Estava uma
noite cálida naquele alvorecer de primavera, porquanto a Natureza não fizesse
maiores esforços, mas brotavam pernas, os tecidos mais sutis, as roupas negras,
as tatuagens nem sempre visíveis, enfim, alguns recortes do passadio. Havia um
homem na noite que tatuava de outro modo, tatuava as letras sobre algo, de
suporte, efetivamente, os tempos eram outros e se tornava possível o
acontecimento de se publicar, outrora impossível sem um montante razoável.
Mulheres do vulgo não lhe apeteciam, posto lhe dariam o trabalho de se estar
demandando favorecimentos, afetivos ou não, a atenção necessária e outras
questões como compulsórias relações de confiança por vezes sem o fundamento
necessário. A equação principal era ao menos saber quem seria ou de fato era a
sua mulher preferida, algo de se estar bem, de se auferir companhia, a parceria
de tato, uma relação confiável, justo, os tempos não eram bons, e o cidadão
aproveitava o silêncio do início das noites e sua previsível solidão a
confeccionar uma história aqui e outra ali.
Certa
vez, estava escrevendo em sua sala e escutou alguém falando algo na rua... Como
estava só, abriu a porta e encontrou Iolanda, que morava a algumas casas acima.
Ela estava meio dark, era meio dark, as roupas negras, o rosto moreno, o corpo
bem feito. Dito a si mesmo que a hora não era muito afeita, perguntou:
- De onde
você está vindo, mulher, já são uma e dez da madrugada!
- Estou
vindo do Chopp Brazil... Tô caída. Preciso de ao menos um risco. Você tem?
- Depende, eu tenho umas cinco
gramas por aqui, e espero que seu namorado não esteja por perto.
- Certamente não... Humphrey
voltou para a Austrália. – Disse Iolanda, com sarcasmo na voz.
- Você não guardou rancor, não é
mesmo?
- ...
Estava caindo um tipo de chuva,
não era quase exata essa água que cai em nuvens, os postes estavam com luzes de
led, e os bulbos amarelos davam saudades. O homem passou a ver a mulher através
das grades de seu portão, viu no olhar dela um certo desespero, viu que um
carro se aproximava lentamente, ela olhou para o outro lado, o homem, chamado
Lester lhe abriu rapidamente o portão e a envolveu com uma manta, e disse que
entrasse...
Na porta, não soube por que, mas pediu
perdão por alguma coisa, e Iolanda passou a tremer... Entraram. Acomodou-a no
sofá, preparou no microwave um café quente solúvel e deu a ela. Ela tremia, olhava
para os olhos dele e para as suas mãos, não suportava uma condição aparente e
ele disse para ficar tranquila:
- Aqui você está em paz. Mas não
te furtes, morena, você tem que largar o tatuador de mão...
- Eu faço quantas eu quiser...
- Até ficar grotesca, até virar
um monstro, e isso que quer se tornar? Lembre-se, o disfarce de um inocente
carrega mais culpa do que um dolo da evidência. Aos olhos de muitos, e lhe
digo, não se meta em encrencas, você tem que escutar um veterano como eu, sei
de muitos truques dos brutos, minha flor... Tem orientais de um metro e meio
que, com um único gesto, dão cabo de homens mais fortes do que uma muralha.
Olhe o que eu lhe digo, jamais tente lutar com o que desconhece, você não sabe
o treinamento de um shao lin ou de um samurai, e portanto não deve competir
nessa alçada, no velho dream team de sua babaquice oculta!
O homem levou a mulher, já meio
perdida na foto, para uma cama ao lado da sua e esperou que dormisse. Cobriu-a
com um cobertor, vigiou um pouco a entrada, o carro já voltava para casa...
Passada aquela noite, não a viu
mais, só no ano depois de todas aquelas tempestades existenciais, para ele
jamais haveria o descanso, mas apenas suas pequenas fronteiras a serem
demarcadas depois de um diálogo fraterno. Iolanda voltou da Austrália com
Humphrey, e se casaram na Igreja, sóbrios e felizes como manda o figurino.
Cai o pano.
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