O
dia respirava um tempo morno. Elisa e Flávio estavam finalmente juntos e
íntimos. No caso, sempre estiveram de parceria saudável, nada que remontasse
rancores de especulação e nunca houvera um desencontro, pois partilhavam de uma
vida juntos, ao menos na amizade presencial, o que era raro no novo milênio já
atravessado por uma lâmina de aço de mais de década... Fazer o que, o mundo era
assim a ambos e se gostavam desse modo, o que não importava a classe, gênero ou
condição, ainda mais se a situação que dificultasse os unisse, por um saudável
combate no dia a dia que solidifica a relação companheira. A questão era essa,
não tanto a hedonista, a mítica, o ego que nos sobra sob crítica por vezes algo
sincera, mas que nos sobra tanto falsamente quanto ignorarmos o que realmente
somos no mundo. As questões espirituais de fala são fáceis, a enganação de que
somos altos ofuscam, pois é na vida pragmática e concreta que vemos quem é quem
em nosso entorno, e Elisa e Flávio estavam juntos há muito: de se olharem, de
trabalharem juntos, enfim, daquele amor que não se constrói com relações de
poder, com jogos ou ensaios, e nada seria passível de remover uma vida tão
justa e igual entre eles, como um homem e uma mulher gostam de se amar.
O
novo se tornara distante em seus repertórios, pois sempre, em cada respirar de
angústia, em cada inquietação, sempre haveria um ao outro um rebatimento das estrelas que igualmente em mesma magnitude residiam em ambos! Era já uma vida a
dois, uma relação consolidada, a única possível, predestinada e de fato. Não
havia mais apenas a atração física, mas a atração histórica, posto serem de boa
posição de caráter, ímpar entre tantos e tantos da sociedade, mas apenas mais
um casal que se dá bem em justeza de vida a dois, nessa mola que move
em consonância dois seres: no caso, um homem e uma mulher. Flávio estava
feliz, tremendamente feliz, ou obviamente realizado, posto em sua ardente
verdade, que na realidade sempre ardia por ela, ter permitido a um egoísmo que
por vezes nos alcança na vida e na inquietação desses novos tempos, um amor ao
seu lado, que era de si para ela, e no olhar da mulher, de fora para ele, generosamente,
como é o olhar da mulher.
Abria-se
espaço para um confortável diálogo nos seus encontros, e a face desse diálogo
participava da abertura sincera de sermos quem somos, de não haver máscaras, da
fraqueza ser compreendida tanto quanto a fortaleza, de ambos erguerem um ao
outro, da solidez de um encontro germinado em muito outrora e consolidado no
mesmo olhar cúmplice de um poeta com uma camponesa, de um artista com a musa,
de um ser com outro, de uma árvore e seus ventos com os pássaros, a bem dizer,
uma paixão que rescendia a flores, um carinho sólido em boa hora, um alimento
fecundo em uma vereda de luz! Seria simples demais, e a mulher era a terra, o
húmus, o mundo em sua mesma e feminina Natureza. Talvez um homem algo intruso,
mas que a Terra o permitisse, posto ainda semente algo de unir o fogo e a água,
a semântica e a tradução, o verbo com o Eu, o consonante, o dissonante, o
completo, o cosmos, e tudo o que nos relacionasse com seres humanos que possuem
o poder de viver harmonicamente, com o amor silencioso e por vezes inevitável
em nossas vidas, pois não há porque falar desse sentimento, já que brota da
mesma terra, feito alimento de nosso corpo.
Assim
seguiram, e o diálogo veio primeiro, viera a primavera, e deram-se as mãos
calejadas para si em ambos, se fazendo a comunhão necessária, a se permitirem,
que muitos olhassem para o amor entre duas pessoas como algo lindo, e a poesia
ressuscitava os seres que partilhavam do encontro inegavelmente concreto da
vida compartida. Sem as meias palavras, sem o método, sem a parafernália que
não seja a concernente a Deus, como um sino tibetano que anuncia um novo dia no
alvorecer do mundo!
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