domingo, 8 de setembro de 2024

PARTICULARES


               Saíra do café exatamente quando uma tropa militar passava pelo trevo adjacente. A atmosfera estava meio com a cor opaca de um céu algo cinza, a praia sempre estava ao alcance das pernas, era a vantagem de morar nessa imediação... Chegando na orla, vi um conhecido escutando um velho rádio, estranhei que fosse assim, que não era esses de celular, como se usa com os fones, era um homem bem solitário, mas quase nunca comigo conversava. Mas de qualquer modo era um homem que não se atinha a coisas afeitas a amizades, poucos amigos, amargo, era essa a maneira que o tinha como ser extremamente refratário, partidário de golpes militares, coisas afins, e possuía rancores profundos, como se a sua solidão fosse culpa da sociedade ou muito de similares.

               Eu peguei de uma harmônica, me desloquei um pouco para outro nicho, meio que atrás de uma castanheira, toquei antigas músicas, qual fraco repertório, não me ensombrecia o fato de que alguém escutava, já tinha sido o tempo em que alguns negros gostavam de me escutar tocando blues, mas isso eu não encontrava muito, quiçá fossem as estações que passavam e sequer me apercebia tanto, não fora pelas temperaturas dos dias. Aliás, não que fosse motes de libertação, mas o fato de transigir para uma atitude de compartir uma harmônica assim de chofre, onde não se esperaria, onde não se cobrava nada, era uma forma particular minha de estar ao menos “falando” com as coisas que encontrava pela frente, até mesmo as rochas, pungentes, presentes, tecendo as formas mais inusitadas, pois sempre eram distintas, qual a montanha que Cézanne pintara incansavelmente, o monte Santa Vitória, sempre com novas cores, nisso de lembrar apenas as épocas em que os estudos de arte tanto ocupavam as minhas horas, e isso na realidade eu buscava agora de outro modo, vendo as gentes, buscando viver os espaços tendo contato mais próximo e concretamente com a Natureza.

               Vieram passantes naquela orla, mulheres com seus animais, seus cãezinhos, vieram gentes de obra, os mesmos passantes que o destino talhava com cinzeis que eram afeitos ao acaso por vezes, mas na mesma acepção, eu simplesmente não tinha percepções maiores que não fossem os trilhos desses trens soturnos que vemos passar, como testemunhamos às horas de um dia, e como, depois de um tempo, depois de tragado mais um cigarro, agora cuidando mais as horas em que fumava, pois estava reduzindo esse estranho vício... Era hora de retornar ao café, nessa ida e vinda da vida, a se tomar mais um refrigerante zero, quem sabe, ou a água mineral, que já sabia mais da rotina de meus dias quase transparentes sem os mistérios que faziam parte do que via todas as vezes que compartia das orlas e dos passantes do tempo.

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