Dos
andamentos de Pedro, aquilo que conversara parecia uma notícia em retalhos,
algo nova, algo de desmembramentos antigos. O olhar esgazeado da mulher que
encontrara no corredor da grande casa, uma festa perfeita, os banheiros, em quatro,
dois em cada andar, e um outro, azul turquesa nos ladrilhos pequenos, com as
taturanas brancas dispostas sobre o mármore da pia, por onde entrara enganado e
encontrara a mulher caída... A encontrara caída antes, e já estava ela no
corredor, pasmou, não sabia nem se era mesma, as unhas pintadas de negro, os
cabelos de raiz negra e loiros daquele branco de estranhas oxigenações do morro
ao lado! Um sem fôlego lhe tomara, não sabia de nada, estava como que entrante
na casa, um amigo lhe levara, e cria que levavam o amigo para outro “vetor”.
Uma reunião no topo, como que de empresários, os slides, os flashies das
câmeras, o palavrório, e uma questão que se anunciava quanto aos sistemas, as
coordenadas mesas, o empreendedorismo, as fotos de camas planejadas, o que
havia por encima delas, os utensílios sexuais, as petshops como pano de fundo,
quais, pequenos carimbos que se revelavam produtos mais e mais, e a profusão do
marketing, tudo planejado de ante véspera, argüia a si mesmo, seria esse um
caso de realidade mesclada com algo de semântica ilusória, mas seria a mulher
factível de ter entrado no andar de baixo e, mais ainda, teria outros andares a
casa, quiçá um porão, quiçá os quartos fossem inúmeros para cinco banheiros,
mas onde estariam? Tentou alicerçar de ares um pouco mais reais a fronte
daquela mulher, e ela lhe mostrava a ferida, uma facada, e lhe mostrava os remédios,
e que saíra do hospício, e estava bebendo e devia tomar – algum dia – os remédios
do psiquiatra, e dizia que tomaria, mas que a clínica não era para ela, pois
não ficaria com aqueles loucos que estavam tentando largar o que ela chamava de
brinquedos da noite, aliás, com a naturalidade da demência... Seu apelido era
anita, lhe chamavam, e ele quis saber se era em homenagem à Anita Garibaldi, a
heroína de dois mundos e riam à socapa, e lhe diziam: sim! Eufônico, sonoro!
Pedro boiava e eles falavam que ela levava heroína para os dois mundos e outros
mais e ele percebeu e consentiu e calou, no pensar de um tipo de sinistro
insight sobre a vida daquela mulher a cheirar das taturanas em cima do mármore,
e outros, mais sinistros, que vinham do andar de cima, engravatados, ricos, e
prestavam homenagem àquela mulher do morro, sem dentes, loiro-branco, com uma
tarja negra tatuada no antebraço que lhe servira para apagar com tinta
indelével o que antes havia firmado como comprometedora e enigmática
terminologia gráfica dos sem fins e sem começos... E o homem saiu satisfeito,
uma abotoadura de ouro, uma valise, e falou com a mulher, e ela lhe entrega um
pacote, e esse homem carregou dentro da valise, e disse a ela:
- Você
já está dispensada, falei com o médico, agora você procure o Caps, que é o
melhor lugar para você, senão volta para o hospício, a farmácia agradece, diga
que eu agradeço, apenas e não fale a ninguém senão a facada não a deixará viva
na próxima...
-
Valeu, sargento César, só acho que...
- Você
não acha nada e nunca me viu ou conheceu! Anda, que te querem na muvuca da
comunidade! Abre o olho que você também está na nossa mira, e os legalistas
estão na nossa cola. Portanto, se queres tirar o hôme, sabe que é a melhor
coisa a fazer, se não quer é pior, só lamento, entendido, soldado?
A
mulher, frouxa, fraca, exangue, drogada, no fundo do poço, estuprada, ferida,
maltratada e humilhada só teve força para dizer:
-
Sim... Valeu pela... força.
Nenhum comentário:
Postar um comentário