamente sedutora, de não se ver tantos enfermos em quaisquer naturezas, sabermo-nos dentro de um santuário de cimento posto à praia e mar verdadeiro nos horizontes. E sempre o céu, este companheiro inseparável que nos une ao infinito!
            De tal monta estávamos com uma batuta de orquestra que já vínhamos acompanhando a criação de outras personagens do universo imaginário de Michael e Suny. Michael cuidava da robótica, da física, etc, e Suny era a artista que criava os desenhos, as animações de fundo – cenografias animadas – e a música dos filmes de apresentação dos bonecos, que já eram sucesso na África, no Oriente e na América Latina. Nos países do primeiro mundo já se haviam antecipado com um projeto similar no estilo de seu próprio imaginário, com o preço subsidiado pelos governos, com uma complementaridade com os seus próprios sistemas digitais de entretenimento, o que causava uma espécie de divisão na indústria, e o que vinha a ser algo de entreter-se às crianças e adultos já se tornava alvo de quantias vultosas e uma confusão no imaginário coletivo, fruto da ganância e falta de estratégias de marketing salutares para as sociedades como um todo. A quebra de patentes mundial já se era de praxe e a ingerência e espionagem industrial existiam como confetes espalhados em um salão vazio, quiçá com dois ou três felizes dignitários a catarem os mesmos confetes de ouro.
            No entanto, as redes de informação já sabiam que Michael e Suny haviam começado com os bonequinhos que reagiam aos humores, dançavam conforme qualquer música e conversavam entre si, em uma mostra que parecia a inteligência posta ao serviço de um brinquedo maravilhoso. Os personagens que surgiam eram de vários formatos e mostravam ao seu próprio contexto que o hemisfério sul do planeta era grandioso em seu arcabouço cultural, gigantescamente mais do que supunha o europeu, com os seus falsos status de supremacia nesse campo tão vasto, com o devido respeito que se deve ter a qualquer sociedade quando esta respeita às suas próximas, ou distantes. Pois, na questão do livre mercado, justamente voga quem joga honestamente, blefa honestamente, ou rouba descaradamente com suas covardias econômicas, o que vem a dar tudo no mesmo, pois se somos apenas quando temos. Posta e simplificada a questão, na grande ingerência do capital ainda em nossos dias, infelizmente.
            Eu e Natasha não compartíamos nada disso, pois não nos era dado o tempo para maiores reflexões. Éramos apenas uma pequena ventosa nos braços de um gigantesco polvo que freme em todas as direções, com e sem seus ossos, feitas as cartilagens de pedra nas fortalezas em que não podíamos entrar. Fazer o que, era nosso mundo. Os dilemas nossos eram outros e eram muito, mas muito mais importantes do que toda a dialética falsa dos impérios, todas as riquezas das nações em mundos mapeados, toda a champanhe bebida nas orgias pagãs, todo o controle, todo o poder, a ilusão criada, a ilusão que prostra o ilusionista, as notícias pagas, os verdadeiros e falsos heróis, de tão destituídos os mitos... Os ritos que se encerram em outras fronteiras, o não amar-se mais, o amor por compaixão, o rancor, a falsa solidariedade. Arms, outros braços... O estigma da loucura, este que talvez traduza algo quase alopático em uma verdade: c’est la vie... Não deixa de ser a vida, pois viver-se sano neste mundo é algo apático... Je t’aime à la folie!!!


fim

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