Lúcia de Sarmento vira a lua por
acaso. Não era a lua que lhe prometeram todos os dias daquela primavera primeira
e no entanto atualizada pelos calores recentes. De um frio que sentia, na
verdade, em uma parte do corpo em que sabia haver: carente de um toque, carente de um carinho a que
deixasse o fremir de lado, pelo menos por uma pausa... Sua cabeça parecia que
explodia. Todos os homens que passavam... E que não encontrasse nada, c’est la vie! Aquelas figuras
conformadas, um seio de carcinoma que nunca existira nela, mas que sabia estar
presente em muitos sítios, do muito se comer, dos celulares e suas radiações,
do sol que não se podia mais, de uma água amarga de se beber, do ponto
existencial, da literatura que lia, por não encontrar fora o dentro que
observava existir desde há meses, em suas descobertas introspectivas.
Ah, o lugar comum da literatura!
Aquilo que nós nos permitimos ler, a auto ajuda, que ajuda a autoria... Não
seria mais isso, posto por um realismo crítico! Sim, uma prerrogativa... A mais
não saberia, era uma mulher e sabia disso, saberia abraçar sua vida com a
coragem de poucas. Nisso de autoria era igualmente fêmea, no seu traço de criar
que não coadunava com as mesmices de suas contemporâneas. Nela mesclavam-se a
lua e o sonho, de forma que uma era luz em exposição, o sonho em nos
encontrarmos sob o astro, e o outro a luz da noite que nos tece companhia, ou o
vagar de uma estrela em nossos olhos quando estamos de sonhar acordados! Lúcia
não distinguia muito, só saberia deles mais de perto, quando de se tornar
matéria viva, lúcida, coerente, no altear-se de suas escaladas pelas
intempéries dos sentimentos dos tempos...
De luas e sonhos, era um sono
escalar que entorpecia os mesmos sentimentos que destarte lembrariam quiçá uma
vigília que esperasse o bem portar-se. Essa antiga questão de bem portar-nos,
que abraça a civilizada forma de viver, trazendo aspectos positivos quando
sempre nos adaptamos a um meio que podemos usufruir de certos modos, no que
oferece de bom, sendo de uma televisão, quando apenas de seus cenários, se for
a única vantagem no usufruir dessa estranha – ainda – máquina de entreter,
vista como tele-visão os computadores igualmente, posto a diferença crucial é
não sermos tele-guiados, um fator de alienação contemporânea, em um modal cada
vez mais consentido como única forma de estarmos com a nossa pretensa – nessa visão
– tecnologia ou tecnocracia em dia. A lua não contemplava isso na vida de
Lúcia, bem porque conseguira ainda jovem ler toda a obra de Shakespeare em
espanhol, a lógica de Hegel, o Capital de Marx, o Elogio da Loucura de Erasmo,
entre literaturas clássicas, com autores diversos como Eça, Lima Barreto,
Euclides da Cunha, Balzac, Zola, Dante, este em idade um pouco mais avançada,
já beirando os trinta anos de primaveras que se tornavam pouco a pouco a
experiência de vida intelectual paritária com a média de uma bagagem de latino américa
do nível de Chile, Argentina e Uruguai. Por isso os computadores não faziam tanto
sentido assim, de serem a suas únicas referências tecnológicas, já que para ela
um bom coador de pano ainda passava o verdadeiro e insubstituível café, que
fazia mais parte de sua vida do que uma máquina que sofre manipulações
diuturnas. Muitos eram as pensadores, muitas eram as intelectuais. Aquelas que
haviam por vezes casado e tiveram tempo para a leitura e que aproveitaram,
mesmo em casamentos fracassados, possuíram estatura moral e intelectual de
monta suficiente para ao menos existirem como expressão cabal de mulheres
libertárias mesmo sendo de gerações onde os papéis eram desiguais ao olhar chauvinista
de toda a sociedade, principalmente em certos colonialismos típicos do terceiro
mundo...
Lúcia de Sarmento escrevia como Marguerite
Yourcenar, com a paixão pelas letras, mas com a experiência de agora, com mais
de sessenta anos, uma profundidade quase titânica. E assim passava seus tempos,
muito de observar, de onde colhia seus materiais na mesma sociedade que agora
se transformara, em que os papéis não invertiam tanto, mas novas formas de dominação
machista assumiam novos perfis, um tanto de modal genérico em que as pessoas se
transformavam em classes e objetos, cada vez mais, com a integração dos
sistemas e suas relações mercenárias. Porquanto fossem intelectuais, homens,
mulheres, etc, essa variedade do pensar sofria o véu da inalcançável fama
construída, com a expressão mais sincera talhada nas suas ainda raízes, no que
não foi fincado e, com o poder das palavras na ponta de lança das sociedades, a
admissão de frentes de nascentes intelectualidades teriam de ser abafadas pelo
status quo do imperialismo, quando esses ensaios ou peças de filosofia ou
literatura despontem a leitores alternados. Assim era a humanidade... Assim se
processa a humanidade, e a lua é algo real, assim como o sonho concretizado por
palavras deixadas em uma garrafa em mar de revelações, posto a posição de uma
escritora ou de um escritor é sempre escrever aquilo que vem de seu imo: da
profundeza de sua vivência cotidiana e de seu conhecimento pregresso, a se
acompanhar nas ações do presente.
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